sexta-feira, fevereiro 29, 2008

Hollywoodiano Cult


Rambo - Programado Para Matar

(First Blood, 1982)


Atualmente, Sylvester Stallone é ridicularizado por não ter sido a promessa que Hollywood imaginou em 1976, quando ele escreveu e protagonizou Rocky - Um Lutador. A produção ganhou o Oscar de Melhor Filme e revelou um astro, mas não exatamente um talento. Logo depois, Stallone escreveu outra história sobre um homem simples e de inteligência limitada, que é arremessado num sistema que ele mesmo não compreende. Mas enquanto o humilde boxeador Rocky Balboa sonhava com sua grande chance para provar seu valor, o veterano atormentado do Vietnã John Rambo só queria distância de qualquer envolvimento com as eternas guerras dos EUA.

Ao contrário do que muitos pensam, Rambo (Stallone) não aconselharia ninguém a vestir um uniforme e invadir países rivais da política americana para levar a "democracia" aos pobres e radicais vizinhos do mundo. Isso fica claro em Rambo - Programado Para Matar (First Blood, 1982), filme de Ted Kotcheff, o diretor do original Fun With Dick and Jane, que é melhor do que aquela refilmagem com Jim Carrey.

Para começar, este primeiro filme da saga de Rambo poderia ter sido o único. O soldado volta para casa, mas antes passa numa cidadezinha pacata para reencontrar um velho amigo do Vietnã. No caminho, Rambo é alvo de preconceito, violência e humilhação do Xerife Will Teasle (um ótimo Brian Dennehy), que deseja manter a ordem e o "silêncio" da cidade. Preso e torturado, Rambo deixa os traumas da guerra dominarem sua mente e foge da cadeia revelando o que aprendeu com o treinamento e a experiência militar.

Nada me tira da cabeça que o primeiro Rambo tentou ser um faroeste moderno. Talvez não tenha sido inédito, mas a idéia do xerife malvado foi usada posteriormente em Os Imperdoáveis, de Clint Eastwood. Só que Rambo se defende como um primata e não um caubói. É o horror da guerra destruindo a imagem perfeita do herói americano.

A premissa é simples: os EUA perderam no Vietnã. Agora, o herói humilhado pelo próprio país inicia uma guerra particular em seu próprio território. A idéia do pouco caso do governo americano com seus soldados dominou a Hollywood dos anos 70 com filmaços como O Franco Atirador, Taxi Driver e Amargo Regresso - são três exemplares que partem do mesmo raciocínio de Rambo - Programado Para Matar. O que não faz o filme de Kotcheff ficar no patamar das produções citadas é a opção do diretor (ou talvez do estúdio) em explorar o astro em ascensão Sylvester Stallone. O thriller inicialmente psicológico vira um espetáculo de ação e correria.

Rambo quer que as autoridades deixem ele em paz, mas também procura respeito. A chegada de seu mentor, o Coronel Trautman (Richard Crenna), para aliviar a tensão na cidadezinha só prova o quanto Rambo é solitário e quer carinho, atenção e paz de espírito. Trautman é a sua figura paterna. Quem pensa que Rambo é apenas uma máquina de guerra, não entendeu o filme original. Hoje, a ridicularização do personagem (e de Stallone) é culpa das várias sátiras (Top Gang 2, entre outros), imitações (Deus! Chuck Norris foi Braddock!) e da ligação da imagem do herói com a Era Reagan (o presidente americano adotou Rambo como seu porta-voz e não o contrário). Sem falar que a época dos heróis musculosos passou. Foi uma imagem gerada pela explosão das academias nos anos 80.

Enfim, Rambo - Programado Para Matar ainda é um bom filme. E o melhor da saga. O único problema é ignorar a piada que virou o personagem e os anos 80 em geral. Quem respirar fundo, alugar o DVD e rever o filme depois de 10, 20 anos pela primeira vez, pode ser que tenha uma boa surpresa. E preste atenção no extraordinário tema composto pelo saudoso maestro Jerry Goldsmith. Neste filme, a música de Rambo tem um tom melancólico. Como as continuações se dedicaram excessivamente às cenas de ação, o mesmo tema ficou mais... agitado.

Rambo - Programado Para Matar (First Blood, 1982)
Direção: Ted Kotcheff
Roteiro: Michael Kozoll, William Sackheim e Sylvester Stallone
Elenco: Sylvester Stallone, Richard Crenna, Brian Dennehy, Bill McKinney e David Caruso


Rambo II - A Missão
(Rambo: First Blood - Part II, 1985)

Se o primeiro filme da série segue uma tendência da década anterior, Rambo II - A Missão (Rambo: First Blood - Part II, 1985) abraça de vez os valores dos anos 80. Preso no fim do filme original, o veterano John Rambo tem a chance de receber o perdão do presidente. Para isso, ele precisa participar de uma missão secreta de resgate de prisioneiros americanos no Vietnã. A guerra acabou. Mas não para Rambo.

Perto do original, o segundo filme tem mais ação e é menos dramático. É violento e exagerado. Mas as seqüências são espetaculares e contribuiram para transformar Rambo num ícone da cultura pop americana. Depois disso, astros e estúdios queriam fazer seus próprios Rambos.

Na última cena do filme, que reforça a proposta do original de 1982, entendemos que o personagem ama o seu país, mas está desiludido com ele. Discordando da maioria, eu afirmo que Rambo não ganhou a Guerra do Vietnã sozinho. Ele apenas voltou lá e resgatou alguns prisioneiros. Ele é patriota, mas não é um garoto-propaganda dos EUA. Quem criou isso foi o próprio Ronald Reagan, que queria recuperar a moral dos americanos, que estava em baixa desde o Vietnã. Com isso, Rambo virou símbolo da Era Reagan. Mas não culpem Stallone.

Na verdade, acho que o filme fecha um ciclo na vida do protagonista. Em Rambo I, ele é perseguido por policiais americanos e se sente traído pelo próprio país. O soldado não esquece os horrores da guerra e usa esse ódio contra seus perseguidores. Acho que o regresso ao Vietnã, em Rambo II, representa um exorcismo para os fantasmas do herói. E é isso. O primeiro não pediu um segundo filme. Mas já que aconteceu, Rambo II deveria ter funcionado como a conclusão da história. Ponto final.

Sabemos que não foi assim, infelizmente. Mas o lado positivo desta seqüência é que ela é extremamente original para os filmes de sua época - e em relação a Rambo I. Parecia óbvio que uma terceira parte seria mais do mesmo. E isso é um elogio para Rambo II - méritos dos roteiristas Sylvester Stallone e (pasmem) James Cameron. Muitos diálogos são ruins, claro, mas a ação rola solta com uma edição ágil, que ajuda na narrativa e conclui bem a saga - aliás, a revolta de Rambo nos minutos finais é inesquecível para os fãs. O problema é que surgiram repetições como a "trilogia" Braddock, com Chuck Norris, Comando Para Matar, com Arnold Schwarzenegger, e... Rambo III.

Rambo II - A Missão (Rambo: First Blood - Part II, 1985)
Direção: George P. Cosmatos
Roteiro: Sylvester Stallone e James Cameron
Elenco: Sylvester Stallone, Richard Crenna, Charles Napier, Steven Berkoff e Julia Nickson-Soul


Rambo III
(Rambo III, 1988)

Imitações, sátiras e a mudança de valores na transição dos anos 80 para os 90 começaram a formar uma imagem negativa (ou escrachada) de Rambo e Sylvester Stallone. A Era Reagan estava no fim. O Vietnã ficou para trás. Se eu disse que Rambo não é um soldado que idolatra o governo dos EUA, os produtores da saga decidiram reforçar o que Reagan pensava do personagem. Com mais dinheiro e menos criatividade, a solução para a trama do inevitável Rambo III (Rambo III, 1988) foi concentrar o poder de fogo do protagonista em outro conflito que incomodava os EUA: a ocupação soviética no Afeganistão. O sentido disso tudo é como se Rambo acabasse de vez com a Guerra Fria.

Aqui, os fãs já estavam fisgados e nem ligaram para tanto absurdo. Rambo estava conectado ao Vietnã e os dois primeiros filmes funcionam como uma "terapia intensiva" para o velho soldado esquecer seus traumas. Então, o que dizer de Rambo correndo e atirando no meio do deserto no Oriente Médio? Propaganda política, claro. E desculpa esfarrapada de Hollywood para explorar o sucesso da franquia.

Ainda assim, Rambo só volta a pegar em metralhadoras, porque seu amigo Trautman (Richard Crenna) é capturado no Afeganistão pelo "malvado" exército soviético. Diferente de Rambo I e II, a trama demora a engrenar e quando o espetáculo de ação começa lá pela metade do filme, o espectador precisa acordar, porque daí pra frente é barulho que não acaba mais.

Ironicamente, Rambo III dialoga com o recente Jogos do Poder, de Mike Nichols: os protagonistas de Sylvester Stallone e Tom Hanks não sabiam que estavam ajudando a construir um dos maiores inimigos dos EUA nos tempos atuais.

Mesmo sem um pingo de originalidade e apesar de oferecer mais do mesmo, Rambo III, pelo menos, agrada aos fãs da série. Sem dúvida, esse é o filme mais fraco de todos. Mas Stallone consolidou sua imagem de astro. Ele teve a sua época e ninguém pode negar. Mesmo enfrentando a concorrência de outros nomes como Schwarzenegger, Chuck Norris e Van Damme (veja só como o perfil dos astros de ação mudou), Stallone conseguiu a façanha de colocar dois personagens no imaginário do público (Rocky e Rambo). E isso não é fácil. Para o bem ou para o mal.

Rambo III (Rambo III, 1988)
Direção: Peter MacDonald
Roteiro: Sylvester Stallone e Sheldon Lettich
Elenco: Sylvester Stallone, Richard Crenna, Marc de Jonge, Kurtwood Smith e Spiros Focás

21 Comments:

At 5:36 PM, fevereiro 29, 2008, Blogger Otavio Almeida said...

"Otavio Almeida é autor do livro RAMBO E A FILOSOFIA" :-)

Bom final de semana a todos! Abs!

 
At 6:41 PM, fevereiro 29, 2008, Anonymous Anônimo said...

Hahaha, adorei seu comentário ;-)
Bem, eu não sou muito fã de "Rambo" e nem devo encarar uma sessão do novo filme da série, mas lembro que gostava de ver o "Rambo II" na TV. Mesmo assim é um bom começo para a nova seção do blog.

 
At 6:54 PM, fevereiro 29, 2008, Blogger Otavio Almeida said...

:) Valeu, Vinicius! Por causa do Stallone, eu comecei a falar sobre RAMBO, mas não terminei, afinal RAMBO IV está aí e pode ser uma porcaria maior do que o III, que é ruim, mas é bom.

Abs!

 
At 7:15 PM, fevereiro 29, 2008, Blogger Kamila said...

Este comentário foi removido pelo autor.

 
At 7:16 PM, fevereiro 29, 2008, Blogger Kamila said...

Otavio, minha introdução no mundo do cinema aconteceu ao assistir às sessões do "Domingo Maior" com meu pai. Os filmes da série "Rambo", claro, eram reprisados à exaustão naquela época. E, por incrível que pareça, eu nunca ligo a imagem do Sylvester Stallone ao Rocky Balboa. Para mim, ele sempre foi o John Rambo!

Ainda não sei se vou assistir ao novo filme da série, mas, de qualquer maneira, se for encarar uma sessão, estarei pronta já que refresquei minha memória com seu post.

Os textos ficaram ótimos e seu comentário foi melhor ainda! :-)

Beijos e um bom final de semana!

 
At 8:12 PM, fevereiro 29, 2008, Blogger Otavio Almeida said...

Obrigado, Kamila!

De repente, assista a RAMBO IV domingo à noite. Só para substituir sejá o que esteja em cartaz no DOMINGO MAIOR deste... domingo.

Bjs! Bom fim de semana!

 
At 11:29 PM, fevereiro 29, 2008, Blogger Pedro Henrique Gomes said...

Muito bom Otávio. Ótimos textos.

Esse novo Rambo é de chorar(de ruim).

Abraço!!!

 
At 12:29 AM, março 01, 2008, Anonymous Anônimo said...

Hum, não gosto de Rambo, sei que marcou uma época e tal, mas simplesmente não gosto, prefiro Rocky, é EMOcionante :P

 
At 1:33 AM, março 01, 2008, Anonymous Anônimo said...

O. estou na CAPA DA ÉPOCA, meu caro!
http://judao.com.br/blogs/hollywood/

Finalmente, um pouco de Glória nesse jornada solitária em LA!

Abraços e OBRIGADO! Vc sabe que colaborou com isso!

 
At 11:12 AM, março 01, 2008, Anonymous Anônimo said...

Para ser sincero, nunca tive vontade de ver Rambo e só verei esse IV se eu conseguir achar os outros para ver. Mas...seus comentários me animaram, e se eu achar, com certeza devo dar uma conferida. Já que, lembrando bem, ano passado peguei apreensivamente os Rocky para ver e acabei me divertindo muito, adoros os 2 primeiros. Enfim, se voce ainda está interessado, já publiquei minha crítica de Depois de Horas no Cine Pulp. ;)

Ciao!

 
At 2:52 PM, março 01, 2008, Blogger Unknown said...

Cara, que vergonha :-(
Eu nunca vi um "rambo" sequer. e o quarto tá aí, nos cinemas.....
Vou consertar meu erro rapidamente.
Abraço!

 
At 11:01 PM, março 01, 2008, Blogger Otavio Almeida said...

Por favor, lembrem-se de que é CULT e não CINCO ESTRELAS... :)

Abs!

 
At 12:58 AM, março 02, 2008, Anonymous Anônimo said...

Otávio, vc sabia que no screenplay do Rambo original o herói se suicidava no final com um tiro? Essa cena chegou até a ser gravada mas foi colocada de lado por ser pesada demais e, é claro, para que houvessem outras continuações.

 
At 12:58 AM, março 02, 2008, Anonymous Anônimo said...

Otávio, vc sabia que no screenplay do Rambo original o herói se suicidava no final com um tiro? Essa cena chegou até a ser gravada mas foi colocada de lado por ser pesada demais e, é claro, para que houvessem outras continuações.

 
At 12:58 AM, março 02, 2008, Anonymous Anônimo said...

Otávio, vc sabia que no screenplay do Rambo original o herói se suicidava no final com um tiro? Essa cena chegou até a ser gravada mas foi colocada de lado por ser pesada demais e, é claro, para que houvessem outras continuações.

 
At 8:23 AM, março 02, 2008, Anonymous Anônimo said...

Attention!

 
At 1:28 AM, março 03, 2008, Blogger Marcus Vinícius Freitas said...

"Deus? Ele teria piedade. Rambo não."

Mais um texto (ou textos) da série "salve no seu HD", muito bons mesmo. Dos três, os quais revi recentemente, ainda prefiro o 2, ainda mais que o Kojima usou muito desse Rambo para fazer o MGS3. Aí já viu né, uma coisa puxa a outra e tal, hehe. =]

Abraços e até mais!

 
At 2:21 PM, março 03, 2008, Blogger Otavio Almeida said...

É, Denis. Eu li isso na SET. Não sabia não.

Marcus, esse diálogo é "clássico". E quando revi o 2 outro dia, lembrei muito de MGS3. Acho que somos pirados mesmo.

"Senhor, desta vez vamos vencer?"
"Depende só de você!"

Abs!

 
At 12:27 AM, março 04, 2008, Anonymous Anônimo said...

Otávio, eu tenho o dvd americano do Rambo 1 e na seção de extras eles incluem essa cena chocante com comentários do diretor, entre outras curiosidades.

 
At 6:34 PM, julho 18, 2008, Anonymous Anônimo said...

Otavio,

Li sua critica sobre a série Rambo e gostaria de te perguntar se vc conhece o livro A cultura e a Midia, do Douglas Kellner, no qual o autro faz uma critica mordaz ao Rambo como agente do conservadorismo e belicismo do governo Reagan. O qua vc acha disso?
abs
Mario Mancuso

 
At 12:02 AM, janeiro 28, 2011, Anonymous Anônimo said...

CONCORDO e Assino Embaixo, irmão de armas!


"RAMBO II - A Missão" é o Meu Filme Favorito, o que eu mais vezes assisti no cinema em minha vida, 10 vezes. Eu tinha 12 anos... é uma obra-prima antológica do diretor grego George Panpadopoulos Kosmatos.


A carpintaria cinematográfica é rica em referências visuais a filmes clássicos como "Tarzan" e "Sansão e Dalila" e o final do combate de helicóptero mostra Rambo usando uma tática do Capitão Kirk no episódio de "Jornada nas Estrelas" --- "A Caminho de Babel".


Música, montagem, ação, imagens, fotografia... TUDO é MONUMENTAL, GRANDIOSO, ÉPICO, DEVASTADORAMENTE BELO.


Rambo é o herói com quem eu mais me identifico na alma --- é o herói mais sofredor, marginalizado, anti-social e PERIGOSO. Sacou?


DE PÉ, SOLDADO! Código Alpha-Bravo-Delta-Echo-Kilo-Victor. Aos helicópteros e silêncio no rádio. O bombardeio vai começar ás quinze horas.

 

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