terça-feira, março 10, 2009

Golpe de Mestre

Especial Paul Newman


Quatro anos após Butch Cassidy and the Sundance Kid (1969), o diretor George Roy Hill e os astros Paul Newman e Robert Redford se juntaram para fazer algo tão bom e especial quanto a primeira reunião do trio. Acho que é simplesmente questão de gosto pessoal escolher seu favorito entre
Butch Cassidy and the Sundance Kid e Golpe de Mestre (The Sting, 1973). Mas foi o segundo filme que consagrou a colaboração entre Hill, Newman e Redford com os sete Oscars dados pela Academia: Melhor Filme, Direção, Roteiro Original, Montagem, Direção de Arte, Figurino e Trilha Sonora, claro, afinal você pode até não ter visto Golpe de Mestre, mas já ouviu a música composta por Marvin Hamlisch.

Esse é o melhor filme já feito sobre "roubos com elegância e inteligência". Não falo de um filme sobre assalto a banco, pois Um Dia de Cão, de Sidney Lumet é imbatível. Falo de trapaceiro organizando um plano para enganar um ricaço, aplicar-lhe o golpe e fugir com a grana. Você conhece esse "gênero", que costuma sempre ser feito com muito bom humor, elegância e leveza no lugar de violência, sangue e palavrões. Um filme de criminosos para toda a família. Como Onze Homens e um Segredo - o de 1960, dirigido por Lewis Milestone, e o de 2001, de Steven Soderbergh. Mas diferente das versões de Onze Homens, em que os astros visivelmente preferem se divertir a atuar de verdade, Golpe de Mestre coloca os atores comprometidos com um roteiro perfeito e um diretor em total controle de seu ofício. Obviamente, Paul Newman e Robert Redford se divertem neste filme, mas o compromisso deles é com o cinema e o público. Não é uma festa particular entre amiguinhos que se divertem mais que a platéia. É entretenimento feito com seriedade, profissionalismo.

Mas é difícil comentar Golpe de Mestre sem entregar as camadas do grande roteiro de David S. Ward
, um dos mais criativos e empolgantes da história do cinema. Deixe-me colocar assim: Eu acho que o tempo é o melhor crítico que existe. E visto hoje, por um marinheiro de primeira viagem, Golpe de Mestre ainda permanece indecifrável, imprevisível até a última cena. Mesmo com tantos filmes nos dias de hoje com reviravoltas atrás de reviravoltas, banalizando um artifício que já foi usado tantas vezes de forma genial. Esse é o maior elogio que posso fazer ao roteiro de Ward.

Imaginar o bandido triunfando no final ainda não era comum no cinemão dos anos 70. Naquele tempo, mesmo que os trapaceiros fossem simpáticos e sorridentes, eles costumavam terminar mortos ou presos em nome da lei, em histórias baseadas ou não em fatos reais. Isso tudo para mostrar que o crime não compensa. Ainda no reflexo da forte censura instalada em Hollywood, que tentava driblar o velho Código Hays, que
cuspia em criminosos, marginais, prostitutas e qualquer manifestação de sexualidade, Golpe de Mestre chegou aos cinemas. Mesmo um ano após O Poderoso Chefão, esse tipo de filme, abordado de forma liberal, ainda era sinônimo de raridade. Imagine só, então, um filme desses ganhando o reconhecimento da Academia.

Golpe de Mestre se passa nas ruas de Chicago, em plena Depressão de 30. Nada mais esperto que colocar vigaristas pobres enganando vigaristas ricos naquela época. Robert Redford é John Hooker, um jovem trambiqueiro que passa a perna em trouxas, ao lado de seu amigo Luther Coleman (Robert Earl Jones). Quando seu comparsa é assassinado pelos capangas de Doyle Lonnegan (o fantástico Robert Shaw), um trapaceiro milionário, Hooker procura um velho amigo de Coleman, o rei dos golpes Henry Gondorff (Paul Newman). Juntos, eles planejam a "vingança" contra Lonnegan. Sem tiros, mortes, sangue e violência. Apenas um golpe muito bem organizado por Gondorff e sua gangue.

O diretor George Roy Hill conta o golpe em capítulos, posicionando sua câmera longe da ação, como um observador. A linguagem é de cinema, mas a inspiração é totalmente teatral. Golpe de Mestre tem um grande diretor e um roteiro impecável, mas ganha vida por causa de seus atores carismáticos no palco, ops, digo, na tela. É uma sensação intimista vê-los ali na frente em um filme de gestos e olhares, como se estivessem em um eterno jogo de pôquer ou apostando suas vidas numa partida contra os melhores jogadores do mundo. Um pode enganar o outro e você nem irá perceber. A não ser que os próprios jogadores revelem o truque.

Golpe de Mestre também é um filme sobre amizade verdadeira, camaradagem masculina acima de todas as coisas básicas e primatas que movimentam o universo macho: Mulheres, esportes e dinheiro. É claro que ajuda o fato de as mulheres deste filme serem feias, mas antes que você pense nas palavras "gay" ou "machista", há o respeito e a admiração pelo sexo feminino em Golpe de Mestre. Só acho que o plano de Henry Gondorff não é pela vingança ou 100% pela grana. É para "valer a pena", como ele mesmo diz a John Hooker. Nada seria mais divertido que ganhar dinheiro fácil na época da Depressão. E nada nem ninguém pode desviar a atenção da dupla. Isso é amizade masculina. Ou como penso que deveria ser.

Poucas vezes vi um filme tão elegante como Golpe de Mestre. Não digo isso "somente" pela direção de arte maravilhosa de Henry Bumstead ou os figurinos elaborados pela lendária Edith Head, mas principalmente pela presença dos atores, além do clima intimista das cenas, o olhar, o jeito de caminhar, as piscadelas e o famoso toque no nariz que simboliza a cumplicidade de cada membro da gangue de Gondorff. Charles Chaplin, que morreu em 1977, deve ter adorado. São partes que formam um todo. Uma elegância rara e genuína. Com isso, posso dizer que a música de Marvin Hamlisch enriquece e, ao mesmo tempo, complementa essa atmosfera. Uma trilha ousada, por sinal. É um som do ragtime, que imperou entre 1897 e 1918, sendo jogado numa trama ambientada duas décadas depois. Muito antes de algo como Moulin Rouge surgir nas telas, o cinema já experimentava músicas de diferentes épocas em cenários que desconheciam tal estilo sonoro.

Curiosidade pra fechar: Enquanto o foco principal de Butch Cassidy está em Paul Newman, Golpe de Mestre se concentra mais em Robert Redford. Ou seja, quem não tem bigode fica em primeiro plano. Não lembra? Pois Newman não tinha bigodinho no western de George Roy Hill. Em Golpe de Mestre, quem fez barba e bigode foi Robert Redford. É uma curiosa troca de looks, que focaliza o protagonista de cara limpa, enquanto o parceiro inseparável (de bigode) age como apoio ideal. Seria mera casualidade? Não sei dizer, mas é cinema que não volta mais. Feito por artistas e não por comitês.

Golpe de Mestre (The Sting, 1973)
Direção: George Roy Hill
Roteiro: David S. Ward
Elenco: Paul Newman, Robert Redford, Robert Shaw, Charles Durning, Ray Walston, Eileen Brennan, Harold Gould, John Heffernan, Dana Elcar, Jack Kehoe, Dimitra Arliss e Robert Earl Jones

8 Comments:

At 4:44 PM, março 11, 2009, Blogger Museu do Cinema said...

Nossa, tava empolgado hein Otávio!

Filmão, é um clássico, e continua vivo como tal!

 
At 5:00 PM, março 11, 2009, Blogger Otavio Almeida said...

Conseguiu ler até o fim? Hehe...

 
At 9:11 PM, março 11, 2009, Anonymous Anônimo said...

Filmaço, só achei que o texto, apesar de bom, poderia ser mais curto, naquele seu estilo conciso e direto. Mas a sua empolgação é justificada. Abs!

 
At 9:13 PM, março 11, 2009, Anonymous Anônimo said...

Adoro este filme. "Golpe de Mestre" tem charme e uma trama dirigida com muita competência. Também adoro a trilha sonora. E o Robert Redford e o Paul Newman estão um colírio só. :-)

Beijos!!

 
At 11:22 AM, março 12, 2009, Blogger Otavio Almeida said...

Denis, desculpa! Mas é que pensei que GOLPE DE MESTRE merecia... Pois então espere só meu texto sobre WATCHMEN... Abs!

Kamila, o filme, a trilha, os atores... Já colírio, bom, eu uso óculos escuros. Bjs!

 
At 11:27 AM, março 12, 2009, Blogger Fábio Rockenbach said...

Adoro assistir a "Golpe de Mestre", mas ele não tem o mesmo frescor que tinha nas primeiras vezes que assisti. Vejo ele hoje como uma adorável história de trapaceiros, gostosa de assistir, mas sem a força de outros filmes do diretor, com o o próprio Butch Cassidy ou o pouco lembrado "Matadouro 5".
O cinema nos tempos de "The Sting" eram bem diferentes, mas que dá vontade de viver na época da Grande Depressão, ha isso dá. E isso é um elogio ao filme...

 
At 1:14 PM, março 12, 2009, Anonymous Anônimo said...

Otávio, no need for apology. Falando em textos grandes e empolgação, passe lá no meu blog para ler sobre The Dark Knight. Isso se vc tiver paciência, hehe. Abs!

 
At 1:54 PM, março 13, 2009, Anonymous Anônimo said...

Apesar de ser considerado um dos melhores do Paul Newman mesmo, confesso que nunca vi "Golpe de Mestre" - e após seu texto, acho que é uma ótima oportunidade para procurar.

 

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