terça-feira, julho 31, 2007

Antonioni, o cineasta das lacunas (1912-2007)

Por Marcelo Burgos e Charles Magno
Especial para HOLLYWOODIANO


Assim como a literatura, o cinema tem gêneros e subgêneros, talvez mais fluídos e de difícil agrupamento. Há o cinema acadêmico, responsável, bem feito, sem arroubos de invenção. Há o cinema-crônica, representado por mestres como Woody Allen ou Billy Wilder. E há os grandes filmes, que querem investigar a linguagem cinematográfica. Nele figuram inventores como Ingmar Bergman e Michelangelo Antonioni, mortos nesta semana.

Estes cineastas absorvem com sensibilidade movimentos e estéticas, tradições plásticas e literárias, expressões nacionais e cultura pop, desenhando com genialidade suas próprias lanternas mágicas.

No caso de Antonioni, ele fez filmes para desconstruir o cinema. O que é mais lírico, e apaixonante, é que, ao rasgar o cinema, expondo sua qualidade mesmerizante, sua monotonia, seu silêncio absurdo, a câmera que respira perto dos atores, ele faz uma declaração apaixonada ao cinema, mostrando seu esqueleto, sua nudez, e, por extensão, suas infinitas possibilidades.

Filmes como La Notte, Blow up e Zabriskie Point expõem de maneira exemplar esta “tenda cinematográfica” que Antonioni monta em volta dos atores, colocando neles uma luz fria, que evidencia a incomunicabilidade.

A conversa impossível e célebre do jogo de tênis (sem bolinha) em Blow Up virou um símbolo da década de 1970 – o inefável ganhava cena. Mas, para mim, Passageiro – Profissão: Repórter é o grande filme (que eu vi) de Antonioni. Quem não viu deve sair correndo até a locadora mais próxima. O verdadeiro Jack Nicholson surge neste filme – depois ele iria virar a fábrica de caretas que começa em O Iluminado, do Kubrick. O filme fala sobre o que a maioria dos filmes de Antonioni fala: a perda de identidade. Nicholson decide assumir a identidade de um homem morto e cria uma terceira identidade. O famoso travelling final não é apenas uma aula de cinema, como todos dizem: é um dos mais felizes encontros entre forma e conteúdo no cinema de que se tem notícia. E haverá razão mais nobre para se fazer ou ir ao cinema?

Semana triste para o cinema

Antonioni era um diretor de poucos diálogos e longos planos, como aquele em que formigas caminham sobre uma árvore em La Notte. Sem falar no surpreendente plano seqüência de quase 10 minutos que fecha Passageiro – Profissão: Repórter, a partir do corpo inerte de Jack Nicholson no interior de um quarto de hotel, até o passeio da câmera em volta de Maria Schneider no exterior, para finalmente se fixar na imagem crepuscular final.

A eloqüência das imagens criadas por Antonioni parece contrastar com o vazio de seus personagens, mas, na realidade, o aprofundava. Antonioni foi o poeta da angústia, da falta de comunicação, dos desencontros da vida a dois, da fragilidade dos relacionamentos e dos sentimentos, do desespero como nos quadros de Münch.

Da mesma geração de Bergman, cuja morte foi anunciada um dia antes, Antonioni também compartilhava com o colega sueco o gosto pela introspecção e pelo silêncio. Mas os temas, as angústias e os estilos eram diferentes. Um dos traços marcantes de sua obra era a busca pela perfeição das imagens que idealizava – quando migrou do cinema em preto e branco para o colorido, deixou quase maluco o fotógrafo de Deserto Vermelho, ao exigir cores apagadas e acinzentadas para refletir a percepção da personagem, que se sente divorciada da realidade. Em Blow up, mandou pintar a grama do parque para reforçar a realidade.

Não há como comparar dois grandes cineastas. Em estilo, pela elegância de seus planos e pelo apuro estético, o cinema de Michelangelo Antonioni é mais rico do que o de Ingmar Bergman, que, no fundo, achava que o cinema era um subproduto do teatro. Mas Bergman construiu uma das obras mais soberbas do cinema. Ambos foram artistas fabulosos.

13 Comments:

At 6:35 PM, julho 31, 2007, Anonymous Anônimo said...

Mais um grande cineasta que se vai. Semana triste para o cinema mesmo, não me recordo de duas perdas tão importantes ocorrendo no mesmo dia. Parabéns pelo texto, novamente, ambos fornecem informações preciosas.

Abraço!

 
At 7:26 PM, julho 31, 2007, Blogger Romeika said...

Depois do texto sobre o Bergman, outro excelente texto que tb me despertou a vontade de conhecer a obra do cineasta. Se do Bergman eu só vi um filme, do Antonioni eu me recordo de ter visto nenhum. Bom, já estou com um filme de Bergman nas mãos pra assistir, e maior coincidência, alguns dias atrás estava olhando esse filme com o Jack Nicholson no imdb, pelo visto, o único filme que rendeu bons frutos a carreira da Maria Schneider pós-Bertolucci.

Eu não sei se vai soar insensível o que eu vou dizer, mas eu acho meio sentimentalóide essa coisa de perda irreparável para o cinema blah blah.. Os dois viveram MUITO. Acho que deram quase tudo ou senão tudo o que puderam para o benefício da sétima arte, e a morte deles não significa uma perda para o cinema atual, pq os filmes estão aí para a posteridade.

Acho que seria uma lástima maior a morte (hoje) de uma Sofia Coppola, Tarantino, David Fincher, Kim Ki Duk..para citar alguns poucos exemplos. Acho que seria bem mais triste. Bom, espero que eu não seja mal interpretada.

Não sei quanto ao Antonioni, mas o Bergman aparentemente morreu em paz, só não sei se foi num dia de sol como ele uma vez desejou.

Enfim, parabéns aos dois pelo texto.

 
At 8:03 PM, julho 31, 2007, Blogger Kamila said...

Este comentário foi removido pelo autor.

 
At 8:11 PM, julho 31, 2007, Blogger Kamila said...

Lindo texto, Marcelo e Charles.

Do Antonioni, eu conheço pouquíssima coisa. Assisti "Blow-Up", um dos melhores filmes que eu já vi.

Na verdade, conheci o nome do Antonioni através do Pink Floyd, que compôs a trilha de "Zabriskie Point", um dos seus filmes.

Aliás, o trabalho do Antonioni é responsável pela melodia de uma das mais belas músicas do grupo: "Us and Them", que foi composta pelo Richard Wright especialmente para "Zabriskie Point", mas acabou ficando de fora da trilha do filme...

 
At 7:52 AM, agosto 01, 2007, Anonymous Anônimo said...

Realmente Romeika, se formos considerar a idade desses cineastas e o que eles já fizeram pelo cinema, eles podem descansar em paz. De qualquer maneira, eles merecem ser homenageados e suas mortes não poderiam passar despercebidas. A verdade é que a imprensa em geral (e muitas pessoas também) só lembram deles e fazem oba-oba com seus filmes durante 1 semana após a sua morte e depois só os realmente osinteressados é que vão assisti-los, o que é, pelo menos no Brasil, uma parcela muito pequena. Cinema de arte do Brasil literalmente é para poucos e quando muitos se arriscam a assistir esses preciosidades, no final se perguntam: "Ué, não entendi, que filme estranho!"

 
At 10:38 AM, agosto 01, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

Olha só, belo comentário, Romeika! Concordo contigo! E Kamila, vc tb é fã de Pink Floyd?

Bjs!

 
At 10:38 AM, agosto 01, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

E bom dia! Não morreu ninguém hj, não é? Que bom! Vamos em frente, pessoal!

 
At 11:03 AM, agosto 01, 2007, Blogger Poetrica said...

Obrigado pelos elogios. Esse blog é muito bem frequentado! É muito legal escrever e ter tanto retorno.
Valeooooo!!!!! Um dia calmo hoje pro cinema, espero.

 
At 11:15 AM, agosto 01, 2007, Blogger Kamila said...

Esperamos todos que o dia continue calmo para o cinema.

Otávio, sou fã de carteirinha do Floyd.

 
At 1:27 PM, agosto 01, 2007, Anonymous Anônimo said...

Marcelo, belo texto assim como foi o do Bergman.
Concordo com os comentários de Romeika e Denis, inclusive lá na locadora a parte na prateleira do Bergman está praticamente vazia.

Kamila, não sabia que Us and Them era pro filme do Antonioni então minha homenagem à ele (do qual sei o nome das obras mas não as conheço) posto um trecho da música (que por sinal, conheço bem).


Us, and them
And after all we're only ordinary men.
Me, and you.
God only knows it's not what we would choose to do.
Forward he cried from the rear
and the front rank died.
And the general sat and the lines on the map
moved from side to side.
Black and blue
And who knows which is which and who is who.
Up and down.
And in the end it's only round and round.
Haven't you heard it's a battle of words
The poster bearer cried.
Listen son, said the man with the gun
There's room for you inside.

Abs !!

 
At 2:22 PM, agosto 01, 2007, Blogger Romeika said...

Denis, vc disse tudo. Fico feliz que as minhas palavras tenham sido bem interpretadas por todos (até agora rsrs..) e concordo que as homenagens devam ser feitas, afinal, é imprescindível lembrar da contribuição que os dois deram ao cinema (e da qual quero conhecer). Imagino a nostalgia que a morte dos dois deve causar para os que vivenciaram a época, vendo esses filmes na telona num tempo em que multiplex ainda não existia.

 
At 6:32 PM, agosto 01, 2007, Blogger Kamila said...

Áurea, o Richard Wright compôs a melodia de "Us and Them" especialmente para uma cena de tumulto em "Zabriskie Point". O Antonioni não gostou, e o Floyd retirou a música da trilha do filme. Alguns anos depois, fazendo o "Dark Side of the Moon", a banda decidiu voltar à melodia de Wright e o Waters colocou a letra.

 
At 2:04 AM, agosto 02, 2007, Anonymous Anônimo said...

ahhhh, me perdi no meio da estrada , rsssss mas, gostei tanto do post q não vou deletá-lo, espero que deixem ele ficar lá =)
Obrigada pela informação completa Kamila !!!

 

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