quarta-feira, agosto 13, 2008

O templo sagrado


No meu tempo, ir ao cinema era muito mais divertido. Jamais pensei que diria uma expressão como "No meu tempo" (tão antiga quanto a Confeitaria Colombo), mas é verdade. Primeiro porque eu ainda era criança. E embora eu insista em não revelar a minha idade aos fiéis e bravos leitores, os filmes apresentavam não uma inocência em relação aos dias de hoje, mas uma sensação de frescor. É como se o cinema fosse mais jovem, porém cheio de potencial para ousadias. Assim como eu naquele Rio de Janeiro, que ainda estava longe de amedrontar o resto do País (e do mundo) com suas notícias a respeito de violência e criminalidade.

O Flamengo ainda era motivo de alegria e os cinemas de rua reinavam - mas já com seus dias contados. Perto de casa, tinha o Carioca, o América, o Bruni-Tijuca, o Art-Tijuca... Fui muito com o meu pai, minha avó, minhas tias, meus primos e amigos. Vi alguns dos melhores filmes que um menino poderia carregar para o resto da vida. Naquela época, eu pagava um só ingresso e podia passar o dia inteirinho dentro do cinema. Se quisesse, claro. Se o filme fosse ótimo, não custava nada revê-lo pelo preço de um. Você também podia ver o filme e repetir a dose só pra beijar a garota mais bonita. Ou não necessariamente nesta ordem.


Como você sabe, muitos desses saudosos cinemas acabaram como auditórios para mercenários gritarem o nome do personagem principal daquele filme sangrento do Mel Gibson em vão. Ou viraram multiplexes - o que neste caso, veio para o bem, pois o público aumentou. Isso é fato.

Mas a presença de um público maior não significa que estamos falando de uma comunidade exclusiva de cinéfilos. O cinema virou apenas parte do passeio da garotada. Aliás, muita gente acha que a sala escura é uma extensão do shopping. E essa falta de vínculo com a arte por grande parte deste público atual não consegue entender que dentro do cinema, o espectador está concentrado no filme. E não em torpedos ou iPhones. Em português claro, aquilo não é a casa da Mãe Joana. É um templo sagrado. Ou, pelo menos, já foi. É óbvio que ainda é um lugar perfeito para beijar a garota mais bonita, mas ainda é a casa daqueles que dividem o amor da bela acompanhante com bonitões como Spielberg, Scorsese, Kubrick e Fellini.

Em imagem, som e conforto, os cinemas definitivamente evoluíram. Agora, em São Paulo, tem até um com mesinha para copos e guloseimas, além de apoio para os pés. Só vendo pra crer, pois o cinema só falta falar e abanar o rabinho. Custa os olhos da cara, mas você paga pelo conforto, claro. O que parece que regrediu é a educação e a mentalidade do público. A maioria que lota as salas de cinema está lá só para "zoar". E é do bolso de cada um desses trogloditas culturais que a indústria recebe "incentivo". É para eles que grande parte dos filmes é produzida.

Lembro de uma entrevista dada por George Lucas na época de Star Wars - Episódio I, em 1999. Ele disse que os multiplexes seriam capazes de oferecer diversos tipos de filmes para diferentes públicos. E que a grana de um blockbuster geraria mais e melhores filmes baratos para os estúdios. Na verdade, sabemos que não foi bem assim que aconteceu, afinal quantas salas sobram para filmes como O Escafandro e a Borboleta e A Família Savage? E quantas estão passando Batman - O Cavaleiro das Trevas? O filme de Christopher Nolan é ótimo, não me entenda mal, mas outros títulos pouco comerciais não rendem tanto para exibidores, distribuidores e os próprios estúdios.

Alguma coisa precisa mudar novamente. Como mudou na época do sumiço dos cinemas de rua. Pelo simples prazer de ver qualquer tipo de filme no cinema. No templo sagrado. Não acho que o cinéfilo tenha de recorrer a pirataria para ver O Escafandro e a Borboleta. É claro que o filme de Julian Schnabel entrou em cartaz, mas quem não o viu na primeira ou na segunda semana, já precisou correr para outro cinemão longe de casa. Ou do trabalho. E isso acontece porque quem trabalha com este negócio precisa lucrar. Seria compreensível para qualquer um, exceto para um romântico apaixonado por cinema.

Eu só queria pegar um cineminha pra ver Batman e O Segredo do Grão sem ter de pular de uma zona a outra da cidade. Só isso. Sei que não é assim que funciona e é por isso que eu digo: Ser cinéfilo não é pra quem quer. É pra quem pode.

10 Comments:

At 7:43 PM, agosto 13, 2008, Anonymous Anônimo said...

Otavio está saudosista! :-)"

Como diz o Cassiano, ser cinéfilo, hoje em dia, é ser um garimpador em busca daquelas obras especiais e que, muitas vezes, nem estão ao alcance da gente.

Como cinéfila e moradora de uma capital sem importância alguma no Nordeste, com salas de cinema multiplexes interessadas no cinemão, e com pouco espaço a obras alternativas, sonho com o dia em que não terei que contar os dias pelo lançamento de um filme em DVD. Gosto da experiência de estar em uma sala de cinema, assistindo a um bom filme e isto tem sido muito raro.

Beijos!

 
At 10:35 PM, agosto 13, 2008, Blogger Dr Johnny Strangelove said...

Amigo, estamos ficando velhos ... estamos com a mesma sensação do mestre Ed Bell de Onde Os Fracos Não tem Vez. Acho que infelizmente os multiplex ao mesmo tempo que trazem a tecnologia de uma imagem limpa e perfeita, conseguem destruir a magia em si, fazendo com os preços exorbitantes compensarem o "luxo".

E infelizmente com a visão do lucro e com o desrespeito pelas verdadeiras obras do cinema( e não obras como A Mumia 3, Hancock e O Grande Dave) fazem com que muitos consigam saboerar o verdadeiro cinema em meios escusos e ficar rezando para que tenha a oportunidade de ver aquela belissima obra nos cinemas e ainda pior, podemos cair na frustação em ver um filme belissimo no cinema no dvd e ainda sendo distribuido por uma empresa que não sabe utilizar bem o poder que está nas mãos ...

Amigo, reforço a sua ideia com algo que vi hoje, andando no centro de Recife vi o antigo Veneza a cada dia caindo em desgraça sendo apenas uma loja que provavelmente irá falir, e lá que vivi bons momentos do pipocão ... uma pena mesmo ... uma pena ...

 
At 12:03 AM, agosto 14, 2008, Anonymous Anônimo said...

Graças a Deus eu tenho esse "luxo" e praticidade de ver os filmes que quero.

 
At 12:43 AM, agosto 14, 2008, Anonymous Anônimo said...

A discussão é bastante válida e seu texto cumpre isso com perfeição. É tão complicado gostar de cinema atualmente, 'cinema' no sentido de sair de casa, gastar tempo e dinheiro para ver qualquer filme. Pena que a distribuição de obras mais alternativas seja péssima, tanto que não tenho esperança de ver "O Segredo do Grão" nesse ano...

 
At 2:14 PM, agosto 14, 2008, Blogger pseudo-autor said...

Excelente texto!

Não sei se você leu no Jornal O Globo o desabafo do diretor Murilo Salles na época do lançamento do seu filme Nome Próprio nos cinemas. Complementa bem a discussão que o seu texto promove. Eu fui funcionário do Art Tijuca por um ano e meio e sei bem o que você está falando! A tijuca era a ribalta para quem curtia o bom cinema. Pena que hoje só se invista em kinoplex e companhia ltda.

Estou caçando donos de blogs que possam dar um depoimento na minha monografia de fim de curso da faculdade sobre "A Influência dos blogs na crítica cinematográfica" e acredito que você possa ser uma dessas pessoas (se for possível), pois tenho percebido que a crítica cinematográfica atual mudou muito seu pensamento depois do advento dos blogs cinematográficos. Não sei se você concorda...

Mídia e cultura?
http://robertoqueiroz.wordpress.com

 
At 2:34 PM, agosto 14, 2008, Blogger fabiana said...

Otávio, me identifico totalmente! Aqui em Belorizonte City é uma vergonha! Os 'cinemão multiplex' é, de fato, uma inovação. Me lembro de assistir Episódio I - A ameaça fantasma em um velho cinema daqui e logo depois comprovar que tecnologia se faz necessário. Porém, a magia do 'ir ao cinema' se perdeu entre pipocas, refrigerantes e celulares. É inadmissível em uma rede multiplex do shopping com 8 salas, 4 delas passarem o mesmo filme e no mesmo horário. Filmes como I'm not there, Um beijo roubado, Família Savage, Contato de Risco e outros, só estream no circuito da Usina Unibanco há léguas de distância e em horários nada convidativos. É uma vergonha que ao chegar ao cinema o público só tenha 1 opção: ou blockbuster ou blockbuster! Isso me mata!

 
At 3:59 PM, agosto 14, 2008, Blogger Pedro Henrique Gomes said...

Fantasticamente excelente texto, Otávio. Como tudo que você falou aí é verdade, ou melhor, fato, não tenho muito o que acrescentar.

Abraço!

 
At 12:44 AM, agosto 15, 2008, Anonymous Anônimo said...

Não peguei essa época. Mas só de ver "Cinema Paradiso" já percebo como deve ter sido mágico entrar naqueles cinemas tradicionais e não só ver um filme, mas senti-lo!

Ciao!

 
At 12:17 PM, agosto 15, 2008, Blogger Otavio Almeida said...

Kamila, o Cassiano tem sempre razão! E tenho saudades do que foi bom pra mim.

Johnny, é exatamente isso: No Country For Old Men! E O GRANDE DAVE, eu não vou encarar, amigo. Como é que o público pode ter educação se um filme desse porte domina o circuito? E como é que a nostalgia de uma época cinéfila pode retornar se já pensam em A MÚMIA 4?

Denis, inveja boa não é praga.

Vinicius, o meu chefe vive me cobrando: "Veja O SEGREDO DO GRÃO! Veja O SEGREDO DO GRÃO!" Parece aquele comercial antigo: "COMPRE BATOM, COMPRE BATOM..."

Roberto, obrigado! Eu não li esse desabafo do Murilo Salles, mas sei que ele tem razão. Você trabalhou no Art Tijuca? Era tudo o que eu queria naquela época... Sobre a monografia, eu posso dar uma olhada no material? Ou você quer apenas um comentário meu sobre o tema? Em qual e-mail eu posso te mandar?

Fabiana, estou me sentindo vazio cinefilamente falando. Entendo tudo o que você escreveu. Acho que vou mudar o nome deste blog para BOLLYWOODIANO. Ah! E nem me liguei que você é de Belô City. Adoro Minas!

Pedro, muito obrigado!

Wally, eu só não fui da época em que se passa a trama de CINEMA PARADISO. Ok?

Abs a todos! E obrigado!

 
At 10:14 PM, agosto 15, 2008, Blogger Gustavo H.R. said...

"Em português claro, aquilo não é a casa da Mãe Joana. É um templo sagrado."
É isso que tenho vontade de enfiar na cabeça da maioria das pessoas, a plenos pulmões. Mas quem iria compreender, a não ser nós mesmos, amantes da Sétima Arte...?
Gostaria de ter vivido seu tempo!

 

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