sexta-feira, março 14, 2008

Barton Fink - Delírios de Hollywood


Entre os grandes diretores, os Irmãos Coen são os sujeitos mais pirados que já contribuiram para a evolução (ou a manutenção) da qualidade do bom cinema. Apaixonados pela definição e exploração da arte, Joel e Ethan Coen devem adorar todos os gêneros, mas a percepção geral aponta que eles preferem policiais (de preferência o noir) e westerns. Mestres do humor negro utilizado com extrema inteligência e gosto refinado, apesar da impressionante violência presente em seus melhores trabalhos, os Coen fizeram Barton Fink - Delírios de Hollywood (Barton Fink, 1991) após Gosto de Sangue, Arizona Nunca Mais e Ajuste Final. São grandes filmes, mas Barton Fink é a síntese de todos eles. Ou a prova definitiva de seus talentos depois de alguns belos períodos de estudos.

Como em todos os filmes dos Coen, Barton Fink tem montagem e visual arrebatadores e desafiadores. São cortesias dos próprios irmãos, que além de responsáveis por roteiro, produção e direção, eles também editam o filme. E Barton Fink representa a primeira parceria da dupla com o diretor de fotografia Roger Deakins, um gênio por trás das lentes, que leva brilho à escuridão.

Mas o que ficou desta obra-prima foi a infinidade de perguntas levantadas pelo roteiro, que é desenvolvido de forma perfeita e original. É como se os Coen planejassem surpreender a platéia a cada 10 minutos. Ou algo assim. Os fãs do filme adoram discutir sobre a natureza da saga de Barton Fink (John Turturro no papel de sua vida), um intelectual autor de teatro em Nova York. Sua última peça rendeu aplausos do público e elogios da crítica. O ano é 1941. Com toda a boa repercussão de sua obra, Fink logo chama a atenção de Hollywood, que lhe faz uma proposta irrecusável em troca de um roteiro perfeito para um filme sobre luta livre estrelado pelo ator Wallace Beery.

Já em Los Angeles, Fink se hospeda no estranho Hotel Earle. Lá, ele tem a companhia do adorável vizinho Charlie Meadows (John Goodman, que está excelente). Até entregar o roteiro ao estúdio, Fink enfrentará um bloqueio criativo e situações aparentemente inexplicáveis dignas de um filme de Hollywood.

A virada alucinante acontece após uma noite de amor entre Fink e Audrey (Judy Davis), a secretária e amante de um de seus maiores ídolos: o também escritor W.P. Mayhew (John Mahoney). Deste momento em diante, o filme se torna cada vez mais surreal e sombrio - exatamente após uma hora de duração é que começa a verdadeira discussão em torno de Barton Fink.

Gosto de pensar que Fink está preso no purgatório que é Hollywood, um lugar entre o Céu e o Inferno. Para entrar de vez no Inferno, representado pelo hotel com seus longos corredores e quartos abafados, ele precisa agradar Jack Lipnick (Michael Lerner, indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante), o chefão da Capitol Pictures, que lhe encomendou o roteiro. Sua saída para o Céu talvez seja a representação "real" do quadro em seu quarto de hotel: uma bela garota de biquini sentada na areia olhando para o horizonte. Qual será a escolha de Fink? O mergulho da gaivota na cena final me diz exatamente o que ele deseja.

Mas Barton Fink também pode ser uma curiosa coincidência de acontecimentos no caminho do protagonista. A loucura de Hollywood - dos interiores de estúdios passando pelas festas badaladas às pressões administradas pelos assalariados dos grandes executivos - atinge até mesmo quem não está diretamente ligado a produção de filmes. É uma histeria coletiva que afeta a mente de todos. Ou seja, a narrativa de Barton Fink pode ser algo bem simples.

O que importa é o fato de Barton Fink gerar diversas interpretações até os dias de hoje. Isso comprova que o filme é uma obra a frente de seu tempo. No entanto, essa viagem não deve ser comparada (como muitos gostam de fazer) ao cinema de David Lynch, um outro crítico da indústria que imagina seus filmes como verdadeiros sonhos. Para Lynch, um filme não precisa ser compreendido, mas sentido. Se Barton Fink flerta com algo parecido, isso não é influência de Lynch. Não quando estamos falando de dois autores fanáticos por um cinema que veio antes do vocabulário lynchiano.

Vencedor da Palma de Ouro em Cannes, além dos prêmios de Melhor Direção e Melhor Ator (John Turturro), Barton Fink pode ser nada mais que uma irônica visão dos Coen sobre a vida difícil de mentes criativas dominadas pela tirania de Hollywood. De repente, o filme inteiro é uma metáfora para a situação de Fink: ao assinar contrato com a Capitol, o pobre roteirista estaria vendendo sua alma para talvez jamais deixar esse "inferno".

Recentemente, Joel e Ethan Coen ganharam os Oscars de Melhor Filme, Melhor Direção e Melhor Roteiro Adaptado, por uma obra menor (Onde os Fracos Não têm Vez). Quando subiram ao palco para um dos discursos de agradecimento, os Coen fizeram caras de poucos amigos. Avessos a Hollywood, eles mesmos sabem que é impossível manter uma longa carreira (e genial, no caso deles) sem ceder algumas vezes ao "lado do mal". Naquele momento, com Oscars nas mãos e nenhum sorriso para comemorar, acho que eles foram diagnosticados com a "síndrome de Barton Fink".

Barton Fink - Delírios de Hollywood (Barton Fink, 1991)
Direção: Joel Coen
Roteiro: Ethan Coen e Joel Coen
Elenco: John Turturro, John Goodman, Judy Davis, Michael Lerner, John Mahoney, Tony Shalhoub, Jon Polito e Steve Buscemi

10 Comments:

At 12:41 AM, março 15, 2008, Anonymous Anônimo said...

Caramba, bom assim mesmo? Tinha ouvido falar, mas nunca mais que Fargo, por exemplo. Pena que trata-se de um filme extremamente dificil de encontrar. Mas farei o possivel agora com sua indicacao e seu otimo texto.

Ciao!

 
At 12:51 AM, março 15, 2008, Blogger Otavio Almeida said...

Obrigado, Wally! FARGO também é genial. Mas BARTON FINK é de outro mundo. E este não será o único trabalho dos Coen no "Filmes Cinco Estrelas".

Abs!

 
At 9:53 AM, março 15, 2008, Blogger Kamila said...

Não sou muito familiarizada com esses filmes de início da carreira dos Coen. O primeiro filme deles que eu assisti foi "Fargo" e, mesmo assim, são poucas as obras deles que eu gosto. De qualquer maneira, o texto me deixa com muita vontade de assistir "Barton Fink".

Beijos e bom final de semana!

 
At 10:42 AM, março 15, 2008, Blogger Museu do Cinema said...

É Barton Fink é um filmão 5 estrelas mesmo Otávio, é cheio de sarcasmo e os Irmãos Coen são gênios da sétima arte.

Boa resenha!

 
At 11:36 AM, março 15, 2008, Blogger Pedro Henrique Gomes said...

Vi Barton Fink recentemente e, não tenho dúvida de que se trata de uma obra arte. Final perfeito.

Ótimo texto.

 
At 2:25 PM, março 15, 2008, Anonymous Anônimo said...

Otávio, vc considera esse o melhor trabalho dos Coen? Até mais do que Fargou ou Arizona nunca mais?

 
At 9:23 PM, março 15, 2008, Blogger Unknown said...

É o meu segundo filme preferido dos Coen, Otavio, pode acreditar. O campeão, até o momento, é "Onde os Fracos Não Têm Vez". Em terceiro vem "Gosto de Sangue". Eu nunca fui fã número 1 dos Coen, até acho seus projetos um pouco superestimados, e cinco estrelas para "Barton Fink" eu vou ter que discordar, hehehe. :-)
Abraço!

 
At 11:54 AM, março 16, 2008, Anonymous Anônimo said...

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At 6:04 PM, março 16, 2008, Blogger Otavio Almeida said...

Kamila, sei que vc não gosta tanto dos Coen, mas em tempos de ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ, rever BARTON FINK traz de volta a fé no bom cinema.

Cassiano, obrigado!

Pedro, obrigado! E o final do filme é magnífico.

Denis, ainda não sei. Vou pensar.

Weiner, eu acho os Coen geniais. Se eu não gostei de ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ, é mais fácil eu estar enganado do que eles.

Abs!

 
At 2:45 PM, abril 14, 2008, Blogger Hypado said...

Excelente texto. Excelente Filme.

Abraços!

 

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