quarta-feira, setembro 09, 2009

Up


No fim de Hook - A Volta do Capitão Gancho, de Steven Spielberg, o Peter Pan adulto interpretado por Robin Williams diz à sua família que viver foi a maior de todas as aventuras. Ok, eu sempre tive dificuldade para acreditar em suas palavras, afinal isso veio do sujeito que passou por poucas e boas na Terra do Nunca azucrinando os pobres piratas. Como é que uma vidinha normal e sem surpresas pode ser mais divertida e encantadora do que uma aventura ao lado de um herói que só pode existir em livros e filmes? Curiosamente, essa é a essência de Up - Altas Aventuras (Up, 2009), mais uma obra-prima da Pixar.

Quem procura por mensagens nos filmes, Up propõe uma lição de vida às avessas. Enquanto Hollywood costuma pregar que nunca é tarde para ser feliz, Up joga na cara de quem jamais está satisfeito com nada, que a maior aventura é estar vivo e, mais do que isso, compartilhar essa experiência com quem você ama.

Quem procura por qualidade técnica, Up é de uma protuberância visual de sacudir as pupilas. Mas isso não é novidade. Se a Dreamworks, que sempre bate na mesma tecla com suas animações sobre malandros, atingiu a perfeição em matéria de visual, inclusive na utilização do 3-D, o que dizer, então, da Pixar? O que você não sabia é que o estúdio faria de Up um raro e lindo quadro repleto de cores numa proporção só vista antes em animações de Hayao Miyazaki, o diretor japonês responsável por A Viagem de Chihiro, O Castelo Animado e Ponyo. Aliás, a fantasia proposta por Up só pode ter sido inspirada por uma mente do lado oriental do planeta. Não parece algo criado por americanos.

Enfim, Up também agrada a quem procura por um filme capaz de alternar gargalhadas e lágrimas na mesma proporção - às vezes até ao mesmo tempo -, além de muita ação que surpreende pelas situações e não pela trucagem de luz, som e montagem que viciou a Hollywood atual.

Mas eu prefiro falar do que está embutido - ou por vezes evidente - no roteiro de Up, que resgata ensinamentos do bom e velho cinema para surpreender na ousada construção da emoção dentro de uma estrutura narrativa convencional. É um filme dito comercial que consegue arrancar lágrimas antes mesmo de entrar na ação, que costuma facilitar a entrada do público na história, consequentemente gerando emoção. Grande Pixar, homenageando e reinventando o cinema ao mesmo tempo.


A brilhante primeira parte do filme aposta numa narrativa pé no chão, que resume uma fase da vida do protagonista só com imagens, música e som - uma aula de cinema da Pixar, que remete aos primórdios da sétima arte, como o próprio estúdio já experimentou em WALL-E. É uma passagem de tempo comovente e sincera, de fácil identificação com o público. O mais espantoso é que tem cara de clímax, fazendo o público chorar logo com 15 ou 20 minutos de filme. É uma prévia para o velho vendedor de balões Carl Fredricksen (voz de Edward Asner no original e Chico Anysio, que faz um belo trabalho, na versão brasileira), o herói de Up, que entenderá nos minutos seguintes que o tempo perdido pode ser reencontrado.

Antes de continuar, veja só que audácia: um idoso é o protagonista. E ele nem é Clint Eastwood ou Woody Allen. Quem em sã consciência na Hollywood atual apostaria numa aventura conduzida por um velhinho ranzinza? Aliás, Carl não é chato porque é velho. Há um contexto que explica seu sorriso virado pra baixo. E quem vê essa belíssima montagem sem diálogos, não enxerga nenhuma situação aparentemente extraordinária na vida de Carl. Apenas rotina. É a realidade do homem comum.

Mas quando o destino de Carl parece ser mesmo o asilo, eis que sua casa começa a voar em direção às selvas da América do Sul com a ajuda de centenas de milhares de balões de gás - não antes de se espremer por prédios gigantescos e enfrentar ferozes tempestades. A cena em que as bexigas surgem no alto da casa para levá-la ao céu é simbólica, significativa, sugerindo um festival de cores representando vida nova. É a lagarta virando borboleta. Neste momento, Up abandona a realidade para dar lugar à fantasia. Ao lado do menino Russell (voz de Jordan Nagai), Carl viverá uma aventura que qualquer um gostaria de experimentar antes de morrer. Duas visões da mesma pessoa em épocas diferentes, Carl e Russell formam uma das duplas mais inusitadas do cinema.

E é neste segmento fantástico que Carl compreende o sentido da vida. São as coisas simples que marcam a nossa passagem pela Terra. É a felicidade compartilhada, como Sean Penn mostrou em Na Natureza Selvagem, ou Steven Spielberg em Hook. É guardar uma lembrança como ver os carros passando pela rua na companhia do pai. Ou curtir cada segundo do dia a dia ao lado da esposa. Ou ver como um cachorro te ama mesmo após levar uma bronca daquelas. Não há nada mais extraordinário do que viver. Carl precisou atravessar o continente numa casa voadora para entender isso. "Pare de reclamar e aproveite" é uma contradição ao esquemão hollywoodiano "nunca é tarde demais para ser feliz".


Abrir o texto com Hook não foi mera coincidência. É um filme de Steven Spielberg, que ainda faz muito marmanjo chorar, mas que sofre críticas "espertas" do naipe "O diretor de E.T. e Indiana Jones já fez melhor". Up vem ganhando polegares em riste mais do que cones da vergonha, só que geralmente acompanhados de rótulos como "Ah, mas WALL-E é superior." Lógico que tenho meu ranking da Pixar, mas não é assim que se ensina o beabá do cinema de qualidade.

No fim, Up deixa o espectador sem fôlego, maravilhado com o que acabou de ver. Quem já foi criança um dia, entende. É impossível parar pra pensar se é este o maior feito da Pixar até o momento. Nem ao menos dá para lembrar de WALL-E, a produção anterior do estúdio. E seria injusto, até porque a Pixar luta desde 1995, quando lançou Toy Story, para provar que animação não é um gênero, mas sim uma linguagem. Sem falar que WALL-E é ficção científica e só esse detalhe impede uma comparação a Up. O que deve ficar é o encanto, a confiança e o padrão de qualidade estabelecidos pela Pixar junto ao público. Isso é o que importa.

Hoje em dia, quantas vezes você vai ao cinema e vê um filme totalmente diferente da montagem feita para o trailer de divulgação? Quantas vezes você sai do cinema tão satisfeito quanto a experiência anterior oferecida por um mesmo diretor ou produtor? Quando é que o cinema americano surpreende e... ESQUILO! Bom, você entendeu.

Up - Altas Aventuras (Up, 2009)
Direção: Pete Docter e Bob Peterson
Roteiro: Pete Docter, Bob Peterson e Thomas McCarthy
Com as vozes de Edward Asner, Christopher Plummer, Jordan Nagai, Bob Peterson, Delroy Lindo e John Ratzenberger

22 Comments:

At 12:12 AM, setembro 10, 2009, Anonymous Denis Torres said...

Otávio, vc tá vivo? Já viu o filme pela terceira vez? Esse filme foi feito pra vc! Ótima crítica, com boa argumentação. Viva a Pixar! Sem ela o genêro animação estava perdido. Abs!

 
At 12:20 AM, setembro 10, 2009, Blogger Marcus Vinícius Freitas said...

Precisão cirúrgica. A cena do começo foi algo extremamente fodástico, perfeita.
Abraço!

 
At 2:36 AM, setembro 10, 2009, Anonymous Vinícius P. said...

Talvez eu não estivesse de bom humor no dia, mas não cheguei a considerar "Up" uma maravilha como ocorreu em outros filmes da Pixar - entretanto, é muito digno de seus comentários elogiosos.

 
At 1:44 PM, setembro 10, 2009, Blogger Bruno Soares said...

Sua crítica é tão apaixonante quanto o filme, Otavio. Adorei! Fiquei encantado com a sequencia que indica a passagem do tempo (que talvez seja o momento mais marcante visto nos filmes da Pixar até aqui).

Sessão dupla do ano: GRAN TORINO seguido de UP.

 
At 2:00 PM, setembro 10, 2009, Blogger Ygor Moretti said...

Não vi ainda, mas as criticas o colocam no topo, vou correr ao cinema. Abraço!!!

 
At 2:28 PM, setembro 10, 2009, Blogger Kau Oliveira said...

Bom texto, mas ainda continuo achando pelo menos uns três filhotes da Pixar melhores.

O visual de Up é algo estonteante mesmo, só que não conseguiu se equiparar à Nemo neste aspecto =D

Abs!

 
At 2:48 PM, setembro 10, 2009, Blogger PATAU said...

Por que que NÃO existem cópias LEGENDADAS de Up aqui em SP?

Estou MUITO PÊ da vida por não ter a oportunidade de conferir o filme no original!!

Alguem pode fazer alguma coisa contra isso?

Esses imbecis que colocam os filmes em cartaz acham que "é por ser animação" tem que ser para crianças. Caiam na real!! Devem ser os mesmos que colocam "Os Simpsons" nas manhãs de Sábados.

Abraço a todos. E Viva a Pixar!

To Infinity And Beyond...

 
At 3:26 PM, setembro 10, 2009, Anonymous Daniel Almeida said...

Patau, como o filme é em 3-D, as legendas dificultariam a visualização, né?

 
At 3:40 PM, setembro 10, 2009, Blogger Otavio Almeida said...

DENIS
Ainda não. Mas estou vivo e talvez quebre um recorde pessoal vendo UP várias vezes no cinema. Abs!

MARCUS
Isso mesmo! Precisão cirúrgica! Abs!

VINICIUS
Imagina! É assim mesmo! Você gostou, mas não adorou. Tudo bem. Abs!

BRUNO
Obrigado! E gostei da sugestão de ver GRAN TORINO e UP na sequência. Abs!

KAU
Obrigado! Sobre a questão do visual, talvez porque o fundo do mar seja muito mais rico em cores e outros detalhes do que o universo de UP. Talvez isso empolgue os artistas mais do que trabalhar o visual de OS INCRÍVEIS, por exemplo. Imagine um designer: O que vale mais para ele? Trabalhar na produção da fantasia de STAR WARS, de George Lucas, ou na fantasia de NINE, de Rob Marshall? :) Abs!

YGOR
Corra logo aos cinemas. Espero que goste do filme. Abs!

PATAU e DANIEL
Sempre lembramos dessa questão da legenda em 3D, mas parece que AVATAR, de James Cameron, será legendado. Dizem que o 3D não pode ser legendado, mas os tais 15 minutos de AVATAR foram legendados. Será por causa do IMAX? Ainda não sei responder. Abs!

 
At 4:45 PM, setembro 10, 2009, Blogger Unknown said...

Como não cair de amores por filmes tão maravilhosos? A Pixar nos dá, a cada ano, prova de quanta critividade ainda tem. Embora eu prefira os três anteriores (Nemo, Rataouille e Wall-E), devo admitir que "Up" não é menos que cativante.
Abraços!

 
At 7:48 PM, setembro 10, 2009, Blogger Mayara Bastos said...

Belo texto, e vejo "Up" neste fim de semana. Depois passo aqui e digo o que achei.

Beijos! ;)

 
At 8:24 PM, setembro 10, 2009, Anonymous Kamila said...

Adorei a crítica, Otavio! E eu amei "Up". Apesar de não ser uma obra tão brilhante quanto outros filmes da Pixar, consegue ser melhor que muita coisa que anda sendo produzida por aí. O primeiro ato do longa, aliás, entra pra minha história pessoal, como uma das coisas mais lindas que eu já vi no cinema.

Beijos!

 
At 9:30 PM, setembro 10, 2009, Blogger Flávia said...

O texto ficou mesmo apaixonante! O filme tem uma história comovente, é lindo visualmente e muito divertido. Quanto às legendas, pode ir tranquilo, Patau. A voz do Chico Anysio ficou ótima!

Bjs!

 
At 10:09 PM, setembro 10, 2009, Blogger Dr Johnny Strangelove said...

Up é o novo classico
Up é alegria
Up é esperança
Up é FODA


e NAO RIE DA MINHA VOOOOOOOZ!

O Melhor Filme da Pixar.

 
At 12:39 AM, setembro 11, 2009, Anonymous Wally said...

Caramba... preciso ver logo. E amei teu texto. Muito sincero.

 
At 10:41 AM, setembro 11, 2009, Blogger Robson Saldanha said...

Meu Deus. Será que todo mundo conferiu este filme, menos eu? Que Absurdo! hehehe

 
At 11:22 AM, setembro 11, 2009, Blogger PATAU said...

Daniel a minha questão nem é mais o 3-D. Eu sei que é difícil legendar o 3-D. E os cinemas 3-D têm mesmo que ser dublados por causa da plateia infantil e coisa e tal.

Eu só quero ouvir o som original e ponto. Não me importo se for em 2-D. Por que é por ele que o filme começou. A história é a melhor coisa dos filmes da Pixar e tudo começa com a gravação das vozes. É por isso que o original pra mim é o mais importante.

As nossas dublagens estão cada vez mais piores. Não existem atores aqui, fora os da muito velha guarda, que saibam pegar o espírito da coisa na hora de dublar. Sempre colocam aquele "jeitinho brasileiro" que acaba avacalhando tudo. Isso não é um pré-conceito e sim uma constatação.

Abraço
PATAU

 
At 5:16 PM, setembro 11, 2009, Blogger Dewonny said...

Mais uma maravilhosa animação da pixar, gostei bastante tbm, muito bem feita e caprichada, como sempre, semana q vem irei postar alguma coisa sobre no meu blog, mas nada comparado á esse teu excelente texto..hehe..
Abs! Diego!

 
At 4:26 AM, setembro 13, 2009, Blogger Jonathan Rodrigues said...

cara, seu texto foi fantástico! adorei

me emocionei lendo e me lembrando deste belo e inesquecível filme

UP é realmente fantástico e as comparações dos filmes da Pixar cansaram mesmo,ainda mais com o passar dos anos e novas animações vindo por aí, embora eu tenha um grupo das 3 que consideram os legímitos filmes perfeitos do estúdio(Toy story, procurando Nemo e Ratatouille)

são como os filmes do Hayao Miyazaki, são tão bons e diferentes entre si que fica difícil as comparações, eu mesmo desisti destes rankings


enfim, eu estou escrevendo uma critica doi filme e devo postar no meu blog amanhã, adoraria se voce lê-se e nós compartilhásse-mos opniões sobre este rico filme

 
At 9:12 PM, setembro 13, 2009, Blogger Mayara Bastos said...

Este comentário foi removido pelo autor.

 
At 9:26 PM, setembro 13, 2009, Blogger Mayara Bastos said...

Como prometido, vim deixar meu comentário. Achei o filme maravilhoso e também um dos mais sentimentais da Pixar. Simples, bem feito e muito tocante, consegue perfeitamente musturar comédia e drama. E que cena é aquela do Carl e da Ellie, não consegui segurar as lágrimas, linda, linda mesmo. E a trilha ficou perfeita dentro do filme. Um dos melhores de 2009, na minha humilde opinião. rsrs.

Beijos! ;)

 
At 10:01 PM, setembro 24, 2009, Blogger Unknown said...

Parabéns pela crítica. Concordo plenamente com o que vc escreveu. Além de um grande filme, Up é uma lição de vida. E parabéns para Chico Anysio, que fez um ótimo trabalho na dublagem.

Depois se puder dá uma passada no meu blog. www.cinemaniac2008.blogspot.com

 

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