terça-feira, julho 07, 2009

10 anos sem Stanley Kubrick

Gênio, inovador, perfeccionista, ousado, louco e provocador,
Kubrick foi um dos maiores cineastas do século XX


Stanley Kubrick foi um diretor genial no sentido correto da palavra, destacando-se acima dos meros mortais e, claro, muito além dos medíocres. Avesso à fama, Kubrick privilegiava sua posição como artista e filmava pouco. Na verdade, quando achava necessário. E levava o tempo que bem entendia para finalizar filmes definitivos para cada gênero - sempre viajando por épocas e dimensões diferentes.

Foram poucos, mas grandes filmes. Pela ficção científica, fez 2001 – Uma Odisseia no Espaço (1968) e, pelo terror, entregou O Iluminado (1980). O diretor também criticou duas guerras em Glória Feita de Sangue (1957) e Nascido Para Matar (1987), além da Guerra Fria, em Doutor Fantástico (1964). Fez o melhor "filme de época" de todos os tempos, Barry Lyndon (1975). Se bem que ele pretendia rodar a biografia de Napoleão - um dia, pela falta de ideias em Hollywood, esse filme sai. Mas nunca saberemos como seria a versão de Stanley Kubrick.


Em 1971, o diretor fez o filme definitivo sobre a violência, Laranja Mecânica. Neste clássico, Kubrick lançou diversas perguntas ao público: “Quem é capaz da pior espécie de violência? O indivíduo ou o Estado? Está tudo interligado?”. Em 1999, discutiu casamento, monogamia e traição como desafios do homem - e como tudo isso afeta sua sanidade -, em seu último trabalho, De Olhos Bem Fechados. Desde então, nunca mais tivemos um novo filme de Stanley Kubrick. Sua morte de causas naturais, aos 70 anos, o impossibilitou de levar às telas A.I. - Inteligência Artificial, que virou um filme maravilhoso nas mãos do amigo Steven Spielberg. Mas certamente seria algo completamente diferente sob o comando de Kubrick.

Spielberg, por sua vez, parecia possuído por Kubrick, em Inteligência Artificial. Inclusive, demorou a deixar tal imagem, que ainda o perseguiu em seu filme seguinte: Minority Report. Principalmente em cenas que demonstravam a fixação pelo olho que tudo vê, uma verdadeira obsessão de Kubrick. Entre os poucos depoimentos que deu em vida, sabe-se que Kubrick ficou impressionado com o modo como Spielberg filmou os adultos da cintura pra baixo em E.T. - O Extraterrestre. É o mundo sob o ponto de vista das crianças. E ver a realidade com outros olhos é uma caracterísica kubrickiana.

Como Spielberg e também Hitchcock, Coppola, Fellini e Scorsese, Kubrick foi um dos maiores estudiosos do cinema. Além do talento como contador de histórias, um verdadeiro cineasta precisa conhecer seu ofício. E, claro, abrir caminhos para projetar sua arte preferida rumo ao futuro.


A PALAVRA

Nascido em Nova York, no ano de 1928, Kubrick falou o esperanto do cinema. Foi um diretor que trabalhou constantemente a experimentação em música, montagem e fotografia - antes dos 20 anos já exercia a profissão de fotógrafo na revista Look. Pessimista perante à evolução humana, Kubrick observava a lenta destruição da sociedade graças à impossibilidade de comunicação entre os indivíduos. Em sua obra, a falha no diálogo leva à barbárie. Ou talvez, à loucura. É só lembrar do computador HAL 9000 tentando se comunicar com o astronauta em 2001 - Uma Odisseia no espaço. Ou da insanidade que domina Jack Nicholson em O Iluminado, simplesmente por não conseguir escrever ou se expressar. Lembre-se do pentágono, em Doutor Fantástico, que enlouquece em meio à discussões sem o menor sentido - todos falam, berram e ninguém se entende. Lembre-se do casamento conturbado entre os personagens de Nicole Kidman e Tom Cruise, em De Olhos Bem Fechados. Ou do sargento de Nascido Para Matar, que usa a força da palavra para dominar a mente dos soldados, mas acaba levando-os à loucura. Preste mais atenção aos diálogos soberbos de Laranja Mecânica e veja como a palavra jamais une os homens. A mesma coisa acontece nos discursos entre os romanos e os escravos de Spartacus.


MONTAGEM

Em seus filmes, Kubrick sempre teve controle total da montagem. Do contrário, jamais sairia de seu exílio. Talvez a edição mais famosa do cinema (ou a mais celebrada) seja o salto temporal do osso, que se transforma em nave espacial na grande cena de 2001, que mostra passado, presente e futuro num único, simples e genial corte.

IMAGEM

Outro ponto marcante é a sua fixação pela imagem, que vale por mil palavras. A space opera 2001 é a maior prova disso. A paixão do perfeccionista Kubrick pela fotografia atingiu o ápice em Barry Lyndon, quando utilizou e ajudou a testar uma nova câmera capaz de filmar à noite (ou no escuro) sem o auxílio de iluminação artificial. São cenas de beleza única; imagens que se confundem com os quadros ao fundo dos cenários. Em Barry Lyndon, Kubrick pintou quadros vivos. É o maior milagre da fotografia ao lado de Lawrence da Arábia (1962), de David Lean. Enquanto Lawrence desafia o conhecimento e a imaginação em cenas externas, Barry Lyndon seduz pelas cenas internas.

Se em 2001, o inovador Kubrick revolucionou os efeitos visuais, em Barry Lyndon, ele jogou a fotografia em outro patamar. Já em O Iluminado, o diretor popularizou o uso da steadicam no cinema, estabilizando os movimentos do operador de câmera, sem deixar a imagem tremer.

O recurso foi trabalhado por Kubrick em seus filmes anteriores, com a câmera fixa seguindo ou recuando o caminho do personagem em questão. Mas a imagem que ficou foi a do garotinho em seu triciclo passeando pelos assustadores corredores vazios do hotel de O Iluminado.


MÚSICA

Ninguém narrou uma história (ou, que seja, uma cena) com uma perfeita harmonia entre som, música e imagem como Stanley Kubrick. A adoração do cineasta à música clássica é evidente. Exemplos máximos de como se utilizar composições imortais à serviço de histórias que desafiam a mente humana estão em filmes como 2001 (com Danúbio Azul, de Strauss), Laranja Mecânica (destaque para a Nona Sinfonia de Beethoven) e Barry Lyndon (por ser filme de época, Kubrick usou e abusou da música clássica de nomes como George Friedrich Händel).

Quantos Oscars definem o legado de um artista?

Em Hollywood, Stanley Kubrick foi indicado quatro vezes ao Globo de Ouro de Melhor Diretor (Spartacus, Lolita, Laranja Mecânica, Barry Lyndon) e outras quatro ao Oscar da mesma categoria (Doutor Fantástico, 2001 - Uma Odisséia no Espaço, Laranja Mecânica, Barry Lyndon). Nunca ganhou. Mas foi indicado - acredite se quiser - ao Framboesa de Ouro, por O Iluminado. Não tem Palma, nem Leão de Ouro. Mas dos ingleses, recebeu um BAFTA de Melhor Diretor, por Barry Lyndon.

Mesmo sem prêmios, público, crítica e indústria reverenciam Stanley Kubrick como um dos maiores cineastas do século XX. Alguns chegam a considerá-lo o maior de todos. Fato: Se Kubrick não ganhou um Oscar, o azar é da Academia. Numa época em que valorizamos demais premiações que surgem na mesma proporção de blogs, Kubrick ainda permanece como referência de genialidade - uma palavra extremamente confundida nos dias de hoje. Pelo menos, ela é empregada corretamente em detalhes, afinal tem gente que enxerga Kubrick em Paul Thomas Anderson. Outros veem o estilo do diretor nos Davids Fincher e Lynch.

Mas o importante não é saber quem está certo ou errado. Esse é o legado de Stanley Kubrick, que atingiu um nível inigualável de respeito e admiração entre os cinéfilos. É sinônimo de genialidade. Ou de lampejos de gênio. A sétima arte pode até gerar interpretações individuais, mas não deixa de ser uma experiência coletiva. Assim falou Stanley Kubrick.

17 Comments:

At 12:39 AM, julho 08, 2009, Blogger Bruno Soares said...

O mestre. Não quero ficar comparando com outros, mas se tem um cineasta desse primeiro século de cinema que tem uma obra impossível de ser ignorada ou esquecida, esse é o Kubrick. Uma obra que sobreviverá enquanto o cinema for apreciado. E isso deve levar um bom tempo.

Sobre o Oscar e o Framboesa, foi a maior vergonhas da história dessas premiações, certamente.

 
At 12:53 PM, julho 08, 2009, Blogger Unknown said...

Não por acaso Kubrick é um dos grandes gênios que já pisaram sobre a Terra. Um cara que sabia como ninguém escolher seus projetos (todos admiráveis) e transformar uma ideia numa obra de arte.
E, puxa! O Roberto Benigni tem dois Oscar! O Kubrick nenhum! O que há de errado com a A.M.P.A.S., meu Deus?

 
At 2:22 PM, julho 08, 2009, Anonymous Robson Santos Costa said...

Um dos maiores sem dúvida. Ele ueria o Jack Nicholson pra fazer o Napoleão.

2001/Laranja Mêcanica (sem ordem) pra mim são suas duas pinciais obras-primas, NINGUÉM jamais fará filmes como esses dois.

Agora, De Olhos Bem Fechados que muitos não acham lá essas coisas eu acho o terceiro (ou segundo já que empatei os 2 citados acima) melhor filme do Kubrick. Sério. Fui ver o filme sem grandes pretensões e terminei vedo um estudo do ser humano meio Sexualidade Freudiana cheio/entupido de metáforas sobre nosso incosciente. Além de tecnicamente ótimo, esse filmemerece ser reavaliado. Falta eu ver Barry Lyndow, Lolita e Glória...Nascido Para Matar acho o seu filme mais fraco, embora um filme fraco do Kubrick...nem preciso de completar né?

 
At 2:25 PM, julho 08, 2009, Anonymous Robson Santos Costa said...

Otávio dos diretores que vc citou o único ue vejo algo do Kubrick é o Lynch mas não em inflùência nem nada disso mas sim por fazer filmesque só ele e mais ninguém faria....

 
At 2:31 PM, julho 08, 2009, Blogger Rodrigo Andreiuk said...

ficou ótima a matéria!
meus parabens
quero muito assistir Barry Lyndon

 
At 4:17 PM, julho 08, 2009, Blogger Museu do Cinema said...

Que beleza Otávio, grande lembrança, legal vc destacar esses aspectos técnicos e cinéfilos do Kubrick, que contribuiu imensamente a sétima arte.

Só discordo do que diz a respeito do Spielberg, ele sempre buscou inspiração na obra de Kubrick, e desde seus primeiros filmes, e E.T., principalmente, se vê traços dessa influência.

 
At 6:06 PM, julho 08, 2009, Anonymous Rafael Moreira said...

Puxa, já faz tanto tempo assim? Muito de Kubrick é utilizado por cineastas da nova geração. Duas de suas obras "2001" e "Laranja Mecânica" serão sempre interrogações para mim, em parte. Talvez por isso o gênio se destacou: a capacidade de fazer o público pensar. Apesar de poucos filmes, ele pôs sua essencia em cada um deles. É bem claro assistir um filme seu e saber que tem sua assinatura. Abraço!

 
At 10:35 PM, julho 08, 2009, Anonymous Gustavo H.R. said...

Uma das matérias mais completas que leio sobre Kubrick desde o tempo de seu falecimento.
Só passei a me interessar mais por seu cinema depois que Spielberg deixou se influenciar escancaradamente por ele, como você bem sublinha.

 
At 11:13 PM, julho 08, 2009, Anonymous Charles said...

Olá Otávio! Ótimo texto. Kubrick era gênio até os ossos. 2001 é o filme mais enigmático já feito no cinema. É uma pena que ele tenha feito tão poucos filmes, a maioria inesquecíveis. abs.

Se der dá um passada lá no meu blog. http://blig.ig.com.br/planosequencia

 
At 12:25 AM, julho 09, 2009, Blogger Pedro Henrique Gomes said...

Show!!! O interessante é que, mesmo tendo poucos filmes (comparado a outros grandes) o Kubrick é sempre citado como um dos melhores de todos, o que não deixa de ser verdade.

Abraço!

 
At 1:43 AM, julho 09, 2009, Anonymous Vinícius P. said...

E ainda faltam tantos filmes do diretor para ver! Ao menos um deles está no meu top 10 em todos os tempos...

 
At 1:52 AM, julho 09, 2009, Anonymous Bruno Pongas said...

Esse faz uma faaaalta!!!
Cara, muito bacana seu blog!! depoois dá uma olhada no meu: www.moviefordummies.wordpress.com

 
At 10:03 AM, julho 09, 2009, Anonymous Roberto Queiroz said...

Impossível traduzir num mísero comentário a obra do mestre Kubrick. Vai fazer falta pro resto da vida, pois não acredito que apareça novamente alguém como ele. Laranja Mecânica, Nascido Para Matar e 2001 provam isso melhor do que qualquer coisa.

No novo claquete:
Jean Charles, de Henrique Goldman

 
At 4:47 PM, julho 09, 2009, Blogger Mayara Bastos said...

Realmente, era um diretor como poucos. Meus favoritos dele são "O Iluminado", "Laranja Mecânica" e "Lolita".

Tem um selo para você lá no blog! ;)

 
At 2:00 AM, julho 10, 2009, Blogger Marcus Vinícius Freitas said...

O maior de todos os tempos.

 
At 4:39 AM, julho 11, 2009, Anonymous Wally said...

Adorei o texto! Completíssimo e formidável. Parabéns.

 
At 2:04 PM, agosto 17, 2009, Anonymous Rita Esteves said...

Concordo por completo com essa frase: “Ninguém narrou uma história (ou, que seja, uma cena) com uma perfeita harmonia entre som, música e imagem como Stanley Kubrick.” Na verdade, eu penso que a trilha sonora é indissociável de qualquer fita de Kubrick. Pessoalmente, gosto bastante do Nascido Para Matar: tem uma atmosfera de cortar a respiração, de deixar sem fôlego entre uma cena e outra. Mas, se você fizer a experiência e cortar o som da televisão, concluirá certamente que todo o momento dramático é acentuado pela música em fundo! Eu percebi melhor isso fazendo essa experiência da TV e porque um dia estava escutando rádio na web e dei de caras com esse http://cotonete.clix.pt/, onde você encontra, entre dezenas e dezenas de rádios, uma rádio que só toca a música das fitas do Kubrick... A não perder! Música e cinema nunca se mesclaram tão bem!

 

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