domingo, janeiro 06, 2008

Três Homens em Conflito


Acho que minha reação ao assistir Três Homens em Conflito (The Good, the Bad and the Ugly, 1966) só pode ter sido a mesma da maioria dos cinéfilos na época de seu lançamento. Se estávamos acostumados com a mitologia do faroeste americano, que já havia explorado o gênero ao máximo, o diretor italiano Sergio Leone tentou provar que o velho oeste ainda tinha fronteiras a serem superadas.

Enquanto John Ford utilizava planos americanos em cenas internas e panorâmica nas cenas externas, e Howard Hawks quase nem mexia a câmera em filmes como Onde Começa o Inferno, Sergio Leone propôs uma alternância entre muitos closes e planos longos. É um exagero de close e plano longo, close e plano longo. E assim, ele vai. Neste cenário, por muitas vezes, um personagem vem cavalgando ao longe, mas seu formato não passa de um pequeno ponto preto na tela, enquanto é observado por outro homem.

Ao contrário da maioria dos americanos, os caubóis de Leone são sujos, bizarros e sangram de verdade. Dá para sentir o fedor de tudo isso na tela. É impressionante como Leone também tinha o talento de selecionar um elenco tão feio (com exceção de Claudia Cardinale, em Era uma Vez no Oeste). Os protagonistas falam pouco, mas seus gestos e olhares dizem tudo.

Nos faroestes de Leone, os caubóis não costumam atirar para lá e para cá. O diretor idolatrava um duelo longo em sua preparação. São minutos de espera pelo primeiro disparo. Antes da bala deixar o revólver, os personagens se olham o tempo inteiro. E o silêncio só não predomina por completo graças à magistral orquestra do maestro Ennio Morricone - aqui em seu momento máximo. Além disso, os caubóis de Leone usam capas até os pés como se fossem genuínos cavaleiros. O figurino estilizado influenciou gerações e pode ser visto na recente produção americana Os Indomáveis, de James Mangold.


Em Três Homens em Conflito, o caubói sem nome (Clint Eastwood) de Por um Punhado de Dólares e Por uns Dólares a Mais está de volta. Aqui, ele é chamado de Blondie pelo colega de trapaças Tuco (o extraordinário Eli Wallach). A cabeça de Tuco vale US$ 2 mil. Ao "capturá-lo" e entregá-lo às autoridades, Blondie recebe sua recompensa. Na hora da forca, Tuco é salvo na hora H pelo tiro salvador de Blondie. A dupla trambiqueira divide a grana até o próximo golpe em outra cidade. Enquanto isso, somos apresentados ao caçador de recompensas Angel Eyes (Lee Van Cleef, o olhar mais perverso do cinema). Ao cobrar uma dívida, ele descobre uma valiosa informação: um soldado da Guerra Civil escondeu uma bela quantia em ouro num cemitério.

Da abertura ao primeiro diálogo, temos exatos 10 minutos de silêncio. Nem uma única palavra é citada. Apenas vemos Leone escrever na tela a característica que ele considera importante em cada um de seus protagonistas: o bom (Blondie), o mau (Angel Eyes) e o feio (Tuco). Dessa forma lenta, somos apresentados ao trio e convidados sem dificuldade alguma para interagir com seus objetivos na trama. Logo na primeira cena, Leone mostra um plano longo e, de repente, o rosto imundo de um caubói esconde a paisagem. Ao fundo, posso jurar que ouvi uma ave gritando a música de Ennio Morricone. É o poder da junção de imagem, som e música como narrativa.

Com uma hora de filme, depois de muitas brigas e traições, Tuco e Blondie também descobrem (sem querer) a localização do ouro. Os três farão de tudo para ficar com o tesouro. E não há o mínimo interesse em dividir o ouro em três partes iguais. Essa corrida pelo ouro já foi vista tantas vezes no cinema, incluindo o recente Onde os Fracos Não Têm Vez, dos irmãos Coen. Mas a viagem de Leone é a mais intensa.


Até chegar ao cemitério, o caos da Guerra Civil está no caminho do bom, do mau e do feio. Descobrimos que apesar de trambiqueiros e assassinos, os três guardam alguma bondade dentro de seus corações. A corrida pelo ouro expõe o pior deles, mas comparados ao horror da Guerra Civil, que assola os EUA, Blondie, Tuco e Angel Eyes são mocinhos. Se o trio busca um ouro, os soldados do norte e do sul também, afinal eles matam uns aos outros pela formação de uma nação. Essa jornada particular de Tuco, Blondie e Angel Eyes no cenário da Guerra Civil faz com que eu considere Três Homens em Conflito como um épico.

O clímax é no cemitério. Antes do inesquecível duelo... eu disse "duelo"? Temos três caubóis prontos para disparar ao mesmo tempo... enfim, Tuco chega ao local e procura desesperadamente pelo túmulo com o ouro. A cena com o feio correndo pelo mar de lápides ao som de The Ecstasy of Gold, de Ennio Morricone, é de tirar o fôlego (e a minha favorita).

Há uma pequena curiosidade técnica em torno de Três Homens em Conflito. O crítico Roger Ebert disse que os personagens não vêem (assim como nós) o que está fora do enquadramento. Dessa forma, eles são surpreendidos por vilões ou balas de canhões que, normalmente, seriam vistas logo ali ao lado. Ele tem razão. Isso realmente acontece em Três Homens em Conflito. E não é um erro. Leone brincou com essa técnica propositalmente. É o que ele fez com o western. Deu sangue novo ao que já era chamado de clichê. E é isso o que esperamos dos diretores de hoje em diversos gêneros.

Três Homens em Conflito (The Good, the Bad and the Ugly, 1966)
Direção: Sergio Leone
Roteiro: Agenore Incrocci, Furio Scarpelli, Luciano Vincenzoni e Sergio Leone
Elenco: Clint Eastwood, Eli Wallach, Lee Van Cleef, Luigi Pistilli, Aldo Giuffrè, Claudio Scarchilli e Antonio Casale

7 Comments:

At 5:09 PM, janeiro 06, 2008, Blogger Kamila said...

Outro filme que nunca assisti, Otavio.

Parabéns pelo texto, que ficou ótimo!

Beijos, bom domingo e tenha uma ótima semana!

 
At 9:36 PM, janeiro 06, 2008, Anonymous Anônimo said...

Também não vi, e não estava esperando ele entre os seus escolhidos de 5 estrelas. Nunca tive muita iniciativa para ver faroestes, mas devo conferir este após ler seu texto.

E Otavio, sobre 2001, ainda estou refletindo sobre ele. É um filmaço, e acaba de se tornar em um de meus preferidos de todos os tempos. Viva Kubrick!

Ciao!

 
At 11:06 PM, janeiro 06, 2008, Anonymous Anônimo said...

Outro clássico que ainda não vi. Entretanto, estou adorando essa série, está sendo ótimo conhecer um pouco mais sobre esses filmes. Assim como o Wally, também não tenho tanto interesse pelo gênero, mas gostei muito de "Era uma Vez no Oeste" - ainda que esse estilo de 'close e plano longo' canse um pouco ;-)

Belo texto. Abraço!

 
At 10:45 AM, janeiro 07, 2008, Blogger Marcus Vinícius Freitas said...

Deus salve Sergio Leone. Esse é um dos filmes que, ao assistir pela primeira vez, nos fazem gostar ainda mais de cinema, um clássico absoluto do gênero (se não for o maior).
Abraços e boa segunda.

 
At 11:48 AM, janeiro 07, 2008, Blogger Alexsandro Vasconcelos said...

Graaaaaaande Clint! Se eu gostasse de filmes desse tipo, acho que esse seria meu favorito. ^^

Abraço

 
At 12:19 PM, janeiro 07, 2008, Blogger Museu do Cinema said...

Filme além das cinco estrelas Otávio, vc foi muito feliz explicando as partes técnicas desse gênio Leone.

Só não entendi esse final ai do Roger Ebert, mas tudo bem, ele é meio abstrato mesmo!

 
At 2:11 PM, agosto 25, 2013, Blogger Sara said...

Minha irmã sempre leva o filho para ver esses filmes, espero que em algum momento eu também posso fazer isso, porque eu realmente gosto do velho e então eu gostaria de levá-los para comer nos restaurantes em itu

 

Postar um comentário

<< Home