domingo, outubro 07, 2007

Tropa de Elite


O Brasil tem leis muito boas, mas elas não saem do papel. A corrupção está enraizada no sistema (isso inclui a polícia) e já é parte da cultura de ricos e pobres. Policial não pode levar tiro à toa, porque tem família, e precisa ganhar dinheiro por outros meios. Goste ou não, a situação no Rio de Janeiro está fora de controle. E tem gente que não quer ver. Uma guerra não acontece porque o tráfico ainda é interessante para os órgãos governamentais. Para o capitão Nascimento (Wagner Moura), narrador e personagem principal de Tropa de Elite (2007), bandido bom é bandido morto - seja traficante ou policial. Para ele, os direitos humanos existem para ajudar os criminosos. Logo no início do filme de José Padilha, Nascimento diz: "Se é para fazer direito, deixa com o BOPE (Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar)". Para ele, um policial tem três alternativas. Ou se corrompe. Ou se omite. Ou vai para a guerra - nesse ponto, ele quer dizer: entra para o BOPE.

Você pode não concordar que a culpa do tráfico é do governo (incluindo o atual) e da classe média, que também é consumidora (nem que seja de um "simples baseado"). Pode achar que gente sem oportunidade na vida cai fácil na criminalidade e que a polícia é corrupta e ponto final. Mas Tropa de Elite chama o público para discutir um problema que está longe da solução. É impossível ficar indiferente ao término do filme. E não só pelo tema. Habilidoso como contador de histórias, o diretor leva o espectador a seguir a filosofia da inevitável guerra. Como narrador, o capitão Nascimento acha que o negócio é invadir o morro, afinal inocentes morrem em qualquer guerra.

É lógico que Padilha quer discutir isso. Por um lado, ele quer que o povo reflita e identifique seu papel no meio de tudo isso. Mas o talento do diretor em manipular as emoções do espectador vem com naturalidade. É o seu jeito de contar uma história - vide seu trabalho anterior como documentarista em Ônibus 174.

Por outro lado, Tropa de Elite também pode ser visto como a saga de três homens: Nascimento (Moura), o capitão do BOPE, e dois aspirantes a policiais, o impulsivo Neto (Caio Junqueira) e o idealista Matias (André Ramiro). Nascimento está cansado de trabalhar no BOPE. Ele quer curtir a vida ao lado da mulher e do primeiro filho. Mas para isso, ele precisa deixar o comando para um substituto à altura. É neste ponto em que Tropa de Elite se assume como um longa de ficção e onde reside toda a genialidade do roteiro de José Padilha, Bráulio Mantovani e Rodrigo Pimentel. Histórias sobre um homem que deseja encontrar sua paz, assim como a busca por um pupilo, são figuras permanentes em clássicos de Hollywood. Principalmente em filmes de faroeste, policial e guerra.

Até a metade do filme, vemos como o caminho de Nascimento se cruza com o de Neto e Matias. Daí em diante, parece que Tropa de Elite tem um novo começo. Para não ficar com cara de "dois filmes em um", o roteiro adaptado do livro Elite da Tropa, de André Batista, Rodrigo Pimentel e Luís Eduardo Soares, tinha que ser sensacional. E ele é. E a produção jamais transmitiria tamanho impacto na platéia sem a direção vibrante de José Padilha. Tem hora em que parece filme de guerra e tudo o que sentimos é um nervosismo terrível. Não há nada de divertido neste filme. Inclusive, as cenas de treinamento do BOPE são para estômagos fortes. Padilha não alivia para ninguém. É uma porrada mesmo. O que quero dizer é que teve gente que disse que Tropa de Elite é um filme de ação. Isso está errado. Tropa de Elite se encaixa no gênero tanto quanto O Resgate do Soldado Ryan e Falcão Negro em Perigo. Ação é Duro de Matar.

Além da direção de Padilha, o poder do filme está igualmente ligado a seu elenco. A transformação de Caio Junqueira e André Ramiro é impressionante. Já Wagner Moura é um monstro. É o melhor ator do Brasil. Ele é extraordinário como o capitão Nascimento, que está à beira de um ataque de nervos no trabalho e desconta toda a sua raiva nos traficantes, mas em casa, ele abaixa a cabeça para as ordens da esposa.

Tropa de Elite não é somente o melhor filme brasileiro desde Cidade de Deus (2002), de Fernando Meirelles. José Padilha fez um trabalho obrigatório para aqueles que amam o cinema e para quem acha que produções nacionais devem refletir sobre a situação de nosso país. Para o Brasil, Tropa de Elite é o filme mais importante de 2007. Como cinema (seja daqui ou de qualquer outro lugar), é um dos melhores filmes do ano. Talvez o melhor.

Tropa de Elite (2007)
Direção: José Padilha
Elenco: Wagner Moura, Caio Junqueira, André Ramiro e Fernanda Machado

21 Comments:

At 1:17 PM, outubro 08, 2007, Blogger Victor said...

Tropa de Elite é fo** demais!!!
Sem dúvida o melhor filme do ano sim, independente de todo esse marketing que fizeram devido a polêmica todo em torno dele!
Wagner Moura apavora...tem uma atuação digna de Oscar!!!
Eis mais um filme pra fazer parte da história do cinema brasileiro!!!


Abs!

 
At 2:01 PM, outubro 08, 2007, Blogger Wiliam Domingos said...

Putz...
sexta que não chega viu!
To louco pra ver este filme...
Este é o tipo de filme que compensa ser indicado a um Oscar!
O Ano em que meus pais saíram de férias não vai rolar...apesar de ser bom!
Mas de longe Tropa de Elite vai ter mto reconhecimento, está sendo muito censurado por ai...
Abraço!
Tem Mr. Mestre no Eco Social!

 
At 2:22 PM, outubro 08, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

Sobre essa coisa de lembrar filmes de faroeste, policial ou guerra, esqueci de comentar a cena final. Lembra o clímax de OS IMPERDOÁVEIS, quando Clint Eastwood executa Gene Hackman - com a diferença da bela sacada da luz do sol em TROPA DE ELITE, que nos cega na hora de entender a real expressão do "herói".

Abs!

 
At 2:28 PM, outubro 08, 2007, Blogger Romeika said...

Assino embaixo. Também discordo de quem diz que é um filme de ação, li até críticos dizendo que "Tropa de Elite" é o "300" brasileiro, que sacrilégio... Um dos melhores do ano, sem dúvida.

 
At 3:00 PM, outubro 08, 2007, Blogger Marcus Vinícius said...

Otávio, vai dizer que não sentiu uma vontade de jogar BLACK logo após vê-lo? =D
É um filme espetacular, muito bom mesmo.

Abraços!

 
At 3:52 PM, outubro 08, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

É um sacrilégio mesmo, Romeika! Esse tipo de avaliação só aumenta a polêmica em torno do filme. Sabe? Dizer que é filme de ação ou que o Cap. Nascimento é um herói, etc. Bjs!

Marcus, eu não me lembrei de videogame durante o filme, cara. Fiquei de queixo caído e saí deprimido do cinema.

Abs!

 
At 4:27 PM, outubro 08, 2007, Blogger Marcus Vinícius said...

Claro, claro, não é um filme pra ficar alegre, só quis mencionar a perfeição, dureza dos treinamentos, as ações nos becos da favelas e tal. Sobre essa realidade no Rio, vale a pena lembrar também daquele documentário do Salles, inclusive com depoimentos de policiais do BOPE, "Notícias de uma guerra particular", muito antes do "Falcão: meninos do tráfico" chocar o país. Infelizmente parece que tão cedo esse assunto não vai se encerrar...

Até mais!

 
At 5:48 PM, outubro 08, 2007, Blogger Kamila said...

Belíssimo texto, Otavio. Acho que o filme toca mesmo nessas feridas da sociedade brasileira (a crise ética, a crise das instituições, a violência). Por isso que toda discussão é válida. O chato é ter que esperar até sexta-feira para assistir "Tropa de Elite".

Beijos.

 
At 6:02 PM, outubro 08, 2007, Blogger Heloísa said...

Este comentário foi removido pelo autor.

 
At 6:09 PM, outubro 08, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

Outra coisa importante... tem gente que não entende. A visão do filme é toda do narrador (Cap. Nascimento). Ele vê a situação dessa forma. Você pode não concordar, mas para ele, o BOPE é daquele jeito. Abs!

 
At 6:11 PM, outubro 08, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

Gente, já tem o número 9 da lista dos 10 melhores filmes de todos os tempos lá no blog da SBBC.

Abs!

 
At 8:53 PM, outubro 08, 2007, Blogger Museu do Cinema said...

Tropa de Elite é o melhor filme nacional desde Cidade de Deus.

 
At 9:14 PM, outubro 08, 2007, Blogger Flávia said...

Puxa, sabendo da sua resistência com filmes nacionais, imagino que esse seja mesmo espetacular. Fiquei impressionada com o trailer e vou ver o filme assim que puder (fui uma das únicas pessoas que ainda não viu o pirata).

Acho importantíssimo colocar essas questões em pauta. Quem sabe as pessoas pensam sobre isso quando estiverem fumando seu baseadinho inocente... Toda ação tem uma reação e nós estamos todos ligados. O Brasil só vai evoluir quanto todos entenderem que têm responsabilidade sobre a sociedade em que vivemos.

Parabéns pelo ótimo texto!

Bjs!

 
At 10:47 AM, outubro 09, 2007, Blogger Romeika said...

Realmente, Otávio. Acho que a última coisa que passaria pela cabeça do diretor seria retratar o C. Nascimento como herói. Quem vê o filme dessa forma não entendeu a essência do mesmo. Bjs!

 
At 11:54 AM, outubro 09, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

Tb não vi pirata. A experiência de ver um filme no cinema não pode ser comparada a isso.

 
At 3:21 PM, outubro 09, 2007, Anonymous Anônimo said...

Estou querendo muito ver, sem dúvida estarei lá no domingo.

Ciao

 
At 4:07 PM, outubro 09, 2007, Anonymous Anônimo said...

Li sua crítica ontem e o texto está ótimo, mas ainda não vi "Tropa de Elite" (que só estréia aqui no Nordeste na sexta), portanto, assistirei de depois comentarei - até rimou...

 
At 6:54 PM, outubro 10, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

Pois volte aqui depois, então, Vinicius! Abs!

 
At 11:28 PM, outubro 10, 2007, Blogger Juliana Nascimento said...

Primeiramente parabéns pelo blog, mais especificamente pela crítica de Tropa de Elite. Você escreve tudo o que espero de um crítico, não uma opinião particular de sua percepção, e sim bons argumentos sobre vários aspectos dos filmes.

Bem, assisti o filme e vou além, não apenas acho que foi o melhor filme do ano, tenho certeza absoluta. O diretor José Padilha foi realmente genial e o roteiro é perfeito.

Além do mais, é bem real. O filme fala tudo que um dia quis gritar bem alto. Não adianta agora discutir, o filme nos leva a reflexão. O quanto de culpa temos por tanta violência. Se os direitos humanos são para os humanos, porque defendem animais como traficantes, assassinos? O medo e o respeito são limítrofes, mas distintos... Como o governo e os cidadãos podem contribuir para a educação da população? O quanto devemos ser severos e incisivos em nossos propósitos de seguir o caminho correto? Enfim, espero que todos tenham no mínimo curiosidade para assistir o filme. Porque tenho ouvido de membros da classe média coisas do tipo: "Essa porcaria?" E me pergunto será que ele se olhou no espelho hoje? Sabe a peça ACORDA BRASIL? Faz muito sentido...

 
At 10:39 AM, outubro 11, 2007, Blogger Adriano Brito said...

Meu.

Utilizando uma palavra (ão) bastante utilizado no filme, ele é “do caralho”. Fabuloso, sensacional!

Tenho visto bons filmes nos últimos tempos. Mas nenhum deles me fez mergulhar tão fundo, sair tão contagiado. Que roteiro é esse? Fabulosamente amarrado, com um jogo anacrológico adorável na sua primeira parte. As cenas da “guerra” deixam Jason Bourne no chinelo! Sinceramente, coloco Tropa de Elite como um dos melhores filmes brasileiros de todos os tempos – senão o melhor.

Para mim, a mensagem principal do Padilha “Abaixo à hipocrisia”. Muitos dos simpatizantes de idiotices como o “Cansei” colaboram e muito com a miséria e a criminalidade no país. Chega de ufanismo, de fazer vista grossa!

Abraço!

 
At 11:07 AM, outubro 11, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

Puxa, Juliana! Obrigado pelas palavras! Seja bem-vinda ao blog. Passe mais vezes para conversarmos sobre essa maravilha que é o cinema. E será muito difícil ver um filme mais impactante do que TROPA DE ELITE neste ano.

Adriano, o filme é sensacional. Obrigatório tanto pelo tema quanto pelo bom cinema.

Abs!

 

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