domingo, junho 29, 2008

WALL-E

WALL-E fala o esperanto do cinema


Na minha crítica para Ratatouille, em 2007, eu disse que a Pixar testava algo de novo para o cinema em termos de linguagem. Graças a WALL-E (WALL-E, 2008), não tenho mais dúvida que os criadores de Toy Story e Procurando Nemo têm um plano em andamento, mas ao contrário do que pensei em Ratatouille, não é exatamente novidade que eles buscam. A Pixar não quer mudar o cinema. Tecnicamente sim, mas a narrativa permanece clássica. Por amor à sétima arte, o estúdio quer fazer o público atual entender ou lembrar o que realmente significa o cinema.

A direção de Andrew Stanton é magnífica, o roteiro é irretocável e extremamente criativo, os personagens são cativantes, os efeitos sonoros são impressionantes, temos referências a diversos filmes clássicos e WALL-E é maravilhoso do início ao fim. Mas isso você já sabe. O que alguns talvez não entendam é que WALL-E não pode ser resumido com "simples" adjetivos.

Tentarei explicar: filmes de qualidade não deveriam ser divididos em gêneros (comédia, ficção científica, drama, suspense, etc). Os irmãos Lumière ensinaram, desde 1895, que o cinema é uma linguagem. É comunicação. Naquela época, os filmes eram mudos - gestos e olhares eram mais fortes que qualquer palavra. Não importa se temos um desenho ou um filme com atores de carne e osso. Ou se o filme se mistura com animação. Tudo é uma língua só. Os Lumière sabiam disso. Mas, aos poucos, as pessoas esqueceram seus ensinamentos. Talvez, a trama de WALL-E seja uma metáfora para isso.

Hoje, o que importa é o dinheiro. Na vida real e no cinema. O importante é que uma produção faça milhões em seu final de semana de estréia. O que vale é um filme cheio de ação e efeitos visuais - de preferência com atores milionários berrando, atirando, batendo e correndo na tela. É o que os estúdios (e o público) querem. Infelizmente, a cada dia que passa, testemunhamos a queda do cinema criado pelos irmãos Lumière.

Mas, no fundo, o que torna um filme bom? Ou melhor que outro? Será que pela divisão dos gêneros? Uma comédia precisar ser 100% comédia? Suspense tem de ser sempre suspense? Um filme não pode misturar gêneros? O Globo de Ouro divide suas categorias em drama e comédia, por exemplo. O fato é que os principais prêmios colocam seus selos de garantia em produções e separam atores principais de coadjuvantes, direção de roteiro, e aprendemos de forma errada o que é o bom cinema - por meio de números, efeitos visuais e prêmios.


Mas, afinal, o que é cinema? E o que é cinema de qualidade? Penso que ele deve romper gêneros e falar diretamente com a platéia. Não importa se é mudo ou falado. Ele deve emocionar o público, envolvê-lo, de alguma forma. Poucos conseguem isso e poucas são as obras-primas. WALL-E não precisa de diálogos para se comunicar com a platéia dos oito aos 80. A Pixar fez um longa de deixar os olhos do público brilhando com o avanço da tecnologia no cinema, mas ela quer mesmo é falar do verdadeiro significado da sétima arte, que se perdeu no tempo. WALL-E é uma história que se comunica 90% do tempo com imagem, som, ruído e música. Precisa de algo mais? Parece que não. Gênios como Charles Chaplin, Buster Keaton e Jacques Tati sabiam disso. Os mestres da Pixar também. WALL-E fala de futuro, mas quer é resgatar o passado.

A Pixar joga a trama em 2775, ou algo assim. A Terra virou um depósito de lixo do próprio homem, que se mandou para o espaço a bordo de uma gigantesca nave. No planeta, ficaram apenas robozinhos com a missão ingrata de limpar tudo para que a Humanidade possa, um dia, retornar. Pelos cálculos da trama, a Terra foi dominada pela sujeira total em torno de 2070. Ou seja, quando chegarmos ao ano de 2070 na vida real, WALL-E já será um filme antigo. E a trama criada por Andrew Stanton e Jim Capobianco só começa depois de 700 anos.

É apenas uma observação inicial para classificar WALL-E como a melhor ficção científica da década. Mas é injusto prender o filme a apenas um gênero. Tem comédia também - e no melhor estilo do cinema mudo. Mas não podemos ficar só nisso. E, ao contrário do que muitos pensam, animação não é um gênero. Ou, pelo menos, não deveria ser. Lá pela metade de WALL-E, por exemplo, a Pixar faz questão de nos lembrar que estamos vendo uma animação e não um filme cheio de efeitos visuais.

Claramente, a Pixar está tentando dizer algo. O cinema evolui tecnicamente, mas a linguagem é a mesma. Eu captei da seguinte forma: cinema é linguagem. É uma forma de expressão. Não importam os gêneros. Não importa se é filme ou desenho. Não precisamos de palavras. Basta entender a linguagem universal que existe entre o amor, a esperança, a amizade e a arte.

Alguns acusarão WALL-E de hipocrisia, afinal a Pixar fala do excesso de consumo quando estamos numa indústria chamada Hollywood. Mas não é isso. Não é somente uma produção que carrega referências e mensagens ecológicas ou pacíficas. A verdade é que WALL-E tenta mostrar a uma nova geração o que os mestres dos primórdios da sétima arte tentaram nos ensinar. É aquela velha pergunta que volta de vez em quando em nossas mentes e corações: o que é cinema?

WALL-E (WALL-E, 2008)
Direção: Andrew Stanton

Roteiro: Andrew Stanton e Jim Capobianco
Com as vozes de Ben Burtt, Elissa Knight, Jeff Garlin, Fred Willard, John Ratzenberger e Sigourney Weaver

20 Comments:

At 8:58 PM, junho 29, 2008, Blogger Marcus Vinícius Freitas said...

Bah... tipo, bah!!! Muito bom o filme, sem muito o que falar, é 5 estrelas mesmo.

Abraços!

 
At 9:39 PM, junho 29, 2008, Blogger Dr Johnny Strangelove said...

Só eu que achei apenas bom?
Tó de novo na ilha ...
ehehehe

Mas sabia que o povo iria adorar ...

 
At 9:51 PM, junho 29, 2008, Blogger Gustavo H.R. said...

Se essa for realmente a pretensão dos artistas da Pixar, então tomara que eles sigam levando-a a cabo. Pois é uma grande causa. Nota-se pelo seu tom que a coisa é séria. Nasceu um clássico?

Confesso que não sou grande fã de suas obras, mas RATATOUILLE e esse filme devem mesmo ser tudo isso que falam. Talvez o veja no cinema, mesmo dublado.

 
At 10:03 PM, junho 29, 2008, Anonymous Anônimo said...

Otávio, é sensacional mesmo. Wall-E consegue ir mais longe do que Ratatouille, principalmente no uso básico do que é o cinema: registro de imagens em movimento, sem que nada precisse ser explicado. Suas referências a 2001 são explícitas, e o uso do som é executado com habilidade e maestria. O trabalho de Ben Burtt consegue ir além de Star Wars. Na verdade eu daria metade do prêmio(no caso de Wall-E ganhar como melhor animação) para ele. Mas com certeza ele será indicado e deve ganhar na categoria de efeitos sonoros. Você assistiu a versão legendada? Abs.

 
At 10:21 PM, junho 29, 2008, Anonymous Anônimo said...

É por ler críticas como essa que minha expectativa para ver "Wall-E" já atingiu um nível inacreditável. Belíssimo texto, parabéns! Boa semana.

 
At 10:24 PM, junho 29, 2008, Blogger Flávia said...

Ah, eu amei! Faltou dizer que o filme é muito romântico. Me emocionei, dei risada, adorei!

Bjs

 
At 10:43 PM, junho 29, 2008, Blogger Barretão said...

Não disse que o Rato sairia do topo da sua lista? :p Tirou?

Abraço!
Barreto, voltando de Viagem ao Centro da Terra... onde a pergunta "o que é cinema?" se faz mais presente ainda. Precisamos falar a respeito.

 
At 1:16 AM, junho 30, 2008, Anonymous Anônimo said...

Vi hoje e como disse a muitos via conversa por MSN, não sabia se ria, chorava, ou se olhava para o rosto deslumbrado de minha irmã de 6 anos. Sensacional esse filme! Sem palavras! Sem adjetivos, como você mesmo disso!

5 estrelas merecidíssimas

Ciao!

 
At 8:38 AM, junho 30, 2008, Anonymous Anônimo said...

Que texto belíssimo! Pelo jeito, "Wall-E" é cinema! Ainda não conferi o filme, mas é por causa de textos como o seu que estou doida para conferir a animação!

Beijos e uma ótima semana!

 
At 1:07 PM, junho 30, 2008, Blogger Pedro Henrique Gomes said...

Vou ver amanha, gostei do texto e mantenho altas expectativas sobre Wall-E.

Abraço!!!

 
At 5:54 PM, junho 30, 2008, Blogger Otavio Almeida said...

Marcus, filmaço!

Johnny, o que seria do azul se todos gostassem do amarelo? É assim mesmo...

Gustavo, você não viu RATATOUILLE. Veja logo!

Denis, Oscars de Edição e Mixagem de Som no papo. Ou então, será roubado como foi o Oscar de Efeitos Visuais para A BÚSSOLA DE OURO.

Vinicius, obrigado! Espero que goste do filme como eu gostei.

Flavia, o filme é romântico também. Tem drama, comédia, ação. E também é ficção científica. E dizem que animação é um gênero...

Fabio, mas você gostou de VIAGEM AO CENTRO DA TERRA? Vale a pena? Ah, e WALL-E é o melhor da Pixar!

Wally, também saí sem palavras de... WALL-E.

Kamila, obrigado! Tomara que você goste do filme.

Pedro, obrigado! Vá sem medo. WALL-E é demais!

Abs! E boa semana a todos!

 
At 7:44 PM, junho 30, 2008, Blogger Victor said...

Cara, WALL-E é tudo isso mesmo! To besta até agora...
Como dissestes, é uma chacoalhada sobre o que é realmente cinema.
Pior que foi sobre isso que escrevi também quando falei dele no Pipoca. WALL-E vem com o verdadeiro significado do que é cinema.
Fantástico demais!

E muito boa sua análise toda!

Abs!!

 
At 9:11 PM, junho 30, 2008, Anonymous Anônimo said...

É um 2001 romântico! Muito bom!

 
At 11:16 PM, junho 30, 2008, Blogger Otavio Almeida said...

Victor, obrigado! Estou louco pra ver o filme de novo.

Antonio Carlos, seja bem-vindo! Vc tem blog?

Abs!

 
At 11:32 PM, junho 30, 2008, Anonymous Anônimo said...

Otávio, estava lembrando passagens de Wall-E e o que mais ficou impregnado na minha cabeça foi aqueles espaços vazios num planeta Terra futuro e montes de lixo pragmaticamente e metodoticamente guardados pelo robô. Sendo assim, o que mais mexeu comigo no filme foi a solidão do robô e sua tentativa desesperada de contato humano. O filme me fez uma pergunta ainda mais alarmante que a sua: O que é a vida? Alguns de nós não nos escondemos em espaços vazios, incomunicáveis e receosos de amostras de afeto? Também não juntamos cacarecos inúteis querendo preencher um espaço que só é completamente preenchido por emoções fortes e verdadeiras? A questão chave é: o futuro dos seres humanos é a perda daquilo que é intrínseco a nós, a nossa humanidade? Não teremos mais tempo e vontade para apreciar coisas simples que fazem parte de nosso cotidiano e passam totalmente despercebidas? A verdade é que tenho muito medo da resposta, pois parece que musicais inocentes como Hello Dolly! não farão mais parte de nosso futuro, se é que já nem fazem parte mais...

 
At 11:35 PM, junho 30, 2008, Anonymous Anônimo said...

A magnifíca parte de Ratatouille em que o crítico de cinema volta à sua infância num flashback também fala, em escala menor, dessa perda pelas coisas simples à medida que nos tornamos adultos demais...

 
At 9:27 AM, julho 01, 2008, Blogger Unknown said...

Incrivelmente não estreou por aqui, mas esto numa ansiedade extraordinária... Pelo visto deve superar "Ratatouille", coisa que eu achava impossível. Parabéns pelo texto!

 
At 2:29 PM, julho 01, 2008, Blogger Otavio Almeida said...

Denis, WALL-E abre caminhos para diversas interpretações. Isso é o bom cinema!

Weiner, não estreou? Lamentável. Espero que WALL-E chegue logo em sua cidade.

Abs!

 
At 6:54 PM, julho 01, 2008, Anonymous Anônimo said...

Otávio, não tenho blog, sou apenas um leitor casual que estava pesquisando sobre filmes e topou com o seu blog. Aliás, parabéns, é um blog muito legal. O comentário desse Denis sobre Wall-E quase quebrou minha espinha dorsal! Muito inteligente! Até mais.

 
At 11:57 AM, julho 14, 2008, Blogger Alex Sandro Alves said...

Olá Otávio! Transcrevo aqui meu comentário publicado no blog da Kamila e do Vinícius sobre ‘Wall-E’.

‘Wall-E’ tem o selo de qualidade da Pixar (tecnicamente é perfeito). Tem um personagem (o do título) magnífico e encantador. Mas merecia um roteiro melhor. Explico: Seu primeiro ato é genial. Uma explosão de criatividade. Sem diálogos e com uma atmosfera melancólica e poética. Mas infelizmente este encanto e clima se perde no seu segundo ato (que só cresce quando estão em cena apenas a dupla protagonista - o “balé” de Wall-E com o extintor é belíssimo), que privilegia a aventura e a “ação”. Sem falar que os personagens humanos e os robôs “coadjuvantes” não são tão inspirados quanto poderiam e deveriam ser. Isso não tira sua importância e ousadia (um desenho praticamente sem diálogos), mas a sensação que tive é que ‘Wall-E’ poderia de fato ter sido o desenho genial que todos (ou pelo menos a maioria) dizem ser.

Um grande abraço!

 

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