Filhos da Esperança
Após fazer o melhor filme da série Harry Potter, o mexicano Alfonso Cuarón prova (para quem ainda não sabia) ser um grande diretor em Filhos da Esperança (Children of Men, 2006). Estou falando do ofício mesmo – alguém em plena forma por trás das câmeras com total controle narrativo e criativo ao deixar sua história ser contada, praticamente, com imagens.Particularmente, ainda estou me perguntando como ele conseguiu filmar aqueles dois planos seqüência da perseguição ao carro e o tiroteio no final. Por quantas vezes ele filmou essas cenas? Na verdade, não são apenas dois momentos sem cortes. Filhos da Esperança abre com uma seqüência ininterrupta (até o título do filme surgir na tela) com Cuarón nos situando no “onde”, “quando” e “porquê”. O ex-ativista Theo (Clive Owen) entra em uma cafeteria como quem não quer nada, pega seu café e sai. Ao contrário do protagonista, todos dentro do estabelecimento acompanham a notícia da morte de Diego, a pessoa mais jovem da Terra. O ano é 2027 e as mulheres perderam a fertilidade. A vida no planeta está ameaçada, o caos impera e a única pessoa que dava esperança ao mundo acabou de ser assassinada. Sabemos disso tudo ali e Theo caminha pela calçada até ser surpreendido pela explosão da cafeteria. Isso está no livro de P.D. James ou Cuarón bebeu na fonte de Orson Welles e sua abertura para o clássico A Marca da Maldade? Ao menos, cinematograficamente, ele deve ser fã (como muitos) daquele plano seqüência que abre o filmaço do diretor de Cidadão Kane.
Outro ponto interessante é a composição de Theo. Clive Owen encarna um herói traumatizado e sem razão para viver. Há uma luz no fim do túnel para o protagonista (e a Humanidade), quando ele conhece Kee (Claire-Hope Ashitey), uma menina que se apresenta como a primeira grávida em quase duas décadas. Theo precisa protegê-la até encontrar os integrantes de um tal “Projeto Humano”, que garantiria segurança para a menina e o bebê.
Além da perfeição técnica (especialmente a fotografia de Emmanuel Lubezki), o filme provoca uma sensação visceral do pesadelo urbano visto na tela. É muito fácil aceitar essa visão do futuro de Filhos da Esperança. Sei que Cuarón já disse não encarar seu filme como uma ficção científica, mas há cenas (como o jantar entre Clive Owen e Danny Huston) que parecem saídas de um storyboard rejeitado de Laranja Mecânica. Acho que ele, ao menos, aprecia os filmes de Stanley Kubrick.
Filhos da Esperança é uma experiência rápida, brutal e emocionante. Como em seus trabalhos anteriores, Cuarón sabe como armar o tabuleiro e até conclui de forma direta e sem nunca enrolar o espectador. Mas sempre é um tanto seco em seus finais – fica um ligeiro incômodo quando o filme termina. Não sei ainda se isso é um problema, mas Filhos da Esperança fica registrado na memória mais como um filme feito por alguém que se preocupa com o futuro do cinema do que pelo poder de sua história. Uma impressão que pode desaparecer daqui a alguns anos ao rever e “triver” Filhos da Esperança.
Filhos da Esperança (Children of Men, 2006)
Direção: Alfonso Cuarón
Elenco: Clive Owen, Claire-Hope Ashitey, Michael Caine, Peter Mullan, Danny Huston e Julianne Moore
16 Comments:
Texto perfeito, Otávio. Não fiquei tão apaixonada assim pelo filme, mas acho que ele figurará no futuro como uma das obras importantes no cinema, pelo conteúdo, pelo visual e pela direção. Um trabalho extremamente maduro, de um diretor que tem consciência do seu papel e da dimensão do seu talento.
É... na verdade, eu fiquei indeciso entre três estrelas ou três estrelas e meia. Optei pela segunda, mas acho que é um grande trabalho do diretor e que merece mais atenção em uma possível revisão.
Bjs! E obrigado!
estou me sentindo um excluido por ainda não ter visto o filme.
Ainda não li seu post, volto mais tarde para ler e comentar.
abs
Pronto, agora lido o texo posso comentar...primeiro me despertou muito por vc falar sobre a abertura inicial do filme. Adoro essas grandes aberturas, sou daqueles que pensam que a primeira impressão é a que conta.
Depois sua comparação com Laranja Mecanica, que para mim que não vi o filme, soa estranho, já que Laranja... possui uma identidade visual única. No mais belo texto Otávio.
Também gostei muito de Filhos da Esperança. E também me pergunto como foi possível fazer aquelas cenas enormes sem cortes. Admirável!
Obrigado, Cassiano! Na verdade, são coisas da minha cabeça... acho que essa cena me lembra aquele momento de LARANJA MECÂNICA em que o Malcolm McDowell janta com aquele cara na cadeira de rodas... lembra? O cenário, a situação... Não achei cópia, mas tive essa lembrança... Quanto à abertura de FILHOS DA ESPERANÇA... é assim mesmo. Bem mais curto que o início de A MARCA DA MALDADE, mas têm esses dois longos planos seqüência que são ótimos. E não fazem parte da abertura.
adoro planos sequencias, me lembro sim da cena de Laranja Mecânica que revi recentemente para fazer seu post em breve no Museu, aquele cenário é demais. E olha que o filme foi filmado em 1971.
Esse filme é magnifico. Cenas imensas sem nenhum corte, personagens bem estruturados, atuações ótimas e uma direção de se cair o queixo. Eu acho que é um dos filmes que vai, e já está, fazendo as pessoas pensar no futuro como uma coisa inevitavelmente ruim por causa das coisas que fazemos hoje.
Passe lá no meu blog, critica do (odiado por vc) Babel...
Po cara, desculpa, não gosto de ler sobre um que tenha visto e q queira muito ver para não ter influenciada minha opinião ou tirar a surpresa...mas assim que conseguir ver eu passo aque pra comentar!!..hehehe
ei..to com um outro blog agora também, que divido com uma amiga, se puder passa lá!
http://cineirreverencia.multiply.com
abraço!
FELIZ ANIVERSÁRIO, Otavio!
Que vc assuma o roteiro e direção da sua vida, e que ela seja como um bom filme, daqueles que a gente sai do cinema com um sorriso de satisfação no rosto. Desejo também que ela tenha de tudo um pouco: aventura, romance, comédia e, principalmente, um final feliz.
Bjuss!
Também tem que ter um pouco de ação (...)!
Tá aí, o México tem uma tríade (?) de diretores da qual pode se orgulhar: Del Toro, Cuarón e Iñarritu... O Brasil tá com o Salles e o Meirelles (de grande destaque mesmo). É, o cinema latino, que bom, caminha a passos largos (agora).
abraço!
FILMAÇO! A melhor produção que eu assisti o ano passado. Tinha certas reticências a filmografia de Alfonso Cuarón, mas depois de ter visto Filhos da Esperança, calo-me para sempre. Sou fã ardoroso de ficção-científica e fiquei extasiado com os planos-sequência do filme (aquela cena em que Clive Owen e a grávida correm pelas ruas daquela "bagdá futurista" é simplesmente extraordinária!).
P.S: crítica da semana em claquete (http://claque-te.blogspot.com): Déjà Vu, de Tony Scott.
Abraços do crítico da caverna.
Oi Roberto! Gostei de "Bagdá futurista"! Parece mesmo. Tem razão. Vou dar uma olhada lá na sua crítica para DEJA VU. Ainda não vi o filme, mas passo lá daqui a pouco.
Rodrigo, já leio sua crítica para BABEL.
E Flavia, obrigado!
Abs a todos e bom final de semana!
Victor, vou passar lá em seu novo blog, ok? Obrigado!
Abs!!!!
Grande filme, não tenho muito o que dizer, você já o descreveu de forma perfeita: é uma experiência rápida, brutal e emocionante!
Excelente e extremamente memorável longa. Inesquecível e grandioso em todos os sentidos possível. A melhor fotografia do ano.
3.5/4 estrelas. tambem.
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