segunda-feira, julho 30, 2007

O mundo de Bergman (1918-2007)

"We live our simple daily lives. And then some terrible piece of information forces itself into our secure, safe world. It's more than we can bear. The whole state of affairs is so overwhelming, God becomes so remote."

Tomas (Gunnar Björnstrand), em Luz de Inverno

Por Marcelo Burgos
Especial para HOLLYWOODIANO


Não sei citar um a um os filmes de Ingmar Bergman, morto hoje. Tampouco saberia descrever as fases de seus filmes, pontuando as pequenas revoluções e evoluções que sua obra certamente sofreu desde a década de 1940, quando começou. Entretanto, a partir das inúmeras vezes que vi O Sétimo Selo, Morangos Silvestres, Persona e Fanny e Alexander sei dizer que Bergman era um dos maiores, talvez o maior, criador de mundos.

A ele não interessava apenas contar histórias, como inúmeros outros cineastas da tradição ocidental. Bergman reportou, por meio de sua sofisticada, sóbria e rica linguagem, o que intuía em um mundo paralelo, que surpreendeu e assombrou seus espectadores por ter tão sólidas ressonâncias. As Annas e Voglers, nomes que se repetem ao longo de seus filmes, tinham muito a dizer. E o disseram de maneira tão sublime e contundente, que criaram uma nova categoria para palavras e imagens. Bergman falava deste homem e mulher primordiais. Nada em seus filmes é circunstancial, casual, mas nem por isso é excessivamente ou artificialmente construído. Seus filmes encerram uma realidade tão perfeita, tão coerente, que ela é absolutamente natural.

Bergman fez um dos meus filmes preferidos, Gritos e Sussurros. Costumo dizer que, neste filme, a dor foi tratada de maneira tão sublime que praticamente não dói, de tanto deslumbramento. Bergman recriou o conceito de sublime, aliás. Para ser ter uma idéia de como ele criava, o cineasta contou como teve a idéia do filme, que mostra uma terrível história de doença e traição: “I've got another idea, something I've dreamt. I see a road, and a girl on her way to a large house, a manor house, perhaps. She has a little dog with her. Inside the house there's a large red room where three sisters dressed in white are sitting and whispering together. Do you think it could turn into a film?”, perguntou ele ao seu colaborador Sven Nykvist.

Quem viu o filme sabe que a cena da sala vermelha é uma das mais maravilhosas do cinema de todos os tempos. Neste filme, também, Bergman faz um uso exemplar do silêncio, que nunca foi tão eloqüente. As imagens eram tão agudas que muitas vezes seus filmes prescindiam de música. E as palavras eram tão milimetricamente distribuídas nos fotogramas que nada, ou quase nada, parecia ter deixado de ser dito.

Essa era, para mim, a grande qualidade de Bergman. Ele fazia filmes que diziam tudo, esgotavam tudo, deixavam os espectadores cansados, como que exaustos após o inevitável orgasmo humano. Como Fellini, levava a sério a idéia do cinema como arte, uma maneira de acessar as Annas e o Voglers dentro de nós, arquétipos da criação e da destruição.

O cinema de Bergman era um cinema de rostos. Por isso, ele nunca deveria ser visto em vídeo, a não ser para lembrar a experiência da telona. Porque alguém que acredita tanto no ator – e no homem - não pode ficar confinado em uma tela melancolicamente pequena. Longa vida ao cinema, aos atores, à criação e aos espelhos de Ingmar Bergman.

19 Comments:

At 5:20 PM, julho 30, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

Amém!

Muito obrigado pelo belo texto, Marcelo!

Abs!

 
At 5:30 PM, julho 30, 2007, Blogger Kamila said...

Lindo texto, Marcelo.

O cinema é uma arte que imortaliza imagens e o Bergman sobreviverá pela sua excelente obra. Cabe a nós, cinéfilos, continuar fazendo com que a arte dele permaneça viva.

E que ele descanse em paz.

 
At 6:21 PM, julho 30, 2007, Anonymous Anônimo said...

Marcelo, queria deixar meus parabéns pelo texto, realmente belíssimo. Apesar de não conhecer tão bem sua filmografia, Bergman sem dúvida foi um dos maiores diretores em todos os tempos.

Abraço!

 
At 6:35 PM, julho 30, 2007, Blogger Poetrica said...

Obrigado, Vinicius, Otávio e Kamila... dá vontade de rever todo o Bergman né? Que pena...

 
At 7:06 PM, julho 30, 2007, Anonymous Anônimo said...

Na minha opinião Bergman está entre os 5 maiores, sendo os outros 4 Orson Welles, John Ford, Alfred Hitchcock e Stanley Kubrick. Eu digo isso pela contribuição que cada um deu a um ou dois gêneros específicos. É lógico que há outros mestres, mas esses são os mais singulares e revolucionários pelo conjunto da obra.

 
At 7:10 PM, julho 30, 2007, Anonymous Anônimo said...

Na verdade eu acho que Fellini deveria "entrar" nesta seleta lista como o sexto grande...

 
At 7:40 PM, julho 30, 2007, Anonymous Anônimo said...

Bergman foi um grande cineasta, mas não exagerem. Ele pode estar entre os 20 melhores de uma lista que começa com Billy Wilder.

 
At 7:40 PM, julho 30, 2007, Anonymous Anônimo said...

Bergman foi um grande cineasta, mas não exagerem. Ele pode estar entre os 20 melhores de uma lista que começa com Billy Wilder.

 
At 9:57 PM, julho 30, 2007, Anonymous Anônimo said...

Belíssimo texto, ótimo de verdade. Fiquei até com vontade de conhecer os filmes deste cineasta, pegar sua filmografia completa - ou melhor, viajar no tempo e ver todos na tela grande.
Sei que muitos utilizariam uma máquina do tempo para conhecer o futuro, mas a usaria para conhecer o passado tão sublime do cinema, algo que desconheço, infelizmente.

Grande abraço, e parabéns mais uma vez.

 
At 10:03 PM, julho 30, 2007, Blogger Flávia said...

O Charles tinha que ser do contra... Beijo, Marcelo!

 
At 10:15 PM, julho 30, 2007, Blogger Poetrica said...

Que bom que para você ele está entre os 20, Charles Magno. Achei que ele não entraria nas suas listas....
abraços!!!

 
At 11:59 PM, julho 30, 2007, Blogger Ronald Perrone said...

Belo texto, bela homenagem para um gênio que se foi...

 
At 8:57 AM, julho 31, 2007, Blogger Romeika said...

Excelente texto, Marcelo. Só vi um filme do Bergman, embora sempre tive vontade de conhecer a sua filmografia. Depois desse texto irei correndo procurar alguns títulos, iniciarei com os mais conhecidos. Que lindo isso do sonho que virou imagem de cinema. Não tinha conhecimento disso.

 
At 1:23 PM, julho 31, 2007, Anonymous Anônimo said...

Maravilhoso seu texto Marcelo.
Realmente deixa com vontade de conhecer toda a obra dele (só assisti O Sétimo Selo e Saraband).
Na minha opinião, independente da posição dele no rank de vcs, todos se lembraram dele para alguma posição o que só afirma sua genialidade.
Abs a todos !!

 
At 1:55 PM, julho 31, 2007, Blogger Marcus Vinícius said...

Grande texto mesmo. Mas bah, hoje foi o Antonioni também... cara, isso tá virando a "Próxima Vítima".

 
At 7:43 AM, agosto 01, 2007, Anonymous Anônimo said...

Billy Wilder é ótimo, mas acredito que Bergman está um passo acima, pois não vejo nenhum filme do Wilder que supere Morangos Silvestres, Fanny & Alexander ou até mesmo O Sétimo Selo, filmes essenciais para qualquer estudante de cinema. Os filmes noir do Wilder carregam um ranço da década de 40 que infelizmente não soa "moderno" no que se refere a construção dos personagens e seu estado psicológico, apesar da estrutura do filmes estar bem à frente de seu tempo. Talvez seja besteira fazer top lists de grandes gênios, mas com certeza ele está entre os 10 maiores cineastas.

 
At 5:04 PM, agosto 02, 2007, Blogger Poetrica said...

O problema das listas é que cria-las pressupõe categorias. E categoria é limitante. O Grande Sertão Veredas é prosa ou poesia? Hitchcock é cinema de arte ou entretenimento? Grandes cineastas detestavam estas categorias e faziam força para despistar os burocráticos "listeiros". O Billy Wilder é bom, mas deixa ele lá, não tem que misturar Sunset Boulevard com La Notte. A única coisa que unifica a lista é que esses caras todos faziam cinema... assim como o youtube também faz.

 
At 6:14 PM, agosto 02, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

Hahahhahahaha... o You Tube? Muito bom!

Abs!

 
At 3:55 PM, julho 31, 2008, Blogger Laila Oliveira said...

belo texto! ;D

 

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