segunda-feira, março 17, 2008

Ponto de Vista


Em Rashômon, o grande Akira Kurosawa testou uma nova narrativa. A trama girava em torno de um crime, que era narrado de acordo com a visão de cada personagem. Não sei se houve algo assim antes de Rashômon, mas certamente, Kurosawa fez a crítica reparar nisso. O artifício foi estudado e utilizado por outros diretores nos anos seguintes, mas jamais superou a preferência do público pela narrativa linear. É partindo deste princípio que eu acho que Ponto de Vista (Vantage Point, 2008) deve ser analisado.

Numa época de refilmagens e roteiros pobres, Hollywood enfrenta cada vez mais a concorrência criativa das séries de TV. Para não ver o bonde passar, os estúdios sabem que é preciso mudar alguma coisa. É mais ou menos o que aconteceu nos anos 1990 com a revolução de Quentin Tarantino, que popularizou o conceito de narrativa fragmentada com Cães de Aluguel e, principalmente, Pulp Fiction. E acho que estamos diante de mais um teste do uso da narrativa: o ponto de vista único.

Está certo que, na década passada, tivemos Timecode, de Mike Figgis, e A Bruxa de Blair, mas ninguém deu a mínima para o estilo. Já no início de 2008, vimos Cloverfield, que apresenta somente o conteúdo de uma câmera digital, e este Ponto de Vista, a estréia no cinema do diretor de TV Pete Travis.

Desta vez, no entanto, o diretor (ao lado do roteirista Barry Levy) oferece não um, mas diversos pontos de vista de uma mesma história sobre um atentado ao presidente americano na Espanha. Só que acompanhamos um de cada vez. Começa com a jornalista Rex Brooks (Sigourney Weaver). Assim como em Cloverfield, ela vê somente o que as câmeras de seu canal de TV registram. O tempo volta e a ação corta para o personagem de Dennis Quaid, o veterano guarda-costas Thomas Barnes. Agora, o leque é maior e a estrutura Cloverfield fica para trás.

Com pinta de Clint Eastwood, em Na Linha de Fogo, o agente retorna para proteger o presidente pela primeira vez após ter levado um tiro no cumprimento do dever. De Barnes em diante, passamos por visões de outras testemunhas, incluindo um turista (Forest Whitaker) e o próprio presidente (William Hurt) antes de ser alvejado.

Tornou-se um hábito maligno essa idéia de criar reviravoltas no roteiro a cada 15 ou 20 minutos para surpreender o público. Felizmente, Ponto de Vista torna as reviravoltas convincentes, porque nada muda. Nós apenas "consultamos" outras testemunhas para juntar as peças do quebra-cabeça.

Sei que tem gente reclamando que Ponto de Vista repete a mesma seqüência várias vezes, mas essa é a proposta do filme. Outra reclamação recorrente é o desperdício de bons atores em cenas curtas. Mas também não vejo problemas, afinal um filme de ação também pode ter um elenco grandioso. E acho que Forest Whitaker, Sigourney Weaver, Dennis Quaid, Matthew Fox e William Hurt sabiam onde estavam se metendo e suas atuações contribuem para o resultado que o filme tenta alcançar - Ponto de Vista é uma experiência na tentativa de explorar e, principalmente, popularizar outras formas de narrativa.

Apesar de engenhoso, o filme não é perfeito, afinal o resultado seria outro com uma narrativa linear. Para explicar com um exemplo direto: Pulp Fiction ainda seria muito bom com uma estrutura de roteiro convencional. Mas esse não é o único problema de Ponto de Vista. O filme prende você na cadeira e engata a quinta marcha. É possível acreditar em tudo, menos no final com suas coincidências absurdas. Ou seja, a criatividade de Ponto de Vista não está exatamente na trama, mas na empolgante edição de Stuart Baird, que comprova a importância do recente trabalho de Christopher Rouse, em A Supremacia Bourne e O Ultimato Bourne, para a montagem do cinema de ação.

Esses detalhes mostram que o estilo Rashômon ainda está em fase de testes em Hollywood. Os roteiristas e diretores que trabalham na proposta ainda não encontraram o seu Pulp Fiction. Mas são pequenos deslizes para um filme que cumpre o que promete. Ponto de Vista não é genial ou inesquecível. É uma divertida sessão com pipoca e refrigerante.

Ponto de Vista (Vantage Point, 2008)
Direção: Pete Travis
Roteiro: Barry Levy
Elenco: Dennis Quaid, Matthew Fox, Forest Whitaker, Sigourney Weaver, William Hurt, Edgar Ramirez e Ayelet Zurer

13 Comments:

At 6:36 PM, março 17, 2008, Blogger Otavio Almeida said...

Spoiler: Na foto, o trio tenta descobrir como é o monstro de Cloverfield.

Abs!

 
At 7:47 PM, março 17, 2008, Anonymous Anônimo said...

Haha, adorei o comentário acima!
Falando sério, acho que é a primeira opinião positiva que vejo a respeito desse filme, o que me deixou um pouco mais confiante. E geralmente gosto desse artifício de repetir a mesma cena por diversas vezes, quase sempre funciona. E é uma boa sessão de entretenimento o que espero exatamente de "Ponto de Vista"...

Abraço!

 
At 7:47 PM, março 17, 2008, Blogger Kamila said...

Otavio, vou assistir a este filme amanhã e poderei comentar com calma seu post e seu texto. :-)

Beijos.

 
At 9:02 PM, março 17, 2008, Blogger Otavio Almeida said...

Vinicius, as críticas estão ruins, é? Acho que esperam um thriller sério, mas todo o suspense desembesta na ação nos minutos finais. Deve ser isso.

Kamila, veja sim. Mas não espere um filme para ganhar estatuetas. Talvez uma indicação ao Oscar de Melhor Montagem. E só.

Abs!

 
At 10:04 PM, março 17, 2008, Blogger Pedro Henrique Gomes said...

Excelente saber que Ponto de Vista não é um filme ruim. Gostei do que você disse sobre o filme e agora já sei mais ou menos o que esperar...

Abraço!!!

 
At 10:29 PM, março 17, 2008, Anonymous Anônimo said...

Concordo com Vini, primeiro elogio sério que leio sobre o filme. E acabei de ficar com vontade de ve-lo nos cinemas, algo que devo fazer no próximo fim de semana. Todos estão partindo de Rashomon mesmo para discuti-lo, mas eu não o vi. A Boscov disse que Ponto de Vista é um clone de Bourne, mas sem o conteúdo, apenas o estilo. Não confio muito nela. Prefiro confiar em tu. E por isso, verei sem dúvida!

Falando em dicas, vi no fim de semana Senhores do Crime e Na Natureza Selvagem. Ótimos filmes, sendo que estou apaixonado pelo segundo. Para mim, funciona perfeitamente como um complemento à Beleza Americana. Adorei!

Ciao!

 
At 10:21 AM, março 18, 2008, Blogger Museu do Cinema said...

Já li que esse filme é uma bomba Otávio!

 
At 10:59 AM, março 18, 2008, Blogger Otavio Almeida said...

Pedro, eu me diverti. Não vi ruindade não. Mas não pense que é um filmaço! Só isso.

Wally, clone de BOURNE? Só se for pela influência da montagem. O resto é diferente. Lembra mais uma série de TV. Se cada ponto de vista fosse um episódio, acho que as pessoas gostariam mais. Então vc é mais um que se apaixonou por INTO THE WILD? E interessante essa ligação a BELEZA AMERICANA. Espero sua crítica para entender isso.

Cassiano, você leu isso? Se abrir o www.metacritic.com, você encontrará críticas positivas e negativas para todos os filmes. Eu, pelo menos, não achei bomba não. Não fui ao cinema esperando um PODEROSO CHEFÃO. Cada filme é um caso.

Abs!

 
At 11:40 AM, março 18, 2008, Blogger Marcus Vinícius said...

Hollywood copiando Kurosawa de novo, hehehe. É bom isso, de inventar e testar coisas novas, e o elenco é bom. Se vier pra cá, eu confiro. E hoje vou ver RAMBO 4, uhuu! =D
Abs!

 
At 2:35 PM, março 18, 2008, Blogger fabiana said...

Estou louca pra ver, mesmo. Verei e volto aqui para comentar.

 
At 6:08 PM, março 18, 2008, Blogger Kamila said...

Como prometido, Otavio, aqui estou eu: fui uma das pessoas que ficou cansada com tantas voltas ao ponto inicial, mas entendo que elas eram necessárias. Acho que algumas histórias são irregulares, mas o resultado final é satisfatório. Gostei das cenas de ação, especialmente daquela perseguição de carros.

 
At 6:37 PM, março 18, 2008, Blogger Otavio Almeida said...

Ah... Não que seja necessário. Mas este filme quis ser assim. Bjs!

 
At 9:36 PM, março 19, 2008, Blogger Unknown said...

Ete eu quero ver, preferencialmente neste fim de semana, pois vai estrear aqui exatamente dia 21. Como a própria Kamila disse, é uma produção cheia de ação, perseguições, etc e tal. gosto de perder tempo com isso. :-) É super divertido. E 3 estrelas tá legal, já me deu um bom ânimo.
Abraço!

 

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