quarta-feira, janeiro 02, 2008

Ridley Scott lança sua versão favorita de Blade Runner


A SAGA DE UM CLÁSSICO MODERNO

Em dezembro, a Warner lançou um DVD com as três versões de Blade Runner - O Caçador de Andróides (Blade Runner, 1982), cult movie máximo da década de 80. Para muitos, esse foi o último grande representante da ficção científica. Mas estou aqui para comentar os extras deste clássico moderno, que trazem algumas curiosidades para os fãs.

No início, havia o conto Do Androids Dream of Electric Sheep?, de Philip K. Dick, um mestre do gênero até então desconhecido por Hollywood. O novato Hampton Fancher recebeu uma grana de um amigo investidor para escrever um roteiro de sua preferência. Fancher estava fascinado pela história de Philip K. Dick, mas a primeira versão do script recebeu o título Dangerous Days.

O produtor Michael Deeley, ao lado do estúdio e dos homens que bancaram o projeto, chegaram ao nome do jovem Ridley Scott, que ganhou fama por ter dirigido Alien - O Oitavo Passageiro. Inicialmente, ele não queria se envolver com outra ficção científica, mas o produtor Dino De Laurentiis o convidou para levar Duna às telas. Scott abandonou a adaptação do conto de Frank Herbert por causa da morte de seu irmão e entrou num período de depressão. Duna acabou nas mãos de David Lynch. E Michael Deeley convenceu Scott a comandar Dangerous Days, afinal ele precisava trabalhar duro para esquecer a tragédia familiar.

Bem antes disso, em 1979, William S. Burroughs fez uma adaptação do romance The Blade Runner, de Alan E. Nourse, que jamais chegou aos cinemas. Com a autorização de Ridley Scott, o roteirista Hampton Fancher adquiriu permissão para utilizar o título Blade Runner. No entanto, Scott achou o roteiro inicial muito sombrio e escalou David Peoples, que mais tarde faria Os Imperdoáveis para Clint Eastwood, com o objetivo de tornar o texto um pouco menos sufocante. Fancher odiou a idéia, mas depois que viu o resultado final, admitiu que Scott estava certo.

A direção de arte de Blade Runner é um capítulo a parte. E é incrível como Alien deixou Ridley Scott na posição de mandar e desmandar na equipe. O crédito na realização dos cenários é de Lawrence G. Paull e David Snyder, mas eles fizeram o que Ridley Scott imaginou. O diretor veio dos comerciais e colocou todo o seu talento visual em storyboards. A equipe se virava para dar vida às ilustrações de Scott e do artista Syd Mead retiradas de sonhos com Metrópolis, de Fritz Lang, e dos quadrinhos Heavy Metal desenhados pelo cultuado Moebius.

Para o papel de Deckard, o caçador de andróides, diretor e produtores selecionaram uma lista até chegar ao nome de Dustin Hoffman, que não tinha exatamente o perfil de um herói. Mas enquanto adaptavam o roteiro à presença de Hoffman, que embarcou na idéia, todos perceberam que o conceito inicial de Blade Runner estava mudando para "encaixar" o ator. Foi aí que Scott e Deeley conversaram com Steven Spielberg, que dirigia Harrison Ford, em Os Caçadores da Arca Perdida. Ao conhecer Ford, Ridley Scott viu o seu Deckard. Mas, ao mesmo tempo, ficou chateado por se ver obrigado a abandonar o chapéu de seu figurino original, afinal o astro sairia das roupas de Indiana Jones para embarcar direto no futuro escuro de Blade Runner.

Ocupado com detalhes minuciosos da produção, Scott deixou Harrison Ford um pouco de lado. A atriz novata Sean Young recebeu muito mais atenção e o astro foi ficando irritado e impaciente. Mais tarde, Scott admitiu isso e disse a Ford que jamais achou que ele precisasse de orientação. Foi difícil, mas o astro entendeu. Mesmo assim, Ford trabalhou descontente com todos aqueles cenários gigantescos, fumaça, sujeira, escuridão e um monte de figurantes. Ele só se alegrou no fim dos filmagens, porque estava chegando a hora de ir para casa.

Ainda assim, o resultado final foi desaprovado pelos produtores (e pelo estúdio). Scott foi forçado a inserir uma estúpida narração em off para o personagem de Harrison Ford. A beleza de cada cena foi explicada por Deckard e o verdadeiro sentido do filme foi diluído. O visual e a atmosfera de Blade Runner continuaram magníficos. Mas o que o filme queria dizer? Scott sempre quis realizar uma visão pessimista do futuro. Superpopulação, poluição, extinção dos animais, a presença de andróides (ou replicantes) escravos, chuva ácida e a incômoda impressão de que o amanhã nunca virá... nada de esperança. O estúdio ainda criou uma cena final otimista e romântica que nada tinha a ver com o que vimos durante o filme. E a narração em off reduziu essa complexa obra existencialista a um policial futurista estiloso.

A conseqüência foi um fim de semana de estréia desastroso. As críticas foram péssimas. Tudo porque, ao redor de Ridley Scott, estavam pessoas que não compreenderam o potencial do filme. Para piorar, na época de seu lançamento, Blade Runner precisou disputar público com E.T. - O Extraterrestre, uma ficção científica cativante e distante do pessimismo proposto por Scott. Além de Blade Runner, outros exemplares do gênero apanharam feio de E.T. em 1982. Jornada nas Estrelas II - A Ira de Khan e O Enigma de Outro Mundo estiveram entre as vítimas do alienígena de Spielberg.


UMA NOVA VISÃO DO MUNDO

Mas a década de 80 apresentou o vídeo cassete e Blade Runner foi uma das primeiras fitas nas casas dos consumidores. O filme voltou aos cinemas em sessões especiais e ganhou fãs por todo o mundo. Há 25 anos, a trama é discutida por nerds. Para os realizadores, isso não tem preço. O tempo é o melhor crítico que existe e Blade Runner, enfim, triunfou.

Seu legado pode ser visto em dezenas de filmes e videoclipes. Hoje, é uma das obras mais influentes do cinema contemporâneo em visual e narrativa. Somente dentro da ficção científica, Blade Runner deixou as cores de lado e abriu espaço para contos sombrios como O Exterminador do Futuro e Matrix.

Entre os filmes do gênero mais celebrados, Blade Runner apostou numa visão de futuro cada vez mais concreta em nosso dia-a-dia. Seu tiro foi o mais certeiro. Além do respeito dos cinéfilos, Blade Runner virou objeto de estudo de arquitetos e recebeu elogios até de historiadores e cientistas. Na verdade, o mérito também é de Philip K. Dick, que morreu antes da estréia do filme. Sua visão do futuro sempre foi concebida de forma plausível. Apesar de lenta, a evolução acontece. Por exemplo, a tecnologia agilizou a informação, que está em todos os lugares. Em cada canto, existe um computador. As pessoas não largam a internet e seus recursos. Os designs de prédios e carros mudam, mas seus interiores (e suas funções) ainda lembram um passado não muito distante. A evolução acontece, mas somos capazes de acompanhá-la.

Philip K. Dick virou desejo de consumo de Hollywood. Mais tarde, vimos O Vingador do Futuro, de Paul Verhoeven, Minority Report, de Steven Spielberg, O Pagamento, de John Woo, e O Homem Duplo, de Richard Linklater.

O CONCEITO DE OBRA ABERTA

Mesmo com o sucesso, Ridley Scott jamais desistiu de sua visão original. Em 1992, ele quase conseguiu. A Warner lançou uma segunda versão sem a narração em off e acrescentou uma cena que gera uma incrível dúvida defendida pelo diretor: Deckard é ou não é um replicante? Antes, isso jamais teria sido cogitado. Não sem algumas pistas. Como sonhava seu diretor, Blade Runner ficou mais complexo. Mas aquela cena final romântica filmada durante o dia e totalmente deslocada persistiu.

Essa ousada aposta de Ridley Scott inaugurou o conceito de obra aberta no cinema. Principalmente por causa do mercado de home video. Agora, os diretores insatisfeitos com a versão de cinema de seus filmes podem apresentar a visão inicial de suas obras. George Lucas fez isso com Star Wars, Spielberg com E.T., Coppola com Apocalypse Now e Peter Jackson com O Senhor dos Anéis. O próprio Ridley Scott lançou sua "versão do diretor" de Cruzada nos EUA.

A versão de 2007 de Blade Runner, que chegou em DVD, vem com apresentação do diretor. A mudança significativa está na exclusão da famigerada cena final. E é impressionante assistir ao clássico com imagem e som renovados. Parece outro filme. E com outra mensagem. O fascínio em torno de Blade Runner só aumenta.

6 Comments:

At 10:45 PM, janeiro 02, 2008, Anonymous Anônimo said...

Blade Runner é um filme que gosto muito, mas preciso rever para ter certeza do porque de ser tão venerado. Pessoalmente, já vi ficções melhores. Mas talvez foi meu humor. Procurarei para rever.

Ciao!

 
At 9:04 AM, janeiro 03, 2008, Blogger Marfil said...

E obviamente será comprado! Com toda Pompa e Circunstância!

 
At 11:22 AM, janeiro 03, 2008, Blogger Marcus Vinícius said...

Um clássico da maior grandeza como Blade Runner merecia um tratamento especial. Excelente texto, amigo Otávio, com certeza compraremos o dvd também.
Abraço

 
At 4:18 PM, janeiro 03, 2008, Anonymous Anônimo said...

Puxa, que texto excelente. Já tinha visto ontem, mas só comento agora. Não sabia de tantos detalhes dessa produção, nem dessa 'saga' que o filme enfrentou para sair do papel. Pelo que vejo, "Blade Runner" foi um tanto incompreendido na época de seu lançamento, mas hoje sem dúvida é considerada uma das melhores ficções em todos os tempos. Só vi o fime uma vez (no ano passado) e gostei muito, espero conferir essa edição especial. Achei interessante você comentar a direção de arte também, uma das melhores qu já vi e filmes desse gênero.

 
At 4:29 PM, janeiro 03, 2008, Blogger Otavio Almeida said...

Muito obrigado, Vinicius! E Marcus!

Ainda estou com os extras do DVD explodindo na minha cabeça...

Abs!

 
At 5:16 PM, junho 02, 2009, Blogger Edilson Palhares said...

Seu texto é excelente! Parabéns. No entanto há um equívoco: na "Director Cut", de 1992, a cena do final feliz de Blade Runner já havia sido cortada. O filme já terminava quando no elevador. Na "Final Cut" de 2007, o filme temos a mesma versão de 1992, apenas com algumas falhas consertadas (cabos dos spinners aparentes, ferida no rosto de Deckard que aparece antes do tempo, ombro misterioso em cena de Roy, sapatos sem saldo de Zhora, falta de vóz em fala de Deckard etc.) e imagem e audio "remasterizados".

 

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