sexta-feira, fevereiro 08, 2008

Sweeney Todd


Os melhores filmes de Tim Burton trazem sua assinatura. Foi assim em Edward Mãos de Tesoura, Ed Wood e A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça. E não somente pelo visual dark ou gótico dos cenários, figurinos, fotografia e maquiagem. Falo também da atuação do elenco, que se entrega de forma exagerada. Posso dizer circense? Bom, algo assim. Talvez seus grandes filmes não sejam levados a sério por parecerem alegorias. Eu não ligo e levo o cara a sério. Dentro de seu universo particular, Burton é genial. Admiro o trabalho de um diretor que é reconhecido somente por um simples olhar para a tela do cinema. É como identificar a obra de um pintor renomado.

Por isso, talvez, que eu tenha desdenhado de seus últimos trabalhos após A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça. Foi um período de refilmagens que em nada acrescentaram aos originais (Planeta dos Macacos e A Fantástica Fábrica de Chocolate), além de Peixe Grande, que é bonitinho demais para ser "um filme de Tim Burton", e A Noiva Cadáver, o melhorzinho dessa remessa.

Mas com o musical Sweeney Todd - O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet (Sweeney Todd - The Demon Barber of Fleet Street, 2007), o diretor (ao lado do amigo Johnny Depp) retorna finalmente a Burtonville. E como em Batman e Batman - O Retorno, ele volta ao tema da vingança de um herói amargurado, que vive nas sombras.

Nunca houve um musical como Sweeney Todd. Não conheço o espetáculo original de Stephen Sondheim e Hugh Wheeler, que por sua vez é adaptado da peça de Christopher Bond. Mas no cinema, Sweeney Todd é um musical único. Não é agradável ou alegre. É fúnebre. Trata-se de uma tragédia. Ok. Não tem o clima de Dançando no Escuro, de Lars Von Trier, mas isso aqui é Hollywood. As canções de Sweeney Todd foram feitas para lamentar e apreciar a existência de beleza na escuridão - o que é a síntese do cinema de Tim Burton.

Além do mais, há uma quantidade absurda de sangue na tela. A fotografia de Dariusz Wolski, da trilogia Piratas do Caribe, é praticamente dominada pelas sombras. Suas lentes procuram a escuridão e fogem da luz. Há poucas cores em Sweeney Todd. É quase um filme em preto e branco saído do cinema mudo. As imagens parecem envelhecidas pelo tempo. Juntando a fotografia de Wolski e a direção de arte de Dante Ferretti, temos uma Londres assustadora e pintada com "cores" e "formas" inspiradas pelo expressionismo alemão. Esse é o Tim Burton que eu gosto. Tudo isso para voltar ao sangue de Sweeney Todd. Acho que ele é exageradamente falso para se destacar na escuridão dos cenários e da fotografia. Ou seja, não é uma falha do filme.

O mais estranho é como Burton extrai beleza deste filme. É um talento e tanto. O barbeiro Benjamin Barker (Johnny Depp) volta a Londres em busca de vingança contra os homens que destruiram seus amores e esperanças. Agora, com o nome de Sweeney Todd, ele atrai sua clientela para a cadeira e... faz a barba mais rente de suas vidas. Com a ajuda da solitária Mrs. Lovett (Helena Bonham Carter), a dona de uma loja de tortas horrendas, Todd desencadeia um banho de sangue e trabalha uma receita que o povo londrino jamais esquecerá.

É mórbido, mas graças a Burton e Johnny Depp com seu olhar perdido nas trevas, Sweeney Todd é um filme bonito, encantador. Por mais estranho que pareça. É o resultado da longa parceria entre a dupla, que atingiu a perfeita sintonia. Um sabe o que o outro quer. E isso está na tela. Um exemplo é Depp/Todd cantando a bela My Friends, uma ode a suas inseparáveis navalhas (!). Isso é sintonia entre um ator que conhece o mundo de seu diretor. E vice-versa.

Apesar de algumas críticas que li, Johnny Depp até canta bem. Ele não é um tenor, mas esse é um musical de horror. Acho que uma desafinada aqui e outra ali faz parte deste show. Helena Bonham Carter é o lado feminino do cineasta. É naturalmente a noiva de Frankenstein. Como Mrs. Lovett, Helena Bonham Carter é... Helena Bonham Carter. E isso basta. A surpresa vem do menino Ed Sanders, que desempenha papel importante na trama. Burton faz o garoto comer, literalmente, o pão que o Diabo amassou para revelar um novo talento do cinema.

Mas é o trabalho de Johnny Depp como ator que realmente fascina. É uma performance sem exageros num filme teoricamente exagerado. Já falei do olhar de seu Sweeney Todd, que deseja concluir sua vingança. Mas o tempo todo, ele também quer que alguém liberte sua alma desta condição. O que nos leva à visão de Tim Burton para a Pietà, de Michelangelo. Só que coberta de sangue, claro. Você vai ver. A beleza de Sweeney Todd não está apenas no visual. Não é para todos os gostos, mas talvez seja o melhor filme do diretor até hoje.

Sweeney Todd - O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet (Sweeney Todd - The Demon Barber of Fleet Street, 2007)
Direção: Tim Burton
Roteiro: John Logan (Adaptado do musical de Stephen Sondheim e Hugh Wheeler)
Elenco: Johnny Depp, Helena Bonham Carter, Jamie Campbell Bower, Alan Rickman, Timothy Spall, Sacha Baron Cohen, Jayne Wisener e Ed Sanders

11 Comments:

At 7:10 PM, fevereiro 08, 2008, Blogger Kamila said...

Como assistirei ao filme amanhã, passarei depois para ler sua crítica e comentá-la da maneira correta.

Bom final de semana!

 
At 10:08 PM, fevereiro 08, 2008, Blogger Flávia said...

Eu bem gostei do filme... Johnny Depp arrasa! Só faltou dizer que também é engraçado, em diversos momentos. Principalmente nas cenas do Sacha Baron Cohen...

 
At 11:48 PM, fevereiro 08, 2008, Anonymous Anônimo said...

É tão bom assim mesmo? Caramba, fiquei ansioso agora. Não passa de Domingo e vejo esse, ao lado de Cloverfield.

Ciao!

 
At 11:53 PM, fevereiro 08, 2008, Blogger Otavio Almeida said...

Eu gostei muito... E sim, o filme também é engraçado. Mas eu dou risada do cavaleiro sem cabeça cortando cabeças... Enfim, esse sou eu.

 
At 4:01 AM, fevereiro 09, 2008, Anonymous Anônimo said...

Já comentei aqui que esse é um dos filmes mais aguardados por mim durante os últimos meses - devo ver nesse fim de semana ou no próximo. E, apesar de seus comentários positivos, estou preocupado com o Depp cantando, já li muitas críticas comentando sua desafinação.

Abraço!

 
At 11:10 AM, fevereiro 09, 2008, Blogger Otavio Almeida said...

Mas é filme de horror... faz parte. E nem precisa se preocupar, Vinicius. Ele foi até indicado ao Oscar...

Abs!

 
At 4:39 PM, fevereiro 09, 2008, Blogger Kamila said...

Otavio, como prometido, depois de assistir ao filme, eis que estou aqui.

O filme não me empolgou tanto quanto a você. Mas, concordo que ele retoma esses elementos recorrentes da filmografia de Tim Burton.

Gostei muito da fluência dos números musicais e, sem querer, no meu texto, falei de algumas coisas que você tocou aqui! :-)

Do elenco, ADOREI o Edward Sanders. O menino é um achado. Que voz linda!

Não achei nada de mais, no entanto, nas atuações de Bonham Carter e Depp.

Beijos.

 
At 11:14 PM, fevereiro 09, 2008, Blogger Otavio Almeida said...

Obrigado, Kamila!

Eu adorei. Vou lá ler sua crítica.

Bjs!

 
At 1:02 AM, fevereiro 11, 2008, Anonymous Anônimo said...

Muito bom o tom do seu texto, Otávio! Quase poético. Gostei muito de Sweeney Todd, mas acho que algumas canções são desnecessárias e tornam alguns trechos incômodos. Ainda assim fiquei maravilhado com esse filme.

 
At 11:00 AM, fevereiro 11, 2008, Blogger Otavio Almeida said...

É um belo filme, Luciano. Sem dúvida. Eu só acho que a distribuidora não deveria ter enganado a maioria do público. O trailer não deixa claro que SWEENEY TODD é um musical. Fizeram a mesma jogada no trailer de MOULIN ROUGE.

Tem muita gente que se contorce na cadeira e deixa a sala antes do fim.

Abs!

 
At 5:48 PM, julho 16, 2008, Anonymous Anônimo said...

Você diz muito!Ganhei o pôster esse fim de semana, foi um dos melhores presentes de minha dark life (rs). Se tiver saco, digo, tempo, leia minha humilde contribuição em cineminuzzo.blogspot.com
abraço!

 

Postar um comentário

<< Home