quinta-feira, agosto 14, 2008

Crônica indecente de uma mente hollywoodiana

A história que você vai ler aconteceu de acordo com a minha maturidade da época em questão. Ainda aqui? Então, vamos lá.

Confesso que antes de Instinto Selvagem, eu era um garoto muito tímido. Mas tímido de um jeito capaz de impedir qualquer um de diferenciar uma pimenta malagueta do meu próprio rosto.


As garotas adoravam me chamar de "bonzinho" e eu gostava daquele pseudo-elogio. Naquela época, eu não sabia disso, mas hoje sei o que "bonzinho" significa. Mas não culpo nenhuma delas, afinal eu era um moleque que fazia molecagem como qualquer outro bom garoto ao lado dos amigos mentalmente inferiores e retardados comparados às meninas.

E embora eu já fosse 'cinefilamente' ativo, isso não ajudava em nada na tentativa daquele pequeno macho se aproximar das amiguinhas do modo que queria. Explico: sorrir como Tom Cruise, em Top Gun, não impressionava. Olhar como o jovem Indiana Jones de Harrison Ford também não adiantava. O jeito foi apelar para as falas de Harry & Sally, mas as garotas daquela idade não assistiam a filmes com Billy Crystal quando Patrick Swayze e Rob Lowe davam Ibope.

Mas o problema não estava nas garotas. Eu precisava mesmo amadurecer e, ok, tudo tem o seu tempo. Na educação dada pela família de cada um de nós, os mais velhos sempre tentam preservar a inocência da criançada, embora os cinemas daquele período exibissem filmes como 9 1/2 Semanas de Amor e Atração Fatal, que permaneceram em cartaz por muito tempo se você não sabe. Mas nossos pais, tios e avós tinham razão: era preciso ir devagar com a sede ao pote e aproveitar cada fase da vida.

Porém, Deus escreve certo por linhas tortas. Em um belo dia, eu consegui entrar numa sessão de Instinto Selvagem graças aos meus amigos bem mais altos. Eu sabia que o diretor Paul Verhoeven havia feito RoboCop e O Vingador do Futuro (dois filmes que fazem a minha cabeça até hoje), que Michael Douglas fez Tudo Por uma Esmeralda e correu da mulher loira, mas feia, que assou o pobre coelhinho na panela, e que Sharon Stone esteve em O Vingador do Futuro (e era uma loiraça mais bonita que a Madonna). Tudo bem, eu sabia que Instinto Selvagem não era para menores. Só que a teoria não é como a prática e a minha vida mudou para sempre na famosa cena do interrogatório.


Não que eu jamais tivesse visto um filme tarja preta que ficava num departamento secreto das locadoras. Ou que eu nunca tivesse testemunhado, até ali, uma cena de sexo na TV numa época ainda dilacerada pela força da palavra "tabu". Mas ver algo daquele calibre na tela do cinema, amigo, confesso que foi uma experiência inédita. Quando Sharon dramatizou, o cinema veio abaixo. PIMBA! Não me concentrei mais e o filme acabou pra mim. Só fui entender o restante quando aluguei a fita na locadora meses depois. Se você está rindo neste momento é porque deve ter visto Instinto Selvagem somente na telinha graças ao seu gigantesco e jurássico vídeo cassete. Pois garanto que na telona, senhoras e senhores, o impacto é muito maior.

Eu era garoto e sabia que não merecia aquilo. Falo em merecer da seguinte maneira: eu não conquistei Sharon Stone para viver um momento de tamanha intimidade, certo? Para mim, aquilo também não foi como ver a Madonna dançando no clipe de Like a Virgin ou Papa Don't Preach. Nem foi como "ler" escondido da vigilância familiar as Playboys da Carla Marins e da Luma de Oliveira. Aquilo foi uma mensagem que falou a minha língua e eu captei o significado sem dificuldades. Pro inferno com as "bondades" que fiz para as garotas de outrora!

Com todo o respeito, mas dali pra frente, as meninas ganharam, eu ganhei e tudo ficou mais fácil. O importante é que acredito no cinema falando mais alto na educação e formação deste que vos escreve como um adulto responsável. Ninguém me ensinou na escola, pois o cinema é a minha vida. Obrigado, Sharon Stone!

15 Comments:

At 12:31 AM, agosto 15, 2008, Anonymous Anônimo said...

Otavio, seus dois últimos textos estão inspiradíssimos! Também acho que o cinema cumpriu um papel importante na minha formação. Só não tenho uma história tão legal como esta para compartilhar! :-)

Beijos!

 
At 12:43 AM, agosto 15, 2008, Anonymous Anônimo said...

Faço minha as palavras de Kamila! Adorei seu texto e concordo plenamente, o cinema me ensina, fascina e impressiona mais do que qualquer pessoa ou escola por qual já conheci. Algumas lições são inexplicáveis e a sua inusitada história é um exemplo disso.

Ciao!

 
At 12:48 PM, agosto 15, 2008, Blogger Dr Johnny Strangelove said...

Amigo, o cinema está em minha vida desde meu nascimento praticamente. Ainda me lembro qual foi o primeiro filme que vi no vhs Sharp de duas cabeças que foi Chico Bento e Oia a Onça. Me lembro do primeiro filme que vi no cinema que foi Mudança de Habito 2.

Porém a maior curiosidade foi com Kids. Veja que bizarro. Minha mãe locou em 1995, ano que o filme saiu e pensou que pelo nome fosse algum filme infantil, porém é algo que passa longe eheheheh. Bem tirando isso quando em vi quando tinha 9 anos aquelas situações coloquei em minha cabeça que nunca, em minha sã conciencia, queria me envolver com drogas, ou entorpencentes. Até hoje minha mãe agradece por eu ter visto o filme naquela época ...

Diga ai ... eheheh abraços amigo ...

 
At 2:30 PM, agosto 15, 2008, Anonymous Anônimo said...

O texto está perfeito, vi muito de mim aí, hehehe ;-) Acho que o cinema também teve um papel fundamental para minha formação, até de certa forma sou conhecido por essa paixão por filmes - o que ajuda em determinadas situações. O filme modificador para mim foi "Beleza Americana", já que antes disso só estava acostumado às besteiras exibidas pela Globo. Abraço!

 
At 2:32 PM, agosto 15, 2008, Anonymous Anônimo said...

Muito bom! Viva a cruzada de pernas da Sharon! Esses dias estava revendo Robocop e me surpreendi como o filme continua atual. O legal nos filmes do Verhoeven é que ele sempre está tirando sarro do american way of life e parece que os americanos muitas vezes não percebem isso. Sem contar que o cinema dele passa longe do da praga do "politicamente correto" que costumou a reinar naquela época. Já Vingador do Futuro é uma ótima aventura, mas já carrega o peso de de "datado" em várias cenas. Abs.

 
At 5:48 PM, agosto 15, 2008, Anonymous Anônimo said...

Otávio, bom fim de semana. Vou desejar boa sorte de novo para o seu Flamengo, pois quero vê-lo na Libertadores ano que vem. A festa que a torcida do Mengo faz é única e engrandece a competição. Mais uma das frases cinematográficas do ano: I'm a dog chasing cars. I wouldn't know what to do with one if I caught it! Abs.

 
At 5:50 PM, agosto 15, 2008, Anonymous Anônimo said...

Essa é a saideira: Introduce a little anarchy. Upset the established order, and everything becomes chaos. I'm an agent of chaos. Oh and you know the thing about chaos, it's fair. Genial.

 
At 7:17 PM, agosto 15, 2008, Blogger Romeika said...

Otavio, tenho apreciado esses seus ultimos textos, que envolvem cinema, mas ao mesmo tempo abordam outros temas. Vc os escreve muito bem, realmente nos desperta a vontade de ler o texto do inicio ao fim e com prazer.

 
At 8:59 PM, agosto 15, 2008, Blogger Museu do Cinema said...

O cinema tem tudo a ver com educação, não creio que ela seja responsavel, mas molduradora com certeza.

Bem legal o texto!

 
At 12:03 PM, agosto 17, 2008, Blogger Pedro Henrique Gomes said...

HHAHAHAHAHAHAHA. É mais ou menos como se fosse a primeira vez. Sei como é!!

Abraço!!!

 
At 10:13 AM, agosto 18, 2008, Anonymous Anônimo said...

Esse negócio de "menino bonzinho" atrapalha um pouco até hoje. É pq em um primeiro momento sempre me acham com cara de "bonzinho". E realmente quando eu era novo achava que as meninas eram santas e nunca se interessavam por sexo, só nós homens, com mente suja. E não entendia pq elas sempre ficavam com os caras que as tratavam mal. Quando comecei a crescer vi que elas têm mente suja igual a gente(algumas até mais) e que nunca gostam do cara "bonzinho", realmente mudou muita coisa. John Wayne tava certo quando arrastou a mulher no final fantástico de "Depois do Vendaval". E a minha mudança de atitude tem relaçaõ com o cinema também mas não só ele, pode incluir: as HQs, a literatura e a própria vida né?
Adorei o texto.

 
At 10:58 AM, agosto 18, 2008, Blogger Otavio Almeida said...

Exatamente, Robson! Aquela cena maravilhosa de DEPOIS DO VENDAVAL, homenageada por Steven Spielberg em E.T. - O EXTRATERRESTRE pode ser fantástica, encenada, etc. Mas representa a realidade nua e crua. Realismo fantástico!

Abs! E obrigado!

 
At 10:59 AM, agosto 18, 2008, Blogger Otavio Almeida said...

Valeu, amigos! Achei que já tivesse respondido... desculpa! Obrigado a todos!!! Abs!

 
At 3:03 PM, agosto 18, 2008, Anonymous Anônimo said...

É mesmo Otávio, nem lembrava da homenagem de ET a essa cena. É uma homenagem fantástica. E amo ambos os filmes. Curiosidade: ET foi o priemiro filme que vi no cinema na vida com 2 anos de idade(!), isso mesmo, 2 anos. Comecei muito bem....

 
At 4:18 PM, agosto 18, 2008, Blogger fabiana said...

Eu acho que um filme divisor de águas na minha vida foi 'Como água para chocolate'. Eu deixei de ir ao cinema para ver apenas comédias com Robin Willians e passei a ver o que realmente fazia a minha cabeça.

 

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