quinta-feira, julho 05, 2007

Ratatouille


Em Cidadão Kane (1941), Orson Welles foi original ao aproveitar a profundidade dos cenários na tentativa de “ampliar o espaço da tela”. Finalmente, o som do que acontecia no fundo de uma cena pareceu mais longínquo do que o pronunciado em primeiro plano. Entre outros detalhes curiosos, a fotografia de Kane explorou o claro e o escuro para ressaltar o estilo expressionista. Welles também aproveitou para “rebaixar” os tetos dos cenários com o objetivo de aumentar o teor dramático das cenas. Enfim, o diretor se arriscou ao estilizar a realidade de uma forma jamais vista antes. Mais tarde, o cinema incorporou essas técnicas com a chegada da cor.

É estranho, mas ao assistir a Ratatouille (2007), a nova animação da Pixar, lembrei de algumas curiosidades na produção de Cidadão Kane. Dirigido por Brad Bird, de Os Incríveis (2004), Ratatouille viaja dez mil vezes mais nos planos de fundo e em todas as outras grandes sacadas do clássico de Orson Welles. Óbvio: há um salto de 66 anos. Mas o que tento dizer aqui é que Brad Bird fez um trabalho genial de direção. E o que significa ser um diretor de verdade numa animação? Ratatouille foi feito por computador, mas Bird consegue pegar “ângulos” e enquadramentos fascinantes. É desenho, certo? Mas poderia ser um filme no sentido primitivo da palavra. Como, então, analisar cenas como a sala da casa do velho crítico Anton Ego (voz de Peter O’ Toole)? Visto de cima, o cômodo tem o formato de um caixão. Sua máquina de escrever guarda traços que lembram um crânio. Ou seja, ali mora um cara maléfico.

São detalhes que me intrigam, como a fuga dos ratinhos logo no início do filme. Debaixo de chuva, Remy (voz de Patton Oswalt) dispara pela janela e tenta alcançar os demais. Até ele vislumbrar Paris do alto de um prédio, sua correria celebra tudo aquilo que Orson Welles tentou ensinar ao cinema. E nem estou falando da perfeição técnica da animação. Nesse ponto, o fraco Shrek Terceiro também é perfeito. A animação beira a realidade. Mas Ratatouille guarda mistérios em cada frame. Mistérios que ainda precisam ser analisados com bastante calma. A excelência é tornar os movimentos reais, o campo de visão dos personagens. Olhar para frente, para trás, etc.

O roteiro? Nem preciso gastar linhas dizendo que a Pixar sempre acerta nesse quesito. O próprio lema do filme (“Qualquer um pode cozinhar”) e a idéia de ver um ratinho sendo um “mini chef” em um belo restaurante parisiense são originais. Mas não seria genial sem a presença de Brad Bird no comando. Veja bem: em muitos momentos, Remy costuma surgir próximo à câmera. Já seu amigo Linguini (voz de Lou Romano) aparece um tanto afastado. Seria para demonstrar qual dos dois é o verdadeiro mestre da gastronomia? Aliás, o atrapalhado personagem Linguini seria uma homenagem ao lendário Jacques Tati? Gosto de fazer essas ligações.

E eu não poderia deixar passar a melhor cena do filme. Para não estragar, envolve um flashback para lá de original com o tal crítico. Nunca o cinema foi tão sublime para demonstrar uma sensação de prazer. A palavra é “sublime”. É uma cena genial. De arrepiar. Alguém aí sabe se a Academia chega a considerar o trabalho de um cineasta por trás de uma animação para a categoria de Melhor Diretor? Brad Bird é o cara. Aqui, ele dita o futuro. Como Orson Welles fez lá atrás.

Ratatouille (2007)
Direção: Brad Bird
Com as vozes de Patton Oswalt, Lou Romano, Ian Holm, Brad Garrett, Janeane Garofalo e Peter O’ Toole

24 Comments:

At 5:46 PM, julho 05, 2007, Blogger Heloísa said...

Q lindo!! Estou apaixonada por Remy... ele é tão fofo!!!
Eu acho que se a animação é boa, ela merece, tanto quanto um filme, uma indicação ao Oscar. Vou assistir e depois conto, ok?
Ah.... belo texto. Parabéns!
beijos

 
At 7:17 PM, julho 05, 2007, Anonymous Anônimo said...

Belo texto e comparação, eu já tinha idéia que vc ia utilizar isso devido a nossa conversa anterior. Bem, para mim falta apenas 1 dia para assistir Cidadão Ratatouille! Abs.

 
At 7:20 PM, julho 05, 2007, Anonymous Anônimo said...

Parabéns pelo texto, Otávio!

Tudo que lí sobre Remy até agora foi inspirador, para se ter uma idéia da qualidade desse filme. Suas comparações só afirmam ainda mais que Ratatouille é o filme mais gostoso de ver e rever, só para desvendar tantos detalhes que, sim, podem ser devaneios da nossa cabeça, mas ainda assim deliciosos devaneios.

 
At 10:03 PM, julho 05, 2007, Anonymous Anônimo said...

Assim como o Luciano, também acho que você está de parabéns pelo texto, talvez o melhor que já li aqui. A comparação com "Cidadão Kane" e Orson Welles foi perfeita!

Quanto ao filme, comento melhor depois, já que não vi. Acho que a Academia deveria considerar "Ratatouille" para as categorias de melhor filme e direção, pois até agora é o longa mais elogiado do ano (e digo mais: acho que pode até dar o primeiro Oscar de roteiro para a Pixar, já que o de animação é barbada).

Abraço!

 
At 10:40 PM, julho 05, 2007, Anonymous Anônimo said...

Carambra, Otavio, você acaba de me deixar ainda mais intrigado em relação à esse filme. Maldito seja você! Mas bom texto, de verdade, amei a referência à Cidadão Kane, que estou planejando ver esta semana ainda, antes mesmo de Ratatouille, que devo conferir Domingo sem falta...mas dublado, infelizmente, já que só chegou cópias dubladas aqui. Uma pena :(

Mas depois te falo o que achei.

 
At 11:58 PM, julho 05, 2007, Anonymous Anônimo said...

Otávio, li no jornal de hoje que Ratatouille foi assumido pelo Brad Bird no meio do projeto, pois o diretor anterior, Jan Pinkava (do curta Geri´s Game), parece que não estava dando conta do recado. Você sabia?

 
At 1:09 AM, julho 06, 2007, Anonymous Anônimo said...

Bacana o texto Otávio !!!
Ratatouille tem tudo pra ser a animação do ano !!!!
Como a maioria eu tbm vou assistir no domingo e levarei minha filha pra ver tbm !!!
Em homenagem à ela termino escrevendo o nome do filme como ela fala: Ratatuvile !!!
obs.: Ao tentar ensiná-la a falar certo ouvi a seguinte resposta: Ô mãe, o que importa é que você entendeu qual o filme e, o ratinho é fofo demais !!!

 
At 8:51 AM, julho 06, 2007, Blogger Romeika said...

Nossa, Otávio, comparar a direção de uma animação de 2007 com o clássico de Orson Welles. Agora é que eu fiquei mesmo ansiosa pra ver esse filme. Muito bom o texto, bom fds! ^^

 
At 10:05 AM, julho 06, 2007, Blogger Flávia said...

Arrasou no texto! Acho que vejo o filme amanhã. ;-)

Áurea, Ratatuvile... adorei! Hahaha!

Bjs!

 
At 11:11 AM, julho 06, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

Muito obrigado, pessoal! Gostaria que vcs voltassem aqui para discutir o filme depois. Espero que vcs gostem. Para mim, é o filme do ano! Até o momento...

Áurea, passe mais vezes para falarmos sobre cinema. E Denis, eu não sabia disso, mas sei que a animação foi feita sem motion capture.

Abs a todos! E bom final de semana!

 
At 11:05 PM, julho 06, 2007, Anonymous Anônimo said...

Otavio. O quão bom foi confirmar tudo o que li em sua crítica vendo o filme agora há pouco! A cena do flashback com o crítico é memorável mesmo, cheguei a chorar. Maravilhoso!

Abraço!

 
At 5:32 PM, julho 07, 2007, Blogger Kamila said...

Belíssima crítica, Otávio.

"Ratatouille" é o melhor filme de 2007, até agora. Uma história de apelo universal, um trabalho muito bom de direção. Espero que a Academia considere este filme não só na categoria de Melhor Filme de Animação, como também nas de Melhor Filme, Diretor e Roteiro Original.

Bom final de semana!

 
At 9:35 PM, julho 07, 2007, Blogger Wiliam Domingos said...

Cada vez mais me interesso por este rato da foto, que nem o nome ainda sei direito...só sei que são vários os blogs que ele está presente, e com boas críticas!
Aqui novamente acontece isto...
rsrsrs
interessante a sua observação e comparações com o Cidadão Kane!
Abraço
http://eco-social.blogspot.com/
(Mr. Mestre lá no blog)

 
At 11:28 PM, julho 07, 2007, Blogger André Renato said...

Muito boa a associa�o com Orson Welles!!

 
At 12:54 PM, julho 08, 2007, Anonymous Anônimo said...

Devo assisti-lo apenas após o feriado. Mas seu texto me deixou mais curioso do que eu já estava! Boto fé nesse longa, e olha que eu fui um dos poucos a ADORAR Carros.

Li num site, que o Reserva Cultural está oferecendo o prato Ratatouille antes ou depois do filme para os espectadores. Isso é que é "mergulhar no lançamento"!

 
At 2:52 PM, julho 08, 2007, Blogger Flávia said...

Adorei o filme! É divertido, emocionante... uma graça! Sua crítica está perfeita.

E que vontade de visitar Paris qdo eu saí do cinema!

Bjs!

 
At 2:58 PM, julho 08, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

Obrigado, amigos!

O filme é maravilhoso! E depois de ler todos os comentários aqui (ou no blog de vcs), a vontade que dá é de entrar agora no cinema para outra sessão de RATATOUILLE.

Abs a todos! E bom final de semana!

 
At 4:09 PM, julho 08, 2007, Anonymous Anônimo said...

Rapaz, preciso ver esse filme, urgente!

 
At 8:53 PM, julho 08, 2007, Anonymous Anônimo said...

Otávio, Ratatouille é muito bom, mas não concordo em suas comparações com o clássico de Orson Welles, muito mais inovador e eficiente na sua narrativa. Acho essas comparações descabidas e Orson Welles deve estar se revirando na sua tumba com tal infâmia. A cena do flashback relembra a obra de Proust e sua madeleine. Só digo uma coisa para vôce: " Rosebud". Abraços.

 
At 7:09 PM, julho 09, 2007, Anonymous Anônimo said...

Vi o filme Otavio e sem muitas palavras, é realmente sublime!

Comento mais profundamente no Cine Vita.

 
At 10:26 AM, julho 10, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

Mas Anônimo, eu não disse que RATATOUILLE é um CIDADÃO KANE. Seria uma ofensa a Brad Bird e uma ofensa a Orson Welles. O que eu disse foi a evolução do cinema a partir do clássico absoluto de Welles atingindo o ponto máximo em RATATOUILLE. Animação ou não, o filme utiliza (com genialidade) elementos "inaugurados" por Orson Welles, em CIDADÃO KANE: exploração do plano de fundo, flashbacks originais (a cena do crítico), a câmera no teto, na altura da cabeça do rato para mostrar o que ele está vendo, etc... É só uma "lembrança" de tudo aquilo que Orson ensinou aos cineastas. Aqui, obviamente, Bird eleva esses conceitos à milésima potência. É só isso. Lembrança, devaneios... como disse um colega aí em cima. Da próxima vez, leia com mais atenção. Ou não leia mais.

Abs!

 
At 11:33 AM, julho 11, 2007, Blogger Carla Martins said...

Tenho absoluta certeza de que vou adorar!

Tentarei assistir nesse final de semana.

Depois passo aqui pra contar o que achei.

Beijos

 
At 11:46 PM, julho 12, 2007, Anonymous Anônimo said...

Pessoal, assiti RATATOUILLE com muito prazer e, tbm fiquei com uma enorme vontade de repetir a "Sessão Pipoca".
O filme todo em si é emocionante.
Não sou crítica e nem fanática por cinema mas,trabalho em uma locadora e, ver filme tornou-se mais que um hobby.
Caro Otávio, após assistir à Ratatouille posso realmente concordar com você sobre o texto inicial.
A Pixar está se aprimorando à cada animação e, que venha o Oscar !!!

 
At 12:45 PM, julho 13, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

Muito obrigado, Áurea! E apareça mais vezes... Gosta de HARRY POTTER? É a discussão do momento...

Bjs! E bom fim de semana!

 

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