sexta-feira, julho 31, 2009

Inimigos Públicos


Esqueça Fogo Contra Fogo, o épico policial de Michael Mann que coloca Al Pacino Vs. Robert De Niro em lados opostos da lei. Pelo menos enquanto você estiver absorvendo Inimigos Públicos (Public Enemies, 2009), o 10º filme do diretor que também fez O Informante e Colateral. Alguns críticos estão errando ao dizer que o foco é o antagonismo entre o gângster John Dillinger (Johnny Depp) e o agente Melvin Purvis (Christian Bale). Inimigos Públicos também não é uma cinebiografia de John Dillinger. É sobre a ordem e a desordem andando lado a lado. É sobre o mito de um gângster e como sua fama afetou as pessoas ao seu redor - entre anônimos, agentes, sua namorada (Billie Frechette, interpretada por Marion Cottilard) e, principalmente, ele mesmo. Esse é o filme que você deve ver. Dessa forma, dá para aproveitar a bela obra de arte que Michael Mann entregou.

Nunca vi personagem tão ingenuamente egocêntrico quanto o John Dillinger de Johnny Depp e Michael Mann. Egocêntrico sim, mas jamais egoísta. Para começo de conversa, Depp constrói um Dillinger que não consegue acreditar que será vencido pelo sistema. Como se fosse invencível; um verdadeiro Clark Gable, um herói romântico do cinema em seu filme particular. Ele pode ser preso ou nocauteado, mas sempre escapará ou dará a volta por cima para continuar fazendo o que mais gosta: Roubar bancos. E mesmo se terminar morto pelas forças da lei, Dillinger parece acreditar naquilo que sabemos hoje em dia: Ele é uma lenda.



É um daqueles astros da vida real que desafiaram as regras, o sistema. Como Billy The Kid e Jesse James. Mas Depp e Mann nunca deixam Dillinger se entusiasmar com os holofotes. Sempre quando começa a brilhar, ele leva uma direita no queixo para pensar um pouco e se levantar com dignidade. Não é exatamente (e nem deveria ser) o John Dillinger que viveu, de fato, naquela época. Esse é o John Dillinger de Michael Mann e Johnny Depp.

A história do filme começa em 1933, em plena Era da Depressão. Dillinger e sua gangue roubam dinheiro dos bancos. Não do povo. E naquele período de miséria, desemprego, fome e morte, a plebe idolatrou os feitos de Dillinger, enquanto autoridades se tornaram alvos fáceis das rajadas de balas dos gângsteres e das críticas populares, ficando completamente perdidas no jogo de gato e rato proposto pelos foras da lei. É por isso que Melvin Purvis (Christian Bale) não negocia. Para ele, chega de fazer papel de bobo. O cara atira para matar, e depois pergunta. Simples assim. Após acabar com a raça do gângster Pretty Boy Floyd (Channing Tatum) ao som da incrível canção Ten Million Slaves, de Otis Taylor (obrigado por isso, Michael Mann), Purvis é contratado pelo inescrupuloso J. Edgar Hoover (Billy Crudup) para organizar um bureau com o objetivo de capturar os gângsteres vivos ou mortos. E você conhece bem Hoover e esse tal bureau, que ainda engatinha em Inimigos Públicos.

Do lado do povo (e de John Dillinger), Michael Mann trata os federais como os vilões da história. Dillinger e sua trupe ganham um verniz heróico, mesmo escrevendo por linhas tortas. Como as semelhanças e diferenças entre Robin Hood e o Xerife de Nottingham. Parte do charme da história está aqui: Os Inimigos Públicos do título são mocinhos e bandidos ao mesmo tempo.

De certa forma, essa realidade não tão alternativa de Michael Mann caminha de braços dados com o fim da Era Bush, que confundiu o povo sobre quem estava do lado certo e quem estava do lado errado. Aos poucos, John Dillinger percebe que sua época de glórias está chegando a um fim forçado. Os agentes do bureau de Hoover estão se modernizando, evoluindo em armas, tecnologia, além de estudo e conhecimento das mentes criminosas, tornando-se cada vez mais implacáveis.

É um ponto de vista reconhecido no cinema de John Ford ou mesmo em vários filmes de gângsteres inspirados em personagens reais que viveram a época de John Dillinger, Baby Face Nelson, Al Capone e Pretty Boy Floyd. Vimos o fim de uma era também no remake de Scarface, de Brian De Palma, ou em Onde os Fracos Não Têm Vez, dos Irmãos Coen, ou Butch Cassidy, de George Roy Hill. Embora seus "heróis" saibam que seus mundinhos particulares estão virando capítulos anteriores de livros de histórias, eles se recusam a admitir tal mudança. John Dillinger, mesmo perseguido, não foge do campo de batalha, inclusive visita a casa do inimigo numa cena extraordinária. Pior do que isso, ele tem tempo para namorar e ir ao cinema. Em seu mundo, ele pode estar numa sala lotada exibindo um filme popular, e mesmo assim, sabe que jamais será identificado como um inimigo público nº1.




Inimigos Públicos é fantasia e realidade. Remete ao passado e ao futuro da História, inclusive do cinema. É uma homenagem aos astros e aos cineastas que glorificaram a imagem desses "bandidos" - e digo "imagem" quando quero discutir o perfil de cada personagem e a fotografia utilizada em cena. Ao longo dos anos, diretores contaram a mesma história. Só que alguns lançaram olhares diferenciados e tentaram contribuir para o visual e a narrativa do cinema. A própria realização de Inimigos Públicos remete a isso. Acima de tudo, é uma homenagem à Era de Ouro de Hollywood, sem deixar de chacoalhar não o futuro, mas o presente da sétima arte.

Em cena, John Dillinger é assim. Pensa no aqui e agora. Essa é a sua qualidade e, ao mesmo tempo, sua maior falha. Se baseando nesses princípios, Johnny Depp cria um personagem eterno pelo modo de andar e de se encaixar dentro das belas roupas escolhidas para o filme, assim como pelo jeito de olhar. Depp não exagera, mas também não cai no minimalismo. A cena magnífica do cinema, em que todos olham para a direita e para a esquerda, menos Dillinger, traz Depp em seu momento máximo dentro do personagem. Aquela cena mostra quem é o John Dillinger deste filme. Egocêntrico, ingênuo, mas nunca uma pessoa má.

Alguns podem reclamar da atuação de Christian Bale, seríssimo como o agente Melvin Purvis. Mas isso é explicado pela venda de sua alma a J. Edgar Hoover. Workaholic, você conhece o tipo, vive para caçar John Dillinger. Ele não tem tempo para cervejinhas, mulheres e futebol. O próprio gângster reconhece o perfil do agente na única cena em que Depp e Bale contracenam (lembre-se de Fogo Contra Fogo, em que Pacino e De Niro dividiram apenas um plano). Dillinger sabe que Purvis passa suas noites em claro e não tem vida social. Purvis retruca: "O que lhe tira o sono à noite, Sr. Dillinger?" O canalha devolve: "Café!" Genial, não? A resposta define John Dillinger neste filme. Como eu disse, ele pensa no aqui e agora. Não há planos para amanhã.

E tem Marion Cottilard... Que mulher! Que atriz! No meio de tantos homens à beira da morte, Marion surge como um colírio para os olhos e a mente. Que talento essa mulher tem para simplesmente preencher a tela sem dizer coisa alguma. Ela tem o coração de Dillinger e também sua alma. Em poucos minutos, ele a corteja e entendemos sua preferência. Dói quando vemos Marion sofrendo em cena. Mesmo com tantos homens no elenco, Michael Mann faz Marion comer o pão que o Diabo amassou na parte mais violenta do filme. Ver seu choro dominando a última cena é de cortar o coração. Mann escolheu a atriz certa para o papel. Ouvir Bye Bye Blackbird, de Billie Holiday, e lembrar da morena Marion será inevitável daqui pra frente. Ela é a emoção à flor da pele que os personagens machos deste filme tentam esconder.




Voltando às questões de evolução visual e narrativa, Mann idolatra o velho e o novo cinema. Não brinca, mas testa, arrisca. Filma da forma que mais gosta - com câmera digital na mão captando imagens de alta definição. Inimigos Públicos usa e abusa do recurso num filme que se passa em interiores escuros e ambientes dominados pela sombra. Posso dizer que Inimigos Públicos é expressionista?

A fotografia do italiano Dante Spinotti (indicado ao Oscar por O Informante, de Mann, e Los Angeles - Cidade Proibida) alcança a perfeição mesmo quando nossos olhos insistem em transmitir ao cérebro que há imperfeição. Repare nas cenas iluminadas pela imprensa no meio da multidão ou nos clarões do fogo disparado pelas metralhadoras.

Como de costume, certo ou errado (não importa), Mann consegue ser intenso, violento, cruel, filma seus heróis e vilões bem de perto com a câmera grudada em seus rostos, como se fossem técnicos de futebol nas coletivas após os jogos. Coloca sua câmera como se estivesse grudada ao pé da orelha de uma pessoa para captar o que ela está vendo. É um choque visual para o habitual glamour dos filmes de gângster, mas que pode dar novo fôlego ao "gênero". Inimigos Públicos é furioso, romântico, ensurdecedor, poético e cheira à pólvora. É um dos melhores filmes do ano. E da década.


Inimigos Públicos (Public Enemies, 2009)
Direção: Michael Mann
Roteiro: Ann Biderman, Michael Mann e Ronan Bennett (Inspirado no livro Public Enemies: America's Greatest Crime Wave and the Birth of the FBI, 1933-34, de Brian Burrough)
Elenco: Johnny Depp, Christian Bale, Marion Cotillard, Jason Clarke, Stephen Dorff, Billy Crudup, Branka Katic e Stephen Graham

18 Comments:

At 8:05 PM, julho 31, 2009, Blogger Jesse Custer said...

Simplesmente perfeito!
Fotografia,camera na mão,Johnny Depp, Christian Bale e Marion Cotillard.
Merece indicação de melhor filme,diretor,fotografia e direção de arte pelo menos.

 
At 9:57 PM, julho 31, 2009, Blogger Gustavo H.R. said...

Assim você nos deixa tropicando em nossas salivas, Otávio.
Vida longa ao mestre Mann.

 
At 10:21 AM, agosto 01, 2009, Blogger Bruno Soares said...

Que textaço!! Puxa, vida. =D

Tudo o que eu peço é que esteja mais pra Fogo Contra Fogo e menos pra Miami Vice.

 
At 12:50 PM, agosto 01, 2009, Blogger Pedro Henrique Gomes said...

Grande filme. Não é só correria e balas, tem alma e sentimento.

Ótimo texto, Otávio!

 
At 2:20 PM, agosto 01, 2009, Blogger Fábio Rockenbach said...

Filmaço. Como comentei com você Otávio, não acho o melhor do Mann. Provavelmente, o segundo melhor - sou fã incondicional e incontestável de "O Informante" em todos os aspectos. Se fosse por "Inimigos Públicos", o ano estaria salvo.

 
At 3:44 PM, agosto 01, 2009, Blogger Kau Oliveira said...

Fiquei uns minutos respirando antes de escrever algo... que texto!

Não vi o filme (what a shaaaaaame!) e olha que tive a oportunidade, mas graças à companhia tive que ver Halloween - O Início. Uma pena, já que agora estou isolado em casa me recuperando de uma gripe =/

ABS!

 
At 3:56 PM, agosto 01, 2009, Blogger john said...

tbm gostei muito do filme, bem diferente dos gangster q conheço(são poucos)este me fez apreciar mais o genero, realmente um dos melhore do ano ate aqui.

 
At 6:58 PM, agosto 01, 2009, Anonymous Kamila said...

Bom, você gostou desse filme muito mais que eu. :-) Eu tinha altas expectativas e esperava dar cinco estrelas para "Inimigos Públicos", mas falta alguma coisa ao longa - apesar do elenco excelente, da técnica perfeita e do Michael Mann ser o diretor para esse tipo de história.

Beijos!

 
At 12:33 AM, agosto 03, 2009, Anonymous Vinícius P. said...

Ao contrário do que estava planejando, ainda não tive tempo de ver esse filme, mas certamente fiquei mais animado após seus comentários!

 
At 8:10 AM, agosto 03, 2009, Anonymous Robson Costa said...

Não achei isso tudo não,embora seja um filme muito bom. Como a Kamila disse,falta algo no filmeque não sei bem o que é até agora. Acho que ele começamuito bem, depois cai de ritmo e no filme ganha ritmo de novo, a sequencia final no cinema é 10. Também faltou mais diálogos entre o Bale e o Depp (embora falem muito com o olhar) e um pano de fundo mais histórico/político/social sobre a criação do FBI que deixaria o filme mais rico.Masé um ótimo filme mas não isso tudo aí que vc disse.

 
At 8:12 AM, agosto 03, 2009, Anonymous Robson Costa said...

ERRATA:"e no filme ganha ritmo de novo" leia-se "e no FINAL ganha ritmo de novo".

 
At 8:19 AM, agosto 03, 2009, Anonymous Robson Costa said...

Ah, só mais uma coisa, li muitos comentários de gente achando o a cena final piegas, eu, pelo contrário, achei ótima, foi de um sentimento incrível...

 
At 11:48 AM, agosto 03, 2009, Blogger Fábio Rockenbach said...

Discordo de algumas coisas que o Robson apontou... há a questão de foco. A criação das técnicas modernas do FBI circundam o filme, mas no momento em que ganham mais atenção acabaria tornando o filme uma salada de frutas. O foco está em Dillinger, e em segundo lugar, em Purvis...
Mann já fez isso, de reduzir a carga de interação entre seus astros (Fogo contra Fogo).
"Inimigo Público" é o tipo de filme que vai suscitar discussões no futuro, revisões e mudanças de percepção a cada vez que for visto. Não é um filme de ação, tampouco um filme sobre o FBI, ou sogre gângsters unicamente. É sobre pessoas.
E sobre como a América vê a história de forma torta, e como toda a fama é efêmera...

 
At 3:25 PM, agosto 03, 2009, Blogger Roberto Simões said...

Vê-lo-ei em breve.

Para já, só tenho a dizer que tenho uma expectativa alta e que gostei bastante da escrita dessa crítica.

Cumps.
Filipe Assis
CINEROAD - A Estrada do Cinema

 
At 6:16 PM, agosto 03, 2009, Blogger Fábio M. Barreto said...

É fraco! Já te disse!
A cena final é ótima, mas o filme é fraco. =D hehehee

Questão de opinião nessa, O. Não consigo ver do jeito que você descreveu. Texto show como sempre, mas são filmes diferentes, para você e eu. :)

Abraço,
Fabio Barreto
www.soshollywood.com.br

 
At 6:45 PM, agosto 03, 2009, Blogger Otavio Almeida said...

Obrigado, amigos! Eu gostei pacas! Abs! E ótima semana a todos!

 
At 11:01 PM, agosto 03, 2009, Blogger Poetrica said...

otavius café,

que filme maravilhoso esse.

VOL ver de Novo.

Viva o Djoni dép, o melhor.

Gostei da deriva! E do CAetano! e do Pranzo em Ferragosto! bela safra.

 
At 1:00 AM, agosto 06, 2009, Blogger Otavio Almeida said...

MARCELO
Enfim concordamos? Hahahaha... Bom, ainda não vi "À Deriva", mas devo fazer isso em breve. Abs!

 

Postar um comentário

<< Home