quinta-feira, fevereiro 01, 2007

A Conquista da Honra

Na primeira cena de A Conquista da Honra (Flags of our Fathers, 2006), um soldado corre pelo campo de batalha devastado e procura desesperadamente por alguém. Mas quem é essa pessoa? A questão respondida somente no final transforma A Conquista da Honra em mais do que uma homenagem aos soldados que ergueram a bandeira americana em Iwo Jima durante a Segunda Guerra Mundial. É um toque metalingüístico e sublime (não posso revelar) que dá outro sentido ao filme em uma revisão.

Inicialmente, Eastwood narra as conseqüências nas vidas de três soldados que estavam na famosa foto de Joe Rosenthal – eram seis, mas três deles morreram logo depois do registro da imagem. O cineasta parte de um ponto intrigante: não dá para ver os rostos dos soldados na foto. John Bradley (Ryan Phillippe), Ira Hayes (Adam Beach) e Rene Gagnon (Jesse Bradford) retornam aos EUA transformados em heróis pelo governo. Para o trio, trata-se de uma farsa e cada um sofre o peso de forma distinta. Para o presidente Harry Truman, essa é a oportunidade certa para comover o público e arrecadar fundos para a guerra. O filme se concentra mais nestes conflitos internos dos soldados do que na ilha de Iwo Jima.

A partir do roteiro de Paul Haggis e William Broyles Jr., Eastwood consegue ligar idas e vindas no tempo com maestria – sem nenhum exagero ou mecanismo para juntar as histórias (como já virou moda). Além de produzir e dirigir A Conquista da Honra, Clint compõe a trilha. É uma música belíssima, emocionante e que fica na cabeça por um bom tempo. Aos 76 anos, sua determinação é invejável. Sempre econômico, Clint não se deixa seduzir pela grandiosidade do tema, mas não decepciona nas ferozes cenas de batalha. O que é aquela visão do piloto de dentro do avião? Que detalhe magnífico! Mas é nas cenas mais intimistas, que Clint emociona de verdade e sem esbarrar em pieguices. Nenhuma lágrima é calculada em A Conquista da Honra. Mas é quase inevitável segurá-las. Seguindo a ordem dos mestres da Hollywood clássica, Clint sabe que não precisa mostrar muito para deixar o público perplexo – como na cena do soldado, que descobre o corpo do amigo dentro de uma caverna escura. Com seu rosto coberto de sombras, não sabemos se sua expressão é de raiva ou se ele chora.

Em A Conquista da Honra, Eastwood expõe as influências de seus mestres Sergio Leone e Don Siegel como não vemos desde Os Imperdoáveis. O conceito dos “heróis” idolatrados pela nação carrega uma ironia também vista em Os Eleitos, de Philip Kaufman. Talvez tenha até algo de John Ford na amargura e dor do soldado Ira Hayes (Adam Beach) – o índio não suporta ser chamado de herói quando não há o que celebrar. Há um significado trágico nessa vergonha dentro de sua alma. Adam Beach tem dois momentos gloriosos – a cena em que ele está sentado na cama e desabafa com um oficial é de cortar o coração. A outra é aquela em que ele anda sem rumo pela estrada. Beach pode não ser extraordinário, mas Clint tira dele o que bem entende e seu esforço é admirável. Alguns podem reclamar do elenco, mas a escolha se justifica pela inocência dos soldados diante do horror do conflito e, principalmente, da vida após a guerra. Ou seja, gente aparentemente despreparada para lidar com as emoções.

A Conquista da Honra fica ainda melhor quando vemos Cartas de Iwo Jima na seqüência. O primeiro é o conflito sob o ponto de vista dos americanos, enquanto o segundo tenta conhecer o lado inimigo, o japonês. O respeito é tanto, que Eastwood quase não mostra o exército japonês em A Conquista da Honra. O inimigo aqui é a guerra em si. O diretor mostra que não há vencedores, apenas um sofrimento para o resto da vida. Se há um inimigo de carne e osso em A Conquista da Honra, ele é o governo americano. Eastwood olha para o passado para analisar o presente. É uma paulada na política de George W. Bush – ele não deve ter gostado do filme.

Há essa crítica política, mas é a arte que impera. A cena final é Clint Eastwood provando que homem chora em filme de guerra. E Cartas de Iwo Jima é ainda melhor. Mas é como Os Imperdoáveis, Sobre Meninos e Lobos e Menina de Ouro. Difícil dizer qual é o melhor. Vai do gosto de cada um. No momento, só posso dizer que A Conquista da Honra é o primeiro grande filme do ano.


A Conquista da Honra (Flags of our Fathers, 2006)
Direção: Clint Eastwood
Elenco: Ryan Phillippe, Jesse Bradford, Adam Beach, Barry Pepper, John Benjamin Hickey, John Slattery, Paul Walker e Jamie Bell

25 Comments:

At 8:26 PM, fevereiro 01, 2007, Anonymous Anônimo said...

Desculpe, não gostei tanto assim do filme. Tem alguns pontos que merecem destaque, como a atuação do Adam Beach e também a produção técnica como um todo (não à toa os efeitos sonoros foram indicados ao Oscar). A cena da batalha inicial é marcante, mas não gostei daquela patriotada toda do final, inclusive achei a emoção bem artificial. Diria que é um filme bonito e só. Espero mais para "Cartas de Iwo Jima".

 
At 10:21 AM, fevereiro 02, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

Pelo contrário, Vinicius! O filme começa com um tom patriota, mas corajosamente, o Clint destrói esse conceito até o final. No fim, ele fala de homens, amigos, seres humanos... não "soldados americanos". Tanto que ele analisa o lado japonês no próximo filme...

E o Clint tira emoção como água do deserto...

Ah, pessoal! Não deixem o cinema antes do final dos créditos.

Abs e bom final de semana!

 
At 12:25 PM, fevereiro 02, 2007, Blogger Flávia said...

Muito bacana o Clint Eastwood estar produzindo tanta coisa de qualidade aos 70 e tantos anos...

E seu texto está ótimo!

BJs!

 
At 3:51 PM, fevereiro 02, 2007, Blogger Victor said...

Ainda não vi A conquista da honra...mas assim que der ..hehe

Em relação ao outros filmes dele que voce citou..desse o que eu mais gosto é de Sobre Meninos E Lobos..é um filme bem forte! Sensacional!

Boa crítica!

Abraço!

 
At 4:56 PM, fevereiro 02, 2007, Anonymous Anônimo said...

Obrigado, Ota, por me deixar chamá-lo assim. Não mandei os e-mails dos meus irmãos pq eles não deixaram..... Ficaram meio bravos comigo. Costumo não dar muita bola pra eles não. Acho que quando se chega aos 93 anos (são gêmeos), as pessoas ficam estranhas... Enfim
Não vou me estender muito hoje. É que estou triste. A Bruna, minha tartaruguinha, faleceu em minhas mãos hoje pela manhã ...Enfim, ela ficou resfriadinha e nos últimos dias roncava um pouquinho. Segundo o veterinário, a Bru tinha bronquite. Mas não vou desanimar! Acredito que os animais têm um lugar especial no paraíso, assim como Charlie, em Todos os Cães Merecem o Céu, de Don Bluth.

Pois bem. Acho que vou ao cinema hoje. Assim que assistir o filme do nosso colega Clint (dizem que é cinéfilo de carteirinha como nós), digitarei meus comentários.

Um forte abraço, meu amigo (q legal isso! A gente nunca se viu pessoalmente e já parece que nos conhecemos desde ó! Mil anos!)

 
At 7:47 PM, fevereiro 02, 2007, Blogger Túlio Moreira said...

Well.

1) O filme estreou hoje em Goiânia. Pena que só em um cinema e ainda fica longe de casa.
2) Eastwood vale o sacrifício.
3) Duvido muito que me decepcione, já que o cara é um gênio de marca maior.
4) O patriotismo existe. Eu vi o trailer e existe em cada granúlo de película do filme.
5) Eastwood é um cara que, assim como Scorsese, SABE ser patriota, o que, a meu ver, não é defeito algum.
6) Voltarei em breve para dar o meu veredicto.
7) Beijo.
8) Beijo uma ova, tá me estranhando? Um grande abraço (e só).

 
At 8:22 PM, fevereiro 02, 2007, Anonymous Anônimo said...

Eu to em Santa Catarina bem longe de um cinemina, mas quando voltar vai ser o primeiro na minha lista. Muito bom o blog, bem escrito e com coisas bem itneressantes, parabéns.

 
At 8:35 PM, fevereiro 02, 2007, Anonymous Anônimo said...

Não, Otavio, achei mesmo o contrário que você. Para mim, o filme começa muito melhor do que termina. O único personagem que achei bem desenvolvido foi o do Adam Beach, aí sim o Eastwood me emocionou. Ele deve mesmo analisar o lado japonês em "Cartas", mas aqui ele se esqueceu completamente do outro lado (por isso acho que "Cartas" deve ser bem melhor).

 
At 10:52 PM, fevereiro 02, 2007, Blogger Kamila said...

Otávio, se você já acha "A Conquista da Honra" um grande filme, não quero nem saber o que você achará de "Cartas de Iwo Jima".

Grande texto!

Beijo e bom final de semana!

Vá para a pré-estréia de "Borat"! ;-)

 
At 4:37 PM, fevereiro 03, 2007, Blogger Wanderley Teixeira said...

Assim como vc respeitou minha opinião sobre Babel,porém discordando,me dou no mesmo direito com relação a esse A Conquista da Honra...Sinceramente cara,não achei em momento nenhum o filme comovente ou coisa do tipo,tampouco piegas.Diria q o filme é morno.Nem a elogiosa atuação de Adam Beach me comoveu.Dessa vez acredito q Paul Haggis errou legal e as cenas de batalha naum acrescentaram em nada com relação a outros filme do gênero.Os personagens não trazem nenhuma empatia ao público.Sinceramente,não gostei.Se há algo q dou valor nesse filme foi justamente o q vc falou,ele naum se entregou a um patriotismo burro,quando poderia cair facilmente.Mas mesmo assim saiu em cima do muro.Pois o tema central,da criação do mito,é aplicado a qualquer sociedade.Não gostei do filme naum Otávio.

 
At 3:16 AM, fevereiro 04, 2007, Anonymous Anônimo said...

Não vou ler sua resenha ainda. Verei o filme na segunda, ai passo aqui pra deixar um comentário. Quero tirar proprias conclusões...

Ahhh tem um post exclusivo no blog, da uma olhada la.
Abraço!!!

 
At 2:40 PM, fevereiro 04, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

Obrigado, Diego!!

Tulio, bom ver seus comentários de novo!!

Kamila, vc viu CARTAS DE IWO JIMA?? Verei dia 12 na pré da SET. Estou contando os dias... e vou na pré de BORAT. Não perco de jeito nenhum...

Wanderley e Vinicius, acho que o Clint quis criticar o governo americano e suas estratégias para "controlar" o povo. Acho que, durante o filme, o Clint quebra o teor patriota. O próprio conceito da foto (um mito americano da vitória) é destruído. Será que uma imagem sempre vale mais do que mil palavras?? Acho que o filme é sobre isso mesmo. Ele não ficou em cima do muro pq há um segundo filme: CARTAS DE IWO JIMA. Dizem que os dois se completam... vamos ver... e esqueci de dizer que A CONQUISTA DA HONRA é uma homemagem ao cinema americano. Há essa influência do John Ford na composição do personagem do Adam Beach e o diálogo direto com O HOMEM QUE MATOU O FACÍNORA, que tb trata do "falso herói"... Achei um belo filme!

Abs!

 
At 3:38 PM, fevereiro 04, 2007, Blogger Museu do Cinema said...

Filmaço Otávio, ainda vou escrever minha crítica, e esperar Cartas...

 
At 3:59 PM, fevereiro 04, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

Vc viu então? Legal!! Depois quero ler! Galera, bom resto de final de semana! Pena que acaba...

Abs1

 
At 4:34 PM, fevereiro 04, 2007, Anonymous Anônimo said...

Otavio, valeu pela explicação. Talvez minha opinião mude ligeiramente quando ver "Cartas", porque parecem mesmo ser filmes que se completam. Bom resto de final de semana pra você também (pra mim, último dias das férias...).

 
At 5:14 PM, fevereiro 04, 2007, Blogger Kamila said...

Otávio, não assisti "Cartas de Iwo Jima", mas, tendo em vista, os comentários apaixonados que tenho lido sobre o filme dos poucos sortudos que assistiram ao filme, não tenho dúvidas de que estaremos diante de mais uma obra-prima do sr. Clint Eastwood.

Não sei se você sabe, mas nos EUA, pouca gente viu "Cartas". Uma vergonha!!!

 
At 8:12 PM, fevereiro 04, 2007, Blogger Museu do Cinema said...

para mim não é nenhuma novidade isso Kamila, o sucesso de Os Infiltrados se deve muito a isso, pq o longa japones é infinitamente melhor, o problema é Scorsese se submeter a isso. Tantos livros bons...

 
At 10:17 AM, fevereiro 05, 2007, Blogger Kamila said...

E o William Monahan, roteirista de "Os Infiltrados" já está preparando a continuação do filme, sabia Cassiano?

Scorsese numa franquia, quem diria...

 
At 11:05 AM, fevereiro 05, 2007, Blogger Museu do Cinema said...

Continua afirmando Kamila, para mim ele se rendeu, quem diria, o velho Scorsese, o velho e ótimo Scorsese, mas desde O Aviador ele se entregou ao estabilishment.

Dizem que o melhor ator do Os Infiltrados, Mark Whalberg deverá ser o protagonista. Para quem já trabalhou com De Niro, Scorsese só tem melhorado.

 
At 11:13 AM, fevereiro 05, 2007, Blogger Kamila said...

"O Aviador", para mim, foi a decepção com Scorsese. Me mostrou o quanto ele faria para ganhar um Oscar.

E eu continuo afirmando, Cassiano: Mark Wahlberg é o ator mais superestimado do ano pela sua performance (?) em "Os Infiltrados". Me poupe!!!!

Também acho que o Scorsese não deveria se render à franquia. Isso não pega bem para um diretor com o nome que ele tem.

Dá uma lida nesse artigo aqui, Cassiano, para você ver como a história por trás de "Os Infiltrados" é engraçada. O pessoal que faz a assessoria do filme não queria que ele fosse premiado por tal filme, pois ele era uma peça de "entretenimento". Como o mundo dá voltas....

http://goldderby.latimes.com/awards_goldderby/2007/02/dga_hooray_star.html

 
At 6:48 PM, fevereiro 06, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

Puxa, eu gosto de O AVIADOR....

 
At 8:51 PM, fevereiro 07, 2007, Blogger Túlio Moreira said...

Se eu fosse um herói de guerra (...), acho que não gostaria desse filme de Eastwood. Aliás, ainda falta AQUELE filme definitivo de guerra, pra cineasta nenhum nunca mais tocar no assunto. Apocalypse Now e Full Metal Jacket chegaram perto...

Menina de Ouro: é incrível como Eastwood conseguiu fazer de uma narrativa simples ao extremo um dos melhores filmes da década. Esse sim é a obra-prima clintiniana (sic).

 
At 6:46 PM, fevereiro 08, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

Acho que ainda há muito o que dizer sobre a guerra... Ainda veremos muitos filmes do gênero.

Abs!

 
At 7:06 PM, fevereiro 08, 2007, Blogger Davi G. Araújo said...

Embora não seja um filme ruim, achei o ritmo um tanto arrastado! As atuações foram medianas para um projeto tão ambicioso!

Concordo mesmo com você: o clint tira emoção até de pedra!

Abs!

 
At 11:31 PM, março 06, 2007, Anonymous Anônimo said...

Outro filme brilhante e arrasador. A história ainda está em minha mente e as marcas de Eastwood dificilmente decompõem. Adam Beach está estupendo. Visual arrebatador.

3.5/4 estrelas.

 

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