quarta-feira, março 18, 2009

Especial Paul Newman

O Indomado
(Hud, 1963)



O cinema já contou várias histórias centradas na estranha e inexplicável relação de amor e ódio entre pai e filho. Mas nenhuma foi tão sincera e contundente quanto O Indomado (Hud, 1963), que traz Paul Newman num papel que cairia como uma luva para Marlon Brando se não existisse um ator tão carismático quanto... Paul Newman. E só ele para fazer um personagem desprezível ser tão adorado quanto Hud. Imagino Brando fazendo um vilão, mas Newman criou o rebelde sem causa mais irresistível do cinema. Por sua atuação única e notável, somos capazes de admirar e detestar Hud na mesma proporção.

Nos anos 60, Hud Bannon (Newman) é o cowboy moderno, que ainda traz resquícios da figura clássica que reinou de forma heróica no Velho Oeste, mas com ideologias completamente distintas e voltadas para o individualismo. Dono de um pink cadillac, Hud vive numa fazenda com seu velho pai, Homer (Melvyn Douglas, que ganhou o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante), seu sobrinho Lon
(Brandon De Wilde, o menino de Os Brutos Também Amam), que o tem como um ídolo, e Alma (Patricia Neal, vencedora do Oscar de Melhor Atriz), a dedicada empregada da família.

Saindo com mulheres casadas, jogando, bebendo e dirigindo em alta velocidade, Hud simbolizou a rebeldia de uma geração, que rompia com valores há muito tempo enraizados numa sociedade estagnada pelo conservadorismo. Hud pode ser facilmente visto como o vilão do filme, mas seu eterno embate com o pai representa o conflito de duas gerações na discussão entre o velho e o novo. Dito isso, O Indomado é um filme sobre pontos de vista.

Apesar de tudo o que faz diariamente, o maior passatempo de Hud é provocar seu pai. Inicialmente, o roteiro de Irvin Ravetch e Harriet Frank Jr., baseado em romance de Larry McMurtry, propõe um motivo para a briga entre pai e filho. Mas não demora muito - embora o velho Bannon revele uma bronca em relação ao seu herdeiro - para descobrirmos que jamais saberemos o que levou pai e filho a rosnarem um para o outro.

Até mesmo o problema de Homer com a suspeita de febre aftosa que ameaça seu gado e o futuro da fazenda remete à dualidade do velho e o novo. Somente a ideia de sacrificar o gado deixa o Sr. Bannon com a sensação de perder seu último elo com um tempo que não volta mais. Esse rompimento com o clássico é exatamente o que Hud pretende para, enfim, tocar sua vida como bem entender. E pouco importa se os outros o compreendem.

É interessante constatar que mesmo brigando, pai e filho defendem um ao outro contra as ações de terceiros. De forma sutil, eles também deixam uma admiração recíproca escapar pelo olhar. É como se demonstrassem o amor pelas costas do outro. Como se ninguém, além da platéia, estivesse olhando.

No meio deste "tiroteio" está Lon, o sobrinho de Hud, que admira o tio até o último fio de cabelo, mesmo que ele faça de tudo para o garoto odiá-lo. Mais cedo ou mais tarde, Lon precisará decidir se seguirá o certo (seu avô) ou o errado (Hud). Ele ilustra o jovem dividido entre velhas convenções e novos ideais. No final, Lon deve ser cauteloso e conservador ou impulsivo e rebelde? Eis a questão.


O diretor Martin Ritt, de Norma Rae, conduz o destino de cada personagem até apresentar uma conclusão, mas acho que depende do ponto de vista ou dos ideais do espectador se era Hud ou seu pai quem tinha razão. Por tudo isso, O Indomado é um filme que traz um riquíssimo e raro estudo de personagens ao mesmo tempo em que disseca as mudanças de valores na América. Pelos mesmos motivos, nessa nova época de transição política, econômica e social, O Indomado permanece, curiosamente, como um filme atual.

A bela fotografia em preto e branco de James Wong Howe, premiada com um Oscar, reforça essa interpretação ao revelar o oeste moderno fotografado como nos velhos tempos. Mais uma vez, o conflito entre o antigo e o novo, um dos motivos que levam pais e filhos a se desentenderem até o fim de suas vidas.

O Indomado (Hud, 1963)
Direção: Martin Ritt
Roteiro:
Irvin Ravetch e Harriet Frank Jr. (Baseado no livro de Larry McMurtry)
Elenco: Paul Newman, Brandon De Wilde, Melvyn Douglas e Patricia Neal

11 Comments:

At 12:14 AM, março 19, 2009, Anonymous Anônimo said...

Otávio, a fotografia é tão bela, que muitas vezes consigo imaginar sem esforço o cadillac rosa de Hud. Esse é um filmaço feito tão despretensiosamente que eu chego a pensar o que realmente ajuda na elaboração de um filme. Há uma certa mágica na conjunção de certos atores, diretores e produtores que realmente escapa ao terreno do palpável. Vale mencionar a grande atuação de Patricia Neal, que durante a cena em que Hud, bêbado, invade seus aposentos e ela chora não exatamente por quase ter sido violada mas por não ter sido propriamente seduzida. Bem, é um filme magnífico em que Newman exala sensualidade sem o mínimo esforço. E que ator! Mudando de assunto, viva "El Verdugo". Abs!!!

 
At 1:04 AM, março 19, 2009, Anonymous Anônimo said...

Acho que aproveitarei essa série para listar os diversos longas com o Newman que preciso ver, realmente não sou um dos maiores conhecedores de sua filmografia...

 
At 10:42 AM, março 19, 2009, Blogger Museu do Cinema said...

Otávio, já foi lançado em DVD?

 
At 10:51 AM, março 19, 2009, Blogger Otavio Almeida said...

Sim, Sr. Cassiano! Comprei na Livraria Cultura por R$ 12,90 ou R$ 19,90. Algo assim. Dá uma busca aí. Já saiu sim.

Abs!

 
At 2:27 PM, março 19, 2009, Blogger Kau Oliveira said...

Este filme é espetacular. Assisti há uns dias, mais uma vez por insistência da minha avó, e foi uma grata surpresa. Só fico triste cada vez que vejo um talento como Paul calado pela morte.

Cara, ADOREI seu texto ali em baixo. Muuuito bom!

Abs!

 
At 3:33 PM, março 19, 2009, Blogger Museu do Cinema said...

Beleza Otávio, vou procurar!

 
At 3:36 PM, março 19, 2009, Blogger Mayara Bastos said...

Adoro este filme, um dos melhores faroestes já feitos e que saudades de Paul Newman! ;)

 
At 8:55 PM, março 19, 2009, Anonymous Anônimo said...

Otavio, ainda não conferi este filme, mas me tira uma dúvida: não foi este longa que foi refilmado e estrelado pelo próprio Newman, anos atrás, o rendendo uma indicação ao Oscar??

Beijos!!!

 
At 9:21 PM, março 19, 2009, Blogger Otavio Almeida said...

Denis, você foi perfeito na análise da cena do estupro. Ou quase estupro. Abs!

Vinicius, acho que você vai adorar "O Indomado". Abs!

Kau, muito obrigado! Abs!

Cassiano, valeu!

Mayara, o filme é belíssimo mesmo! E Paul Newman faz uma falta danada. Bjs!

Oi Kamila! Acho que não! Sei que Paul Newman reprisou dois papéis. Se reprisou algum outro, por favor, algu´me aí me ajude. Mas ele foi o detetive Lew Harper duas vezes: Em "Harper - O Caçador de Aventuras" (1966), de Jack Smight, e "A Piscina Mortal" (1975), de Stuart Rosenberg. Ele também foi Eddie Felson duas vezes: Em "Desafio à Corrupção" (1961), de Robert Rossen, e "A Cor do Dinheiro" (1986), de Martin Scorsese. Newman foi indicado pelos dois filmes, mas ganhou pelo segundo.

Talvez você esteja confundindo com "O Indomável" (1994), de Robert Benton. Newman foi indicado ao Oscar, mas perdeu a estatueta para Tom Hanks ("Forrest Gump"). Mas a culpa não é sua. É da tradução que acha Paul Newman um cara... indomável.

Três filmes com nomes completamente diferentes possuem títulos nacionais parecidos: "O Indomado" (Hud), "Rebeldia Indomável" (Cool Hand Luke) e "O Indomável - Assim é a Minha Vida" (Nobody's Fool). Bjs!

 
At 9:44 PM, março 19, 2009, Anonymous Anônimo said...

Ah, Otavio. Muito obrigada, então, pela completa explicação! :-)

Beijos!

 
At 1:01 PM, março 21, 2009, Blogger Gustavo H.R. said...

Bela lembrança, O INDOMADO. Papel icônico, bem amoldado à persona cinemaográfica de Newman e uma atuação fenomenal do veterano do teatro Melvyn Douglas.
Clássico!

Cumps.

 

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