terça-feira, fevereiro 03, 2009

Foi Apenas um Sonho


O padre costuma dizer: "Promete ser fiel na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, amando-lhe e respeitando-lhe até que a morte os separe?". Já os contos de fadas alegavam: "E viveram felizes para sempre...". Mas o negócio é mais embaixo. Casamento não é o fim. Ele é o começo. É aqui que você vai ralar e virar homem. Ou mulher. Aliás, muitos pensam que a conquista já foi feita, mas a verdade é que isso precisa acontecer todos os dias na vida de um casal. O problema é lembrar disso no dia-a-dia.

Mas parece que o cineasta Sam Mendes sabe como levar um bom casamento, não? Sua esposa na vida real, Kate Winslet, pode cobrar isso do maridão. Ah, pode. É só prestar um pouco de atenção na análise do diretor em Beleza Americana e Foi Apenas um Sonho (Revolutionary Road, 2008). Não sei se Mendes pensa em desenvolver o mesmo tema numa trilogia ou em mais de três filmes. Mas seria interessante ver, pelo menos, mais uma leitura do diretor para fechar este ciclo em sua pequena grande carreira.

Olha, antes de continuar, não quero falar daquele outro filme protagonizado por Kate Winslet e Leonardo DiCaprio, OK? Não faz sentido. É como escrever sobre Cassino e repetir e repetir que Robert De Niro e Joe Pesci trabalham novamente com Martin Scorsese depois de X, Y e Z. Em Foi Apenas um Sonho, você não espera por um novo navio luxuoso afundando - a não ser que este navio esteja aqui representado pelo casamento de April (Kate Winslet) e Frank Wheeler (DiCaprio). Apaixonados nos dois minutos iniciais, o único momento feliz do filme, o casal mergulha de cabeça na "coceira dos sete anos".

O mais impressionante em Foi Apenas um Sonho é analisar as camadas que podem desvendar a verdadeira face de April e Frank. Onde eles se perderam? E por que? Acho que o erro já começa na idéia globalizada de felicidade como produto de consumo. E quanto mais se consome ou se idealiza a idéia de felicidade simbolizada em sonhos, mais vazio o ser humano se torna. O difícil é admitir isso. Somos criados, geralmente, desde pequenos, com a imagem fixa de um casamento e as posteriores missões de cuidar de filhos, netos e... O que mais? O que vem depois? E o que há no meio disso tudo? Olhando bem de perto o martírio dos Wheelers, talvez haja um vazio quase que imperceptível.Um sofrimento muito difícil de ser reconhecido. Mas Sam Mendes, como um bom observador, aponta para a ferida da sociedade americana.

O curioso é que Sam Mendes é britânico e, nos últimos anos, soube dissecar a falsa felicidade ianque como poucos. É o olhar de alguém de fora. Como Jo americano James Ivory soube fazer muito bem com os ingleses, em Retorno a Howards End e Vestígios do Dia.

Foi Apenas um Sonho é, antes de tudo, um filme sobre desencanto. E é devastador. Ninguém é feliz neste filme. A fúria de Leonardo DiCaprio e Kate Winslet em cena é para deixar qualquer alma que ainda não foi corrompida com um pezinho na depressão. Os dois estão extraordinários. Nada de indicação ao Oscar para o casal de atores é um daqueles absurdos que só a Academia pode cometer. Por sua vez, Michael Shannon foi indicado como Melhor Ator Coadjuvante. E ele brilha como John, um ex-matemático que sofreu numa clínica psiquiátrica. Filho da corretora de imóveis Helen (Kathy Bates), John surge para dizer algumas verdades ao casal, que não admite a infelicidade e a acomodação. Vendo desta forma, Michael Shannon talvez represente os olhos e a voz de Sam Mendes.

Em comparação à Beleza Americana, deve-se dizer que Foi Apenas um Sonho perde em originalidade na narrativa. É uma produção rodada num estilo mais clássico, como a visão e as propagandas dos anos 50, que indicavam um certo ar de inocência e felicidade. Quem conhece o cinema de Sam Mendes, sabe que isso é só fachada. A reconstituição de época perfeita muito bem iluminada pela fotografia de Roger Deakins serve apenas para camuflar a tristeza e o desespero que existem dentro das casas da Revolutionary Road (o título original do filme).

No fim, fica uma estranha sensação de que o filme não é soberbo como o elenco, o roteiro com seus diálogos mortais e a parte técnica. Talvez tenha faltado a Sam Mendes um pouco menos de explicação na hora de encerrar Foi Apenas um Sonho. É aquela necessidade habitual (e irritante) do cinema americano de explicar novamente tudo aquilo que já estava explicado. Você vai ver que a conclusão da história dos Wheelers poderia chegar ao "The End" logo após testemunharmos o personagem de Leonardo DiCaprio correndo sem rumo pela Revolutionary Road. Mas então vêm uma, duas, três cenas desnecessárias, embora a última delas seja sensacional. Elas estão lá somente para reforçar aquilo que Sam Mendes já havia provado durante o filme: Ninguém é feliz.

Só mais uma coisa: Repararam como um personagem de Sam Mendes contemplando seus sonhos, arrependimentos e ilusões diante de objetos que representem uma lembrança ou uma reflexão, como uma janela (Estrada Para Perdição, Foi Apenas um Sonho) ou uma foto (Beleza Americana), indicam maus presságios? É... Isso é desencanto. A vida é curta. E muito dura.

Foi Apenas um Sonho (Revolutionary Road, 2008)
Direção: Sam Mendes
Roteiro: Justin Haythe (Baseado no livro de Richard Yates)
Elenco: Leonardo DiCaprio, Kate Winslet, Kathy Bates, Michael Shannon, David Harbour, Kathryn Hahn e Dylan Baker

15 Comments:

At 11:41 AM, fevereiro 04, 2009, Blogger Museu do Cinema said...

Esse era a sua cara que não ia gostar Otávio, tava mais que certo!

Acho a delicadeza e a sensibilidade do filme impressionante, e vou além, não vejo isso num filme hollywoodiano há tempos!

 
At 12:11 PM, fevereiro 04, 2009, Blogger Otavio Almeida said...

Pois é, Cassiano! Eu sou muito infantil, afinal gosto de BATMAN, HOMEM DE FERRO e WALL-E.

Agora, minha cotação é 3 estrelas. Isso quer dizer BOM. Veja ali ao lado.

E você vai além? Eu li seu post. Disse que não é um grande filme do Sam Mendes, não foi? Quantos ele já fez? 3? 4?

Abs!

 
At 3:25 PM, fevereiro 04, 2009, Blogger pseudo-autor said...

Otávio, ainda não vi Foi Apenas um Sonho, mas quanto a O Lutador e Quem quer ser milionário? concordo com tudo que disse. Inclusive dou ao filme do Aronofski as mesmas 5 estrelas que vc deu ao Danny Boyle. E Gran Torino? Uma vergonha o que o Oscar fez com o tio Clint. E, aliás, com Gomorra também.

 
At 4:07 PM, fevereiro 04, 2009, Blogger Museu do Cinema said...

Otávio, para debater, discutir cinema é necessário primeiro manter a calma, quando a perdemos, perdemos a razão, e sem razão não há discussão, só provocações.

"Esse era a sua cara que não ia gostar Otávio, tava mais que certo"! Não foi provocação, apesar de lendo agora possa até ter parecido. Seria a mesma coisa de vc colocar essa frase para mim em relação a Hancock, por exemplo, que até gostei.

Foi Apenas um Sonho é um belo filme, não dou "estrelas", mas não achei o melhor do Mendes, é o terceiro dele, antes vem Beleza Americana e Estrada para Perdição (gosto pessoal), mas é muito melhor que Jarhead (que é um bom filme).

Eu acho que vc dá muita atenção a coisas menores, como cinéfilo e mesmo em nossas discussões.

Te respeito e respeito suas opiniões, mas não concordo e PRINCIPALMENTE digo porque. Estou aqui para discutir cinema!

 
At 5:23 PM, fevereiro 04, 2009, Blogger Cine&Club2* said...

Sim, achei um excelente filme - em uma história muito complexa .
Nota: 9

Lembrando que, seguindo uma das regras do "Olha que Blog Maneiro", tenho que avisar sobre o selo que coloquei no blog para você repassar.

 
At 5:52 PM, fevereiro 04, 2009, Blogger Kau Oliveira said...

Otavio, eu achei o filme extremamente regular. Por oras, cheguei a achá-lo bem qualquer coisa. Me perdõe, mas não lembro se vc leu meu texto sobre o filme. Lá eu disse direitinho oq me irrita e um dos meus problemas é com a quase horrível atuação de Leonardo.

Abraços!!!

 
At 7:08 PM, fevereiro 04, 2009, Blogger Otavio Almeida said...

Oi Pseudo-autor, eu concordo com vc! E estou preparando a crítica de GRAN TORINO, um grande filme.

Oi Cleber! Que bom que vc gostou do filme. Mais do que, é verdade, mas é um belo filme. Preciso rever...

Kau, li sim. Mas vc sabe que eu acho que o "LEO" melhorou muito após fazer alguns filmes com o mestre Martin Scorsese? Vc acha que isso não ajudou nem um pouquinho o pobre rapaz?

Cassiano, acho que você tem salvação sim. Não desistirei de minha missão de salvar sua alma cinéfila. Não sei se percebeu, gremista, mas meus textos trazem análises até que bem-humoradas dos filmes. Não posso levar tudo a sério, até porque isso não é política, mulher nem muito menos futebol. Eu nasci de uma gozada. Você também. E isso é cinema. É arte. Não é para ser piada. Ou coisa de criança. É algo universal, que atravessa gêneros, ideologias, idiomas, linguagens... Tenho minha visão romântica. Você tem a sua. É assim mesmo. Acho bom discutirmos nossos pontos de vista, rapaz. Só que acho que você não aceita uma opinião contrária. Parece que você quer esganar o safado que não concordou contigo. Não é bem assim. Mas, claro, pode ser impressão minha. Talvez sejam as palavras escritas e não ditas. Conversando, ao vivo, isso talvez soe diferente, meu amigo. Agora, eu tenho mesmo um lado infantil inegável. Meus amigos gostam. Minhas amigas também. E eu gosto. Diferente de você, eu acho que uma produção como O SENHOR DOS ANÉIS precisa ser tão respeitada quanto CINEMA PARADISO, por exemplo. E as duas produções, citando Robin Williams em SOCIEDADE DOS POETAS MORTOS, saem daquele lugar onde somos reis: NOSSOS SONHOS. É possível traçar paralelos entre os filmes de Giuseppe Tornatore e Peter Jackson. Pq não? Já parou pra pensar nisso? Ou quer jogar uma bomba nos filmes dos hobbits? Eu assisto qualquer filme sem preconceito, essa coisa antiga e violenta. Um filme faz você entender outro filme e outro e outro. E você leva isso por anos, décadas... Sabe? Faz você entender e acompanhar a evolução do cinema... essas coisas... PAZ!

Abs!

 
At 7:34 PM, fevereiro 04, 2009, Blogger Daniel Sanchez said...

Otávio, você não está só. Também sou infantil, gosto de video games e coleciono carrinhos.

 
At 9:34 PM, fevereiro 04, 2009, Anonymous Anônimo said...

Otavio, parabéns por mais um belíssimo texto! Eu acho que, provavelmente, foi o melhor que li sobre "Foi Apenas um Sonho".

Beijos!

 
At 12:07 AM, fevereiro 05, 2009, Anonymous Anônimo said...

Otávio, vc tem razão quanto àquelas cenas explicativas e desnecessárias no final, mas aquela do marido velhinho da Kate Bates fechando o filme é maravilhosa, como vc mesmo disse. Abs!

 
At 3:17 AM, fevereiro 05, 2009, Anonymous Anônimo said...

Depois de ter perdido a fé com o filme com tantas críticas negativas, estou começando a conquista-la novamente. Quero ver logo! Amo Mendes e os atores são sensacionais. Aparenta ser do típo de filme que gosto. :)

Ciao!

Agora, O Lutador supera a obra-prima de Aronofsky, Réquiem para um Sonho? =D

 
At 11:06 AM, fevereiro 05, 2009, Blogger Museu do Cinema said...

Paz Otávio? Vc e seu amiguinho Denis invadem meu espaço para soltar palavrões e pede paz aqui?

O que é isso?

Tá nervosinho? frustrado? Inferiorizado? Vá se tratar, mas não procure agredir os outros, ainda mais aqueles que ainda tentam discutir algo sério com vc, q por esse comentário acima demonstra sua total incapacidade de debater, primeiro pq vc não enxerga nada a sua frente, ou seja lê, mas não entende, segundo pq vc acha que pode "consertar" alguém.

Para finalizar minha participação aqui nesse blog (quem sabe um dia volte), vou lhe deixar com Benjamim Button, e minha esperança que evolua:

"Torço para que encontre pessoas com diferentes pontos de vista”.

 
At 11:42 AM, fevereiro 05, 2009, Blogger Otavio Almeida said...

Daniel, eu também jogo videogame. É legal demais!

Kamila, muito obrigado! São seus olhos! Bjs!

Denis, ou será que é o Otavio? Abs!

Wally, eu prefiro REQUIEM. Mas foi uma experiência tão devastadora que eu não consigo voltar ao filme... Entende? Abs!

Cassiano, o exemplo de boa educação e inteligência. Ao contrário de você, eu não vou abandoná-lo. Como diria o Coringa de Heath Ledger ao Batman no filme que você teima em não reconhecer:

"I don't want to kill you! What would I do without you? Go back to ripping off mob dealers? No, no, NO! No. You... you... complete me."

Ou

"You won't kill me out of some misplaced sense of self-righteousness. And I won't kill you because you're just too much fun. I think you and I are destined to do this forever."

 
At 1:00 PM, fevereiro 05, 2009, Blogger Marcus Vinícius Freitas said...

Eu perdi a conta de quantas vezes assisti Réquiem, mas entendo seu lado Otávio. Já vi com pessoas que simplesmente não conseguiram ver a sequência final.

No mais, façam filmes, não façam guerra. E se forem fazer bebedeiras, me chamem. =]

 
At 4:00 PM, fevereiro 06, 2009, Blogger fabiana said...

Simplesmente o primeiro filme do ano que valeu a pena esperar!

 

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