domingo, fevereiro 01, 2009

O Lutador


Mickey Rourke foi um astro badalado nos anos 80. Como qualquer nome em ascensão em Hollywood, principalmente quando agradava a mulherada, Rourke teve grandes oportunidades. Trabalhou com Francis Ford Coppola, em O Selvagem da Motocicleta, Michael Cimino, em O Ano do Dragão, Alan Parker, em Coração Satânico, e Barbet Schroeder, em Barfly - Condenados Pelo Vício. Ainda assim, Rourke não ganhou respeito como ator. Nem mesmo com o sucesso comercial de 9 1/2 Semanas de Amor, de Adrian Lyne, que ficou um tempão em cartaz no Brasil. Algumas bobagens cometidas em sua vida pessoal, no entanto, afastaram Rourke dos holofotes de Hollywood.

Em O Lutador (The Wrestler, 2008), o campeão de luta livre Randy "The Ram" Robinson reinou absoluto neste "esporte" durante os anos 80. Duas décadas mais tarde, a decadente figura de um homem que viveu uma época de glórias, sente o peso dos anos (e as seqüelas dos murros) em suas costas. Assim como Mickey Rourke, The Ram não pode parar de fazer aquilo que faz melhor. Mesmo com uma vida errante, ambos precisam continuar suas obras. Rourke é real. The Ram é fictício. É curioso constatar, no entanto, que o ator interpreta o lutador do filmaço do diretor Darren Aronofsky com tanta naturalidade, que não seria bobagem alguma imaginar que Rourke estaria sendo ele mesmo, repensando a própria vida - só que na pele de seu personagem. Mas não importa se a intenção de Aronofsky foi essa, pois sua escolha foi perfeita. O Lutador não representa somente o retorno do lendário Mickey Rourke, mas principalmente o reconhecimento de público e crítica em vê-lo como um ator de verdade no maior papel de sua carreira
.

Por mais que o roteiro de Robert D. Siegel apresente uma emoção genuína, simples e direta, que foi captada em cada cena por Darren Aronofsky, O Lutador jamais teria dado certo sem o ator ideal para o papel. Quero dizer que, apesar de todas as suas qualidades, o filme de Aronofsky depende de Mickey Rourke. E, ainda bem, o ex-astro dos anos 80 entendeu o que deveria fazer. É um papel que exige forte carga dramática, mas que também precisa de um ator que entenda bem o que é atuação física - e Rourke, em uma de suas várias loucuras, já foi boxeador.

Mas embora dependa de Mickey Rourke, O Lutador tem um ótimo diretor. Aronofsky surgiu com dois filmaços pesadíssimos, Pi e Réquiem Para um Sonho, e depois arriscou uma mudança radical em Fonte da Vida, um equivocado épico que mistura ficção científica, fantasia e romance sem chegar a lugar algum. Agora, ele se recupera com um filme simples, mas poderoso em suas emoções. Na verdade, Aronofsky sempre soube muito bem como manipular não das emoções básicas, mas as secretas. Aquelas que ninguém expõe. Poucos novos diretores da atualidade são tão eficientes neste item. Pi e Réquiem Para um Sonho são tão fortes, que jamais consegui revê-los. São dois belíssimos filmes, mas nunca mais quero voltar a eles.

Desta vez, Aronofsky faz seu Réquiem Para um Lutador. Com a câmera a maior parte do tempo nas costas ou sob os ombros de The Ram (Rourke), Aronofsky mostra ao público a essência de um homem de verdade, que vai para a luta em qualquer momento, em qualquer parte do dia e em qualquer situação. Dentro ou fora de um ringue. Mesmo caindo de vez em quando, um homem de verdade não desiste. Ele se levanta e continua em frente. Mesmo que isso o leve à morte, ele viverá para sempre em sua glória.

É um recurso fascinante para contar essa história, que parece filmada por um cineasta em seu maior momento durante a Hollywood visceral dos anos 70, que entendia bem as ruas. Aronofsky evoca uma era que não volta mais. Uma era reinada por especialistas no assunto como Scorsese, Lumet e Friedkin.

É um recurso que só aumenta a emoção quando sabemos que um homem, como The Ram, é proibido por ordens médicas de fazer a única coisa que sabe fazer: lutar. Se a câmera de Aronofsky não pode mais segui-lo em sua caminhada para o ringue, ela acompanha The Ram em sua luta para recuperar sua vida pessoal. Com um coração doido para matá-lo, o lutador pode agüentar cadeiradas, arames farpados, socos, cabeçadas e pontapés, mas nada o preparou para enfrentar as dores da vida fora dos ringues. Tentar a reconciliação com a filha (Evan Rachel Wood) é a sua prioridade. Em sua jornada, The Ram é ajudado por Cassidy (Marisa Tomei, mais linda do que nunca), uma dançarina exótica, que representa, talvez, a última chance para The Ram sossegar ao lado de uma companheira e curtir um amor verdadeiro.

Há um paralelo interessante, inclusive, entre os personagens de Mickey Rourke e Marisa Tomei com os de Nicolas Cage e Elisabeth Shue, em Despedida em Las Vegas, belíssimo filme de Mike Figgis. Os dois casais sabem que nasceram um para o outro, mas suas profissões e vícios determinam o que eles se tornaram na vida. Não há mais salvação para eles. Rourke é um lutador, Marisa é uma stripper, Cage quer beber até morrer, em Elisabeth é uma prostituta. Quatro personagens marcados pela vida.
Não há como voltar. Cada casal se completa, mas não há como fugir da dura realidade da vida. Eles são o que são.

Como Mike Figgis, em Despedida em Las Vegas, Darren Aronofsky sabe filmar os bastidores da podridão das ruas. Sua câmera observadora explica como funciona o clube em que Cassidy dança e, também, mostra como The Ram combina suas lutas com os outros astros do esporte exibicionista nos vestiários. Quando a câmera parte para as ruas, Aronofsky capta tanto as reações de seus personagens sofredores quanto o cheiro das ruas e os olhares de cada pessoa de verdade, que cruza os caminhos dos protagonistas.

É claro que você pode lembrar de filmes como Rocky ou Karate Kid, mas acho isso uma covardia com o filme de Darren Aronofsky. E com os dois de John G. Avilsen. O primeiro Rocky é um dramalhão hollywoodiano sobre um homem tentando vencer na vida fazendo o que gosta e aproveitando sua única chance. Karate Kid é para um público mais jovem. Fala de orgulho próprio e a passagem da adolescência para a vida adulta. O Lutador é sobre um homem descobrindo que não pode deixar de ser quem ele é, mesmo que suas características pareçam desprezíveis aos olhos das outras pessoas. Não é sobre sonhos. É sobre viver e morrer sem se enganar.

Quando O Lutador termina, entra a maravilhosa canção The Wrestler, de Bruce Springsteen, acompanhando os créditos. Ela é a síntese do filme. É bela, triste, mas transmite uma rara sensação de esperança. É como a saga de The Ram. É como o retorno de Mickey Rourke, que consegue fazer o espectador gostar de um personagem nada fácil desde sua primeira cena e acompanhá-lo com preocupação até o fim
. Aliás, um final sensacional, que traz uma emoção silenciosa. Um choro engasgado. Palmas para Darren Aronofsky. Palmas para o lendário Mickey Rourke. Seja bem-vindo de volta, meu amigo.

O Lutador (The Wrestler, 2008)
Direção: Darren Aronofsky
Roteiro:
Robert D. Siegel
Elenco: Mickey Rourke, Marisa Tomei, Evan Rachel Wood, Judah Friedlander, Ernest Miller, Todd Barry, Mark Margolis e Wass Stevens

23 Comments:

At 12:30 AM, fevereiro 02, 2009, Anonymous Anônimo said...

5 estrelas para Slumbosta e 4 para o Lutador. Como você é tendencioso.

 
At 9:27 AM, fevereiro 02, 2009, Blogger Dr Johnny Strangelove said...

Esse filme ainda arrepia.
Concordo com o paragrafo onde faz um paralelo com Rocky e por curiosidade, achei bem melhor do que Rocky por que o espectador que vê sente sem nenhum problema que Ram é mais palpavel do que Rocky, apesar de sua insistencia ...

Esse filme é 5 estrelas sem nenhum problema ...
Um grande abraço

 
At 9:52 AM, fevereiro 02, 2009, Blogger fabiana said...

De todos os filmes do Oscar, este é o que mais quero ver, sério!

 
At 11:30 AM, fevereiro 02, 2009, Blogger Otavio Almeida said...

Sabe que essa coisa de ser tendencioso é até engraçada? Eu vivo reclamando de MAGNOLIA e BOOGIE NIGHTS, por exemplo. E adorei SANGUE NEGRO. Vivo elogiando David Fincher e não gostei de BENJAMIN BUTTON. Então elogiei um diretor que vivia me irritando e falei mal de outro que me agradava. Como posso ser tendencioso? Mas, enfim, essa é a sua opinião tendenciosa, Anônimo. As minhas estão aqui no blog. Fique a vontade. Abs!

Cinco estrelas, Johnny? Hmm... pode ser. Pode ser... Vou rever o filme, Ok? Mas é maravilhoso, sem dúvida! Abs!

Fabi, então veja logo na estréia. Mickey Rourke rules! Bjs!

 
At 12:08 PM, fevereiro 02, 2009, Anonymous Anônimo said...

Otávio, assisti hoje e gostei muito. Aquela cena final é maravilhosa e poderia se chamar "Um salto para a glória". Proponho a academia a retirada de Slumdog e O Leitor para melhor filme e a inclusão de O Cavaleiro das Trevas e O Lutador. Aí sim ficaria de bom tamanho. Abs.

 
At 1:01 PM, fevereiro 02, 2009, Blogger Kau Oliveira said...

Otavio, achei o filme muito bom. Mas ainda assim vejo uns problemas na sua edição. Algumas mudanças de cenas são feitas de forma brusca demais, sabe?! Pode ser coisa minha, mas me incomodou. De qualquer forma, a direção de Darren é maravilhosa, mas o ponto "X" do filme é o roteiro: LINDO!!! Rouke excelente e as duas coadjuvantes extremamente ótimos.

Abraços!

 
At 2:29 PM, fevereiro 02, 2009, Blogger Otavio Almeida said...

Denis, THE DARK KNIGHT permanece insuperável. THE WRESTLER é foda também. Viva Mickey Rourke e a fala "The only place I get hurt is out there. The world don't give a shit about me." Abs!

Kau, achei um grande filme. E esse detalhe da câmera e da montagem eu já me acostumei... Tive sérios problemas com isso nesta década, mas tudo bem. Prefiro o cinema em seu formato clássico. Mas... tudo bem. Abs!

 
At 5:16 PM, fevereiro 02, 2009, Blogger Museu do Cinema said...

Só mesmo Hollywood para levar 30 anos e reconhecer o talento de um ator.

O filme é todo Rourke, mesmo sendo (não diria irregular e nem frio), mesmo sendo linear (melhor), é o ator quem carrega, alias, o próprio diretor fez isso propositalmente, é só colocar um olhar mais atento e sem complexos para perceber que a camêra sempre se posiciona atrás do astro!

Como se dissesse, vai que é com vc Rourke, estamos aqui atrás só para suporte técnico!

 
At 5:18 PM, fevereiro 02, 2009, Blogger Museu do Cinema said...

Só explicando, que o irregular, frio e sim linear, se referem a direção do filme.

 
At 6:21 PM, fevereiro 02, 2009, Blogger Pedro Henrique Gomes said...

Acho que esse deverá ser o grande filme pra mim. Vejo dia 20, junto com Slumdog.

 
At 6:31 PM, fevereiro 02, 2009, Anonymous Anônimo said...

"O Lutador" me conquistou totalmente! Para mim é um filme extremamente sincero em todas as suas intenções, mostrando um amadurecimento incrível do Darren Aronofsky. E o Rourke não pode perder esse Oscar!

 
At 6:32 PM, fevereiro 02, 2009, Anonymous Anônimo said...

Ah, Otavio, já publiquei meus comentários sobre "Foi Apenas um Sonho", estão lá no fim da página principal (é que com tantos posts da minha lista de melhores, a crítica acabou ficando para trás).

 
At 6:33 PM, fevereiro 02, 2009, Blogger Pedro Henrique Gomes said...

Ah, estou terminando de ler O Leitor, já viu o filme? O livro é legal!

 
At 7:22 PM, fevereiro 02, 2009, Blogger Otavio Almeida said...

Cassiano, eu gostei da direção do Darren Aronosfky. Mas o filme é muito mais do Mickey Rourke. Digo, depende dele.

Pedro, acho que vc vai gostar de THE WRESTLER. E ainda não vi e não li THE READER. Tenho pré nesta quinta-feira do filme do Stephen Daldry. Amanhã tem MILK.

Vinicius, li tua crítica e concordo contigo em relação a FOI APENAS UM SONHO. E também concordo sobre THE WRESTLER. Será muito legal ver Mickey Rourke ganhar o Oscar. Se bem que... eu acho... Sean Penn deve merecer (novamente) a estatueta.

Abs!

 
At 9:30 PM, fevereiro 02, 2009, Anonymous Anônimo said...

Só textaços, hein, Otavio??? Não faça isso comigo porque não faço a mínima ideia de quando estes filmes vão estrear aqui em Natal. rsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrs

Beijos!

 
At 9:30 PM, fevereiro 02, 2009, Anonymous Anônimo said...

Só textaços, hein, Otavio??? Não faça isso comigo porque não faço a mínima ideia de quando estes filmes vão estrear aqui em Natal. rsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrs

Beijos!

 
At 12:29 AM, fevereiro 03, 2009, Blogger Marcus Vinícius said...

Rourke é o Romário na Copa de 94, e assim como o baixinho, erguerá a taça! =D

Li a crítica sobre o Slumdog também. Bem, já confessei que não estou tão afim de vê-lo, mas entre positivos e negativos e possível premiação no Oscar, se estreiar antes da minha viagem assistirei.

Abraços!!!

 
At 1:59 PM, fevereiro 03, 2009, Blogger Kau Oliveira said...

Otavio!!! Tem selo pra vc lá no Bit!!!

Abraços.

 
At 4:19 PM, fevereiro 03, 2009, Blogger Otavio Almeida said...

Obrigado, Kamila! Assim eu fico com as bochechas vermelhas...

Marcus, Rourke é o Maximus Decimus Meridius do Coliseu do Oscar!

Kau, selo? Vou ver lá...

Abs!

 
At 4:30 PM, fevereiro 03, 2009, Blogger Museu do Cinema said...

Mas Otávio, eu não falei o contrário, gostei da direção do Darren, até por ele "entregar" sua obra desse jeito ao Rourke, e além disso, assim como Travolta deve sua carreira ao Tarantino, o Mickey ficará devendo ao Aronofsky.

E olha, eu não sou o anônimo ai do tendencioso! Mas tendencioso todos nós somos não?

 
At 6:02 PM, fevereiro 03, 2009, Blogger Otavio Almeida said...

Oi Cassiano! Entendi agora. Desculpa... E sei que você não é o Anônimo. Aliás, você assina! Mas você pode acusá-lo de plágio, afinal o "tendencioso" é seu.

Abs!

 
At 4:12 PM, fevereiro 04, 2009, Blogger Museu do Cinema said...

Isso posso acusar mesmo, mas tendencioso todos nós somos. Ou vc não é?

 
At 11:07 PM, fevereiro 21, 2009, Blogger Pedro Henrique Gomes said...

É sensacional. Rourke está demais. Me apaixonei pelo filme!

 

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