sábado, agosto 16, 2008

A Família Savage


Eu não confio numa pessoa que vira para mim e diz que jamais passou por traumas, decepções e picuinhas familiares. Não é possível que alguém chegue completamente ileso à vida adulta para poder aproveitá-la com 100% de alegria e felicidade como nos contos de fadas. Se alguém te diz isso, acredite, estás diante não exatamente de um mentiroso, mas de um ser humano como qualquer outro. Alguém que simplesmente não tem forças para encarar a realidade e não consegue se expor admitindo que carrega problemas. Sabendo disso, a diretora e roteirista Tamara Jenkins faz com que A Família Savage (The Savages, 2007) tenha um diálogo fácil e direto com a mente e o coração do espectador.

Sem a esperança de que algo de bom acontecerá em suas vidas, os irmãos Jon (Philip Seymour Hoffman) e Wendy Savage (Laura Linney, indicada ao Oscar de Melhor Atriz) sofrem as conseqüências da infância cheia de ressentimentos e remorsos. Tudo é culpa da criação que tiveram do pai (Philip Bosco), que não preparou seus filhos para o mundo e, pior, deixou-os morrendo de medo de seguir adiante. Mesmo separados por um longo período, os três se reencontram quando o velho Savage é diagnosticado com demência. É hora de cuidar do pai que não cuidou bem de seus filhos. Há males, como você sabe, que vêm para o bem. E este pode ser o tardio rito de passagem para a vida adulta que Jon e Wendy estavam esperando.

Com a conexão estabelecida com o público, todos se preparam para um dramalhão, certo? Errado! Isso é um filme independente. E a emoção não pode ganhar uma proporção exagerada, certo? Não exatamente. Calma, deixe-me explicar, porque é mais ou menos assim: A Família Savage pode ganhar uma ou outra reclamação do fã radical do circuito alternativo, mas também pode ser apreciado por aqueles que admiram um típico dramalhão hollywoodiano.

Para começar, achei curioso como Tamara Jenkins exagerou na utilização de um recurso tão clichê como colocar o personagem dentro de um carro acompanhando pelo vidro a paisagem se deslocando constantemente do lado de fora, o que é um indício de mudança ou movimento. Não vejo mal neste exagero, porque é isso o que mais fazemos dentro de um carro: pensar na vida.

Há muito sentimento guardado neste filme, que não deixa de ter seus cacoetes de produção independente, mas que também não se prende às regras deste tipo de cinema que prega a economia de imagens e sentimentos. Em algumas partes, A Família Savage parece uma produção setentista dramática com um equilíbrio perfeito entre a quantidade de lágrimas e as emoções contidas. Mas só parece, pois sabemos de sua origem independente. E é esse "nem lá, nem cá" que torna o filme cada vez mais interessante até sua última cena.

O bom uso da trilha sonora instrumental, algo abandonado nos filmes atuais, e ainda por cima numa comédia dramática, também comprova essa divisão entre o velho e o novo cinema em A Família Savage. Tamara sabe qual é a sua escola cinematográfica, mas é uma aluna aplicada que estudou muito bem seus velhos professores da academia clássica da sétima arte.

Também fica impossível focar na anti-dramaticidade quando temos dois atores como Laura Linney e Philip Seymour Hoffman comandando o show. Quando eles estão em cena, o cinéfilo agradece e os tiques do cinema independente se recusam a dominar o espetáculo - mesmo quando surge a famosa e descarada tela escura com as palavras "Seis Meses Depois...", um artifício quase sempre preguiçoso e medroso para não deixar o espectador viver o ápice do drama.

Embora a verdade nua e crua da vida não tome conta de A Família Savage, ainda falta aquela cena mágica e especial que torna um filme inesquecível. Alguns momentos caminham para isso, mas o ponto de vista romântico jamais surge. E isso não é um mandamento em produções independentes. Lembre-se, por exemplo, da cena final de um filme que também analisa conflitos familiares na formação de uma pessoa. Falo de A Lula e a Baleia, de Noah Baumbach, que começa de forma contida, mas revela uma conclusão poderosa, emotiva, quando o garoto caminha para superar seus medos ao encarar a lula e a baleia. Naquela cena, repare na presença de um diretor apaixonado e focado em seus personagens, mas com uma visão romântica no movimento da câmera e no uso crescente da trilha. É isso o que falta a Tamara Jenkins.

Mesmo longe da perfeição, A Família Savage pode ser assistido sem problemas. Embora pareça mais um filme independente de coração petrificado, suas camadas revelam uma certa emoção que desabrocha lentamente. Graças a um bom e honesto roteiro e ao elenco, incluindo o veterano Philip Bosco com uma ótima atuação, mas difícil de ser lembrada num filme com Laura Linney e Philip Seymour Hoffman.

A Família Savage (The Savages, 2007)
Direção: Tamara Jenkins
Roteiro: Tamara Jenkins
Elenco: Laura Linney, Philip Seymour Hoffman, Philip Bosco e Peter Friedman

Obs: Disponível em DVD pela Fox.

10 Comments:

At 2:34 AM, agosto 17, 2008, Anonymous Anônimo said...

O filme é isso aí mesmo. Gostei bastante dele. Belo, sincero e singelo. Os atores detonam!

4 estrelas.

Ciao!

 
At 9:55 AM, agosto 17, 2008, Blogger pseudo-autor said...

Otávio,

Como eu tinha comentado anteriormente eu estou montando meu TCC na faculdade sobre A influência dos blogs na crítica cinematográfica. Estou procurando por blogueiros que mantém seus blogs há bastante tempo e que se mantenham inteirados sobre a crítica de cinema e as transformações que ela tem sofrido ao longo do tempo. Gosteria de um depoimento seu sobre o tema. Como você percebe essa influência? você acredita que a crítica cinematográfica dos jornais impressos está com os dias contados? você percebe uma mudança de postura em críticos de revistas conceituadas como contracampo e set com a popularização dos blogs e o surgimento, por exemplo, da liga dos blogues cinematográficos?

Desde já agradeço a ajuda.

 
At 10:17 AM, agosto 17, 2008, Anonymous Anônimo said...

Já eu gostei um pouco mais desse filme, acho que foi uma das melhores surpresas do ano. Não sei exatamente se foi por seus méritos, mas esse tipo de longa sempre me conquista. E concordo em relação ao Bosco, apesar de preferir a Linney em seu melhor desempenho na carreira. Abraço!

 
At 10:48 AM, agosto 17, 2008, Blogger Robson Saldanha said...

Quero vê-lo, você é o primeiro que o tarata como mediano, os outros classificam-no como acima da média. Já tenho o DVD é só dá, que irei ver!

Abraços!

P.S.:Absurdo odiar Moulin Rouge! =D

 
At 12:08 PM, agosto 17, 2008, Blogger Pedro Henrique Gomes said...

Philip Seymour Hoffman é o ator em melhor fase. Laura Linney é muito boa atriz. The Savages tem a receita certa para contar uma boa história melodramática. E faz isso muito bem.

Abraço!!!

 
At 12:25 PM, agosto 17, 2008, Blogger Otavio Almeida said...

É isso aí, Wally! Mas eu dei 3 estrelas. Mas A LULA E A BALEIA merece 4.

Ok, Roberto! Passo depois no seu blog pra dar a minha opinião.

Vinicius, eu gostei do filme. Não tanto quanto você, mas é isso aí. Numa linguagem mais popular, THE SAVAGES é um filme bonito e bem feito. E concordo com tudo o que você disse.

Robson, eu não taxei o filme de mediano. Eu dei 3 estrelas. Ali ao lado, tem uma explicação para as estrelas... Quando coloco 3, quero dizer que o filme é BOM. Entendeu?

Exatamente, Pedro! Concordo com você. Tomara que os dois atores continuem recebendo boas propostas, bons papéis...

Abs! Bom domingo a todos! E dá-lhe Mengo!

 
At 1:46 PM, agosto 17, 2008, Anonymous Anônimo said...

Otavio, concordo que falta ao filme uma grande cena. Mas, acho que a Tamara Jenkins foi muito eficiente em passar a sua mensagem: a de que é difícil amadurecer e encarar a vida. Só faltou falar do Philip Bosco, que dá show também!

Beijos!

 
At 6:15 PM, agosto 17, 2008, Blogger Otavio Almeida said...

Mas, Kamila, eu falei do Philip Bosco no finzinho da crítica... Bjs!

 
At 4:13 PM, agosto 18, 2008, Blogger fabiana said...

totalmente excelente esse filme!

 
At 2:42 PM, agosto 19, 2008, Anonymous Anônimo said...

Passei batido, então! Desculpa!

Beijos!

 

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