sexta-feira, março 23, 2007

Um Produto Chamado Cinema

Agora que a temporada de prêmios terminou, os cinemas de todo o Brasil se preparam para receber os grandes lançamentos de 2007. Os principais filmes a serem exibidos são aqueles que fazem parte da concorrida temporada do verão norte-americano. Em conseqüência, fica menor o espaço destinado às produções menores (ou mais modestas), que não sejam de origem “enlatada”.

Ou seja, Piratas do Caribe – No Fim do Mundo e Homem-Aranha 3 têm distribuição garantida em várias cidades porque tanto o estúdio, quanto os distribuidores e exibidores, acreditam no potencial de retorno desses “produtos”.

Mas alguns filmes chegam na data prometida apenas em São Paulo e Rio de Janeiro, enquanto as outras capitais ficam a ver navios, sem previsão de estréia. Sei que Salvador teve que esperar algumas semanas para ver Dreamgirls – Em Busca de um Sonho, o musical de Bill Condon indicado a oito estatuetas. Será que o problema foi somente a sua ausência nas categorias Melhor Filme e Melhor Diretor do Oscar? E Cartas de Iwo Jima, de Clint Eastwood, que levou várias semanas para chegar a Goiânia? Para distribuidores e exibidores, Dreamgirls e Cartas de Iwo Jima não passam de “produtos” ou “mercadorias” no sentido pobre da palavra. Mas como os cinéfilos fora do eixo Rio-São Paulo ficam nessa hora?

Lógico que alguns casos raros ocorrem também em uma cidade como São Paulo: Vênus, que rendeu uma indicação a Peter O’Toole ao Oscar de Melhor Ator estreou apenas em duas salas. Duas! Enquanto uma produção do porte de Filhos da Esperança, de Alfonso Cuarón, teve vida curta em poucas salas da cidade. O que dizer da situação desses filmes em outros estados?

HOLLYWOODIANO conversou com alguns executivos de grandes distribuidoras e jornalistas da área para tentar apontar o caminho. Mas infelizmente, o problema está longe de uma solução. De acordo com um crítico de uma revista especializada, o assunto é complicado: “Sempre foi uma questão polêmica. Isso implica em custos que ninguém quer arcar. Às vezes, a distribuidora não acredita no produto e não o lança nos cinemas. O filme acaba saindo direto em DVD e VHS. Neste caso, os custos ficam com a divisão de vídeo e eles devem arcar com a responsabilidade de ter algum faturamento sobre o filme. É o caso de O Justiceiro, que a Columbia não acreditou e foi lançado somente em vídeo”. Segundo ele, outra situação comum é quando acreditam pouco no produto e a mesma cópia que vai para um cinema de São Paulo roda pelo resto do Brasil com uma qualidade assustadoramente deplorável.

Quando perguntei se jornalistas e críticos poderiam ser convidados pelas distribuidoras para “ensinar” sobre a importância do “produto” aos exibidores, ele respondeu: “Você acha que um distribuidor vai reconhecer que não sabe muito do filme que tem em suas mãos? E o exibidor, que se diz entendedor do público para quem trabalha, vai ouvir as palavras de supostos ‘entendedores de filmes’? Esse é o paradoxo empresarial!”.

Para um representante de uma importante distribuidora de filmes do país, o problema também envolve os estúdios: “São algumas variáveis que levam a essa situação. Parte da culpa é dos exibidores e outra parte, dos próprios estúdios. São elementos como alto custo do print e a quantidade elevada de títulos no mercado.”

Então, tudo está interligado – alguns filmes chegam ao mercado externo com recomendações dos estúdios de Hollywood (a maioria dessas produções são aquelas que saem em DVD ou VHS sem passar pelos cinemas). Mas, no caso de um filme como Borat ou Dreamgirls, muitos exibidores não acreditam na inteligência do próprio público. Como, então, o estúdio faria para vender o seu filme? O problema está longe de uma solução. Quem trata o cinema como produto, sempre encontra um meio para lucrar com ele. Mas como fica o cinéfilo? Essa é a pergunta.


Por Otavio Almeida

Colaboraram Ana Kamila Azevedo (do blog Cinéfila Por Natureza) e Flávia Costa

10 Comments:

At 2:04 AM, março 24, 2007, Anonymous Anônimo said...

Essa questão está longe de se resolver. Hoje mesmo queria ver "O Cheiro do Ralo", mas tive que me contentar com "Número 23". Acho que o filme nacional vai custar até sair do circuito Rio-SP. No caso de "Dreamgirls" e "Cartas de Iwo Jima", achei notável a falta de respeito das distribuidoras, pois mesmo com os filmes sendo indicados a um monte de Oscars, o número de salas foi ínfimo (e ambos fracassaram totalmente entre o público nacional). Às vezes depende do filme também, pois "Borat" e "Babel" fizeram sucesso razoável de bilheteria por aqui, mas acho que os filmes menores deveriam ter mais chances frente aos "Piratas do Caribe" da vida...

parabéns por essa discussão.

 
At 10:34 AM, março 24, 2007, Anonymous Anônimo said...

Às vezes, como um mero cinéfilo, me sinto impotente diante desse jogo de interesse de grandes distribuidoras, quase que não vejo nenhum caminho mesmo. Por exemplo, até hoje estamos esperando a estréia de Filhos da Esperança. Difícil de imaginar? Cartas de Iwo Jima estreou há apenas uma semana. A demora foi prejudicial, já que não pude ver o filme em tempo de torcer (ou não) para ele no Oscar – ou até mesmo em tempo de analisa-lo em relação aos concorrentes que já tinha visto. Me sinto uma formiga operária e a Rainha está cada vez mais inacessível.

Abs,

Túlio.

 
At 3:26 PM, março 24, 2007, Blogger Flávia said...

Infelizmente vivemos numa sociedade em que tudo é produto. Cinema, música, literatura... O que não vende não tem espaço e a produção cultural é cada vez mais pautada por interesses comerciais.

Mas como combater a pirataria e os downloads se nem todos têm acesso à esses produtos? Hoje
a internet têm um papel importante em democratizar o acesso à cultura. E não adianta a indústria querer frear esse processo processando pessoas que se dispõe a fazer legendas de graça, por exemplo. É preciso se adaptar e encontar outros caminhos. Apressar a chegada de filmes aos cinemas pode ser um deles.

Bjs!

 
At 5:49 PM, março 24, 2007, Blogger Kamila said...

Como disse o Vinícius, infelizmente, esta é uma questão que está muito longe de ser resolvida. Tudo tem que passar por uma mudança de mentalidade, por parte dos distribuidores e, principalmente, exibidores - que julgam mal a inteligência do seu público.

Mesmo assim, Otávio, parabenizo sua iniciativa de discutir este tema, que é muito importante.

 
At 8:14 PM, março 24, 2007, Anonymous Anônimo said...

Você tocou numa questão que eu me pergunto se algum dia teremos alguma resposta sobre. O que motiva um indivíduo a lançar uma porcaria como A Grande Família - O Filme em várias salas do pais, enquanto um filmaço como Notas Sobre um Escândalo passa apenas na zona sul (onde só a elite mora)? Quanto a Número 23, achei o seu texto dos 23 motivos para não ver o filme. Eu assisti hoje e realmente. Até quem é leitor do Stephen King (que escreveu o conto que inspirou o filme) fica decepcionado!

(http://claque-te.blogspot.com): O Último Rei da Escócia, de Kevin Macdonald.

 
At 1:29 AM, março 26, 2007, Blogger Alex Gonçalves said...

Muitas vezes eu também me pergunto por que filmes tão interessantes como Notas Sobre Um Escândalo, A Pele ou Hollywoodland tem um espaço totalmente limitado no circuito. Mas também temos que analizar de que infelizmente nós, cinéfilos, somos minoria se formos constar a quantidade de pessoas que vão ver um filme na tela grande. Aqui em Santo André, por exemplo, filmes como Click e Motoqueiro Fantasma ficam num período de dois meses em cartaz. Agora filmes que são "destinados" aos cinéfilos (destinados, pois conheço pessoas que trabalham nos cinemas e dizem que são obras que os clientes não tem interesse em ver) como Scoop ou Pecados Íntimos saem num piscar de olhos do circuito. Isso em cinemas de maior número de salas...
Não sei se é um ponto de vista coerente, mas é o que analizei de uns tempos para cá.

 
At 6:30 AM, março 26, 2007, Anonymous Anônimo said...

A cultura no Brasil eh muito mal distribuida, mesmo, Otavio. Quem estah fora do eixo Rio-SP fica a ver navios no que diz respeito nao apenas a boas estreias cinematograficas a cada sexta-feira, como teatro, musica, museus, etc. Como eu jah disse uma vez eh "o horror, o horror". Morei 18 dos meus 24 anos em Natal-RN e vivenciei muito disso. Meus programas culturais melhoraram absurdamente depois de eu me mudar para Dinamarca (e olhe que eu nao moro na capital, e sim numa cidade de pouco mais de 60 mil habitantes). Aqui a cultura chega a todos. Abs e parabens pelo texto,

 
At 5:01 PM, março 26, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

É um inferno isso! Galera, tô indo ver SCOOP daqui a pouquinho antes que saia de cartaz para a entrada de 300!!!!

Abs a todos! E obrigado!

 
At 10:55 AM, março 27, 2007, Blogger Túlio Moreira said...

Otavio, Scoop é genial. Merece uma visita ao cinema. Aguardo sua resenha, até!

 
At 12:22 PM, março 27, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

Vi ontem, Tulio! Acabei de postar a resenha!

Grande abraço!

 

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