Pecados Íntimos
Há algo de Beleza Americana (1999) ou Desperate Housewives no novo filme de Todd Field, de Entre Quatro Paredes (2001). O tom tragicômico dessas referências é usado aqui ao extremo. Pecados Íntimos (Little Children, 2006) é muito mais forte e sugere uma ousadia na presença de um narrador (em off) dotado de afiada ironia como não se vê desde Barry Lyndon (1975), de Stanley Kubrick (lógico que a comparação com o clássico pára aqui).Como se estivesse lendo um livro, o narrador situa o filme em uma vizinhança aparentemente normal. O fio condutor é Sarah (cortesia da extraordinária Kate Winslet), uma insatisfeita dona de casa que parece não ter se adaptado como mãe. Há um arrependimento evidente em seu olhar que denuncia uma vida interrompida pelo casamento infeliz. Sarah é especialista em letras, mas passa o dia cuidando da filha e esperando o marido voltar do trabalho. Ela conhece Brad (Patrick Wilson, de Menina Má.Com), um pai ocupado com os afazeres domésticos, incluindo os cuidados com o filho. Sustentado por uma mulher linda e bem-sucedida (Jennifer Connelly), Brad também é um fracassado na vida profissional e os caminhos desses desiludidos se cruzam no parquinho preferido das crianças das redondezas. Apesar das semelhanças, Sarah tem mais coragem para melhorar sua rotina, enquanto Brad é mais impulsivo (infantil?). Como uma moderna Madame Bovary, ela se entrega de corpo e alma ao inevitável caso, enquanto ele se interessa apenas por uma “aventura” (chegando até mesmo a considerar a esposa mais bonita do que Sarah).
Mas há um personagem em Pecados Íntimos que conecta todos os outros para justificar o título original do filme: Ronnie (Jackie Earle Haley) acabou de sair da prisão por crime de pedofilia. A vizinhança se desespera com seu retorno à “vida normal e pacata” da região. O homem chamado de monstro não tem direito a uma segunda chance? É uma questão que divide os outros personagens – quase todos são pais e o nascimento de seus filhos representa uma fuga do marasmo. Será que o destino de todos pode ser o mesmo da mãe de Ronnie, que criou o filho debaixo da saia até o fim da vida? Esse é o ponto interessante de Pecados Íntimos: Ronnie ainda é uma criança e convive com a sombra da mãe. Talvez, seu crime atroz seja justificado pela recusa do personagem em não crescer. Mas se olharmos bem, todos os outros, incluindo Sarah e, principalmente, Brad, são crianças em corpos de adultos. Enquanto ela tenta se libertar dessa condição, ele continua com dúvidas se quer mesmo deixar sua “criancice” de lado. Ou seja, o filme captura o espectador nessa análise de uma sociedade que nunca será completamente madura.
As atuações de Jackie Earle Haley e Kate Winslet garantem a força do filme. Aliás, Haley tem uma cena nervosa que fica na memória: sua entrada na piscina. Mas quase tudo desanda no final com alguns exageros de Todd Field, principalmente em suas conclusões nas atitudes de Brad. Há uma falsa moralidade criticada pelo diretor no final. É uma opção que dá um caráter derrotista ao filme – parece que Pecados Íntimos acaba indo do nada a lugar nenhum. Exatamente no mesmo ponto onde acho que Beleza Americana compromete sua excelência. Só que o vencedor do Oscar carrega nas emoções em seu final para disfarçar isso. Todd Field é mais seco em Pecados Íntimos. Até entendo que, para mudar, seus personagens precisam se conhecer por dentro antes de tudo. Mas fica uma sensação de culpa em seus atos, que precisa ser punida. Será que o diretor perdeu a fé na história? Ou ele também é uma “criança” com medo do mundo?
Pecados Íntimos (Little Children, 2006)
Direção: Todd Field
Elenco: Kate Winslet, Patrick Wilson, Jackie Earle Haley, Jennifer Connelly e Noah Emmerich
41 Comments:
Tenho quase certeza de que vou amar o filme.
Beijo
O meu filme mais esperado!!!! Deixo pra ler a sua critica depois (nao leio resenhas antes de ir ao cinema..) Li o livro ano passado, tomara que nao me decepcione. A Kate Winslet estah mesmo maravilhosa? bjos
Tb quero ver esse!!
Bjs!
Eu gosto muito do filme... até o final. Não concordei com as soluções... principalmente com o personagem do Patrick Wilson. Mas é forte e impressiona em algumas cenas. Ainda assim, acho que o elenco é impecável. A Kate Winslet sempre está ótima, mas aqui ela expõe uma coragem que eu ainda não tinha visto nela como atriz. Falando em Oscar, eu votaria na Helen Mirren... em segundo lugar, eu colocaria a Meryl Streep, e a indicação da Kate Winslet é merecidíssima. Mas quem mais me impressionou foi o Jackie Earle Haley. Não sabia que o cara era tão bom....
Abs!
Não assisti ao filme e, assim como Romeika, não gosto de ler críticas sobre os filmes que eu ainda não assisti.
Eu gostava muito de Todd Field, o diretor desse filme, quando ele participava como ator no seriado "Once and Again". Me lembro que, quando vi que ele estava indicado ao Oscar por "Entre Quatro Paredes", fiquei impressionada e curiosa para assistir ao seu trabalho como diretor e roteirista.
Me decepcionei com "Entre Quatro Paredes" e não gosto do filme até hoje. Por isso, minhas expectativas com "Pecados Íntimos" não são altas. Mesmo assim, por gostar muito da Kate Winslet e do Patrick Wilson (sou capaz de ficar o dia todo escutando a voz linda dele), vou conferir o filme.
Achei um dos trabalhos mais perfeitos desta temporada...Não gostei muito de Entre quatro Paredes,acredito que com Pecados Íntimos Todd Field se redimiu muito mais pelo excelente material de Tom Perrotta que tinha em mãos.Além de Winslet e Haley dou créditos tb a Jennifer Connelly que fez com perfeição Kathy.Não vi moralismo algum no final de Pecados Íntimos,Otavio,se vc se refere ao fato de que o caso entre Sarah e Brad naum foi mantido é bem explicado isso no fim do filme.O prq.Excelente mesmo!
Otavio, mas seus textos são bons mesmo, hein? Gosto muito das comparações, desde Madame Bovary até detalhes como a narração em off de Barry Lyndon.. Pecados Íntimos tem tudo pra ser filmão. E claro, tem tudo e mais um pouco (me refiro a Kate Winslet, claro).
(P.S.: pergunta pra vc no post de Australia)
Abraço!
Era eu!
Obrigado, Tulio! Valeu mesmo! E não gosto do Sr. Baz Luhrmann... sorry...
Kamila, eu detesto ENTRE QUATRO PAREDES. Não gosto de dramas... secos demais. Assim... sem nenhuma gotinha d'água. Sabe? Fui ver PECADOS ÍNTIMOS sem expectativas e gostei, embora o final não seja o ideal para mim.
Galera, possíveis spoilers em minha discussão com o Wanderley(Não digam que não avisei):
Wanderley, não disse "moralista". Apontei uma... "falsa moralidade". Entendeu? Acho que Tom Perrota e Todd Field querem criticar o conformismo, a segurança das pessoas ao seguir com a vidinha monótona... fazem tudo aquilo e se arrependem no final. Melhor ser infeliz até a morte do que arriscar uma vida nova. Entendeu? Por isso, eu disse que eles criticam esse "moralismo". Mas o "moralismo" que eu disse não está na história, mas na maioria da pessoas da nossa realidade. É isso. Só acho que há um exagero em fazer um filme inteiro com os personagens extrapolando para depois voltar atrás... É a minha birra com o personagem do Kevin Spacey em BELEZA AMERICANA. Ele faz tudo aquilo e, no fim, antes de levar o tiro, ele suspira ao ver a família naquela foto. Parece um arrependimento, sabe? Eu vi assim. Mas gosto de BELEZA AMERICANA, mas assim como PECADOS ÍNTIMOS, não acho extraordinário. No filme do Todd Field, não gosto da cena do Brad andando de skate... Pra quê aquilo? Só pra mostrar a imaturidade dele? Acho que ele jamais faria aquilo naquela altura do campeonato. Mas enfim... ;-)))
Abs!!!!
Não precisa pedir desculpa Otavio, porque eu não vou pedir para você quando discordar de algum gosto seu, hehehehehehehe...
O amor por cinema é isso aí, entre tapas e beijos..
grande abraço!
Isso aí, cara! Viva o cinema!!!!
Abs!
Ipi ipi hurra! (e eu aqui de novo no Cine Ouro - lan house grátis, hehehehehe - pra conferir mais um De Oliveira's...). Brasil x Portugal terminou quanto?
Abraço!
O jogo terminou 2 X 0 para Portugal, Túlio.
Vou falar sério. Gostei bastante do filme, mas esperava mais, até porque no início parecia mesmo que estava diante de uma obra-prima. Como você disse, é uma mistura de outros trabalhos, como "Beleza Americana" e "Desperate Housewives", entre outros. O melhor é a narrativa em off, até porque o roteiro é brilhante (merecia até o Oscar, apesar de preferir "Os Infiltrados" e "Filhos da Esperança" como um todo). A Winslet sempre está tão bem que fica difícil encontrar uma performance mais memorável em sua carreira. A cena da piscina é mesmo um dos pontos altos, mas também não gostei de algumas soluções expostas no final (dizem que na conclusão há algo diferente em relação ao livro, mas ainda não o li para confirmar isso).
Filmaço Otávio, para mim, de longe, o filme do ano, as interpretações são maravilhosas, o roteiro é perfeito, a direção é segura e competente, o clima (fotografia) é surpreendente, enfim, um filmão para ver, rever e discutir muito.
São filmes assim que ainda me fazem acreditar que Hollywood tem jeito.
Como é bom discutir a arte com diversas visões... iguais ou não.
Abs, galera!
Como NÃO é bom saber que o Felipão trocou de camisa, hehehehhehehehe...
Agora captei...kkkkkkkkkkkkkkkk
Apesar de achar todas as situações postas de forma perfeita no filme,entendi o q quiz dizer...
"I love the smell of napalm in the morning"
Porra louca, esse personagem-surfista do Robert Duvall me fez entender o significado da palavra antológico.
Abraço!
Esse é um dos filmes dessa temporada pré-oscar que estou querendo muito ver (mas ainda não estreou de fato aqui no RJ e pré-estréia fica sempre complicado pra mim). Dizem que a Kate Winslet está fantástica.
(http://claque-te.blogspot.com): Vôo United 93, de Paul Greengrass.
Pronto Otávio, crítica de A Conquista da Honra publicada.
Abs
Otavio, e Cartas de Iwo Jima, qual o veredicto? Alguma ameaça para Scorsese?
Abraço, seu sortudo @#$%$%$
Ameaça para Scorsese? Realmente o nível do Oscar caiu bastante se Os Infiltrados ganhar.
Tulio, APOCALYPSE NOW é o melhor filme de guerra que não é sobre a guerra já feito. Entendeu? Não vi CARTAS DE IWO JIMA ainda. A pré será segunda-feira. Mas já vi o trailer umas 500 vezes no www.apple.com/quicktime
Cassiano, li sua crítica para A CONQUISTA DA HONRA e concordo com vc... vc escreveu muito bem e definiu o filme perfeitamente. E vc sabe que eu gosto de OS INFILTRADOS, né? Discordamos sobre esse filme do Scorsese, mas acho que ele ganha como Melhor Diretor. Se não por OS INFILTRADOS, será um prêmio pela excepcional carreira.
Roberto, a Kate Winslet está fantástica em PECADOS ÍNTIMOS, mas a Helen Mirren merece o Oscar por A RAINHA.
Abs!
Nenhum outro filme de guerra encaixa Satisfaction na trilha e começa com The End de forma magistral.. Você tem razão, é um filmaço!
Sim, e corrija-me se eu estiver enganado... mas acho que foi o primeiro filme a não mostrar o título na abertura... ou qq crédito... não? Aliás, não há créditos nem no final de APOCALYPSE NOW. Só colocaram créditos no final em APOLYPSE NOW REDUX.
Galera, viram que de PECADOS ÍNTIMOS, nós pulamos para APOCALYPSE NOW, né?
Abs!
Otavio, em Fahrenheit 451, que Truffaut filmou em 1966, não tinha qualquer tipo de letreiro na abertura ou no final (apenas o “The End”). No contexto do filme, se referia à proibição de ler livros ou quaisquer outros tipos de texto no universo futurístico apresentado.
Cara, só de falar de Apocalypse Now, eu já fico com tesão... o que são aqueles 30 minutos finais? O que é aquela música do The Doors? Cara, o filme é perfeito!!!! P-E-R-F-E-I-T-O!!!!!
Abraço!
PARABÉNS, 2.000 ACESSOS AO BLOG!
Assisti a Água Negra hoje. Aqui entre nós, Jennifer Connelly é ou não é uma das coisas mais lindas que Deus já desenhou? Pena que seu papel por esse Pecados Íntimos parece não ter ganho muita repercussão.
Abs!
Puxa, Tulio! Tem razão sobre o filme do Truffaut. Outro gênio tb. E a Jennifer Connelly é linda... mas eu a vi primeiro em LABIRINTO do que vc. Eu já sabia disso naquela época e ninguém dizia nada. Hahahahha...
Abs!
Pô, gosto dela desde Rocketeer (uma das melhores adaptações de quadrinhos, bem superior àquela bomba dirigida pelo mestre Ang Lee). E começar a carreira sendo dirigida por Sergio Leone não é pra qualquer uma!
Abs!
Claro, tem aquele Dark City que é de amargar, e Dark Water - cuja crítica publico amanhã - que tb deixa muito a desejar. Mas Otavio, não sei se você concorda comigo, com Jennifer Connelly no elenco, nenhum filme é fracasso total. Ela sempre é um motivo a mais para fazer valer o ingresso.
Poxa, Jennifer Connelly é tudo e mais um pouco!
Eu não me aguento de ansiedade esperando esse filme !!!
Concordo com vc, Tulio! Mas eu vi primeiro. Vi LABIRINTO dublado no cinema.
ERA UMA VEZ NA AMÉRICA só fui ver em DVD anos mais tarde...
Abs!
Otavio, gostei muito desta resenha, em especial quando fala sobre o perfil dos personagens. Ao contrário de você, não achei que os momentos finais enfraqueceram o ritmo e argumento do filme. Talvez com todos aqueles acontecimentos, os personagens finalmente viram que passou da hora de crescer, de que tinha responsabilidades que tinham de ser pensadas com muito cuidado. Já está carimbado como um dos melhores filmes exibidos no Brasil em 2007.
Obrigado, Alex! Hj vou na pré de CARTAS DE IWO JIMA. Conto depois o q achei.
Abs!
Otavio, assisti "Little Children" ontem, e apesar de ter gostado do filme, esperava muito mais. Concordo com a sua resenha e com as tres estrelas. O filme foi feliz no roteiro, na atuacao impecavel da Kate Winslet (essa nunca me decepciona), do Jackie Earle Haley, da Jennifer Connely (a sutileza que ela emprega na cena do jantar ao desconfiar da infidelidade do marido me satisfez bastante) e da mae do Ronnie.
Nao fiquei muito satisfeita na conclusao do filme. O final, apesar de manter a essencia do final do livro (essa "falsa moralidade" que vc tao bem citou), mudou o curso dos episodios narrados por Tom Perrota.
No livro nao acontece aquele alvoroco todo, nao. Tem aquela cena do skate, sim, o Brad desiste de tudo e deixa a Sarah sozinha no parquinho,esperando por ele, aih vem o pedofilo e o que se espera eh uma tragedia, mas nada acontece. Acho que o Todd Field quis dar um pouco mais de "polemica" ao seu filme e colocou aquela coisa toda do pedofilo tentanto se automutilar e tal. A personagem Ronnie eh um caso a parte. No livro, ele eh desprezivel (a unica cena que reflete isso no filme eh aquela do carro), grosso, desalmado e um tanto acima do peso, nao tem nada dessa fragilidade quase infantil do filme, que nos faz "simpatizar" por ele, sentir pena dele. Essa foi a unica mudanca que aprovei, gostei do modo que o Ronnie foi retratado no filme, assim, magrinho, vulneravel e dependente da mae, uma "criancinha".
Eh um filme que vai fluindo muito bem, mas quando chega o final...Nao gostei muito. Teria gostado mais se o final do livro tivesse sido mantido, assim o filme teria terminado com uma atmosfera de ironia, que seria bem mais interessante. Mas o Field preferiu apostar no drama.
Puxa, Romeika... obrigado! Minhas impressões sobre o filme ainda são essas... fiquei decepcionado com o final. É bom, mas é tudo isso o q vc falou... se puder, depois me conta como é o final no livro, por favor. Manda um e-mail pra mim: ottavioalmeida@hotmail.com
Bjs!
Acho que gostei do filme muito mais do que você. Simplesmente soberbo e único.
3.5/4 estrelas.
fazia muito tempo que não assistia a um filme tão irretocável como esse !!!
soberbo !
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