quinta-feira, abril 03, 2008

Medo da Verdade


Nunca li os livros de Dennis Lehane, mas pelas adaptações de Sobre Meninos e Lobos, de Clint Eastwood, e Medo da Verdade (Gone Baby Gone, 2007), estréia do ator Ben Affleck como diretor, suas histórias exploram uma tristeza rara ou uma melancolia escondida bem no fundo da alma, que o ser humano expõe numa inesperada situação de violência.

Medo da Verdade é a quarta "aventura" literária dos detetives urbanos Patrick Kenzie (Casey Affleck) e Angie Gennaro (Michelle Monaghan), mas a primeira para o cinema. Aqui, eles investigam o desaparecimento de Amanda (Madeline O'Brien), uma garotinha de quatro anos. A polícia julga o casal pela juventude e inexperiência, mas a vizinhança sabe que eles conhecem muita gente em Boston, e que são capazes de ajudar.

Aos poucos, Medo da Verdade parece ganhar forma do filme-padrão de sábado à noite na TV aberta. Mas a direção segura de Ben Affleck e seu roteiro cheio de camadas (escrito também por Aaron Stockard) revelam um filme mais intrigante do que sua aparente inocência.

E quem diria? Ben Affleck pode não ser um grande ator, mas é um diretor repleto de boas intenções para animar o marasmo oferecido pelo cinema recente. Sua câmera não quer aparecer mais do que os atores. Nada de closes que denunciam os pensamentos dos personagens - Affleck não entrega os vários segredos deste filme antes da hora certa e segura a atenção do espectador até a última cena sem reviravoltas forçadas, que viraram moda. Como um bom contador de histórias, o diretor sabe que ainda é possível explorar temas batidos com alguma originalidade. Ironicamente, Affleck também sabe comandar seu elenco. Além do casal principal, temos Morgan Freeman e Ed Harris em alta voltagem. Sem falar em Amy Ryan, que disputou o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante como a mãe viciada e alcóolatra de Amanda.

Se tudo isso já abre um sorriso no rosto do cinéfilo que busca produções com roteiros de qualidade, imagine só como é o final de Medo da Verdade. É algo que muda completamente o tom do filme e faz o espectador querer voltar e rever a mesma trama já sabendo como ela vai acabar. Com o final revelado, Medo da Verdade se encaixa na opinião do grande cineasta Billy Wilder sobre a conclusão de um filme. Para o genial diretor de Crepúsculo dos Deuses e Quanto Mais Quente Melhor, se o final é maravilhoso, o público esquece e perdoa o resto.

É a conclusão que eleva o nível de Medo da Verdade e tira sua credencial para o Supercine. Neste momento, Ben Affleck mostra que seu filme não é necessariamente uma análise sobre seqüestro e violência, mas uma discussão sobre regras ou dogmas da sociedade. A decisão final de Patrick, personagem de Casey Affleck (o irmão talentoso de Ben, mas dono de uma voz horrenda) vai deixar muita gente pensando neste filme por um longo tempo. Isso sempre é bom sinal.

Só tiro uma estrelinha da crítica por causa do lançamento cafajeste da distribuidora diretamente em DVD. Se não posso ver um filme de primeira linha numa sala de cinema somente por causa da decisão de alguns executivos que não entendem nada de arte, eu também não posso reconhecer suas qualidades. Brincadeira. Eu não tiraria uma estrela por isso, mas dá vontade. É que Medo da Verdade talvez dependa demais de seu final. Mas na atual conjuntura do cinema, Ben Affleck está de parabéns.

Medo da Verdade (Gone Baby Gone, 2007)
Direção: Ben Affleck
Roteiro: Ben Affleck e Aaron Stockard (Adaptado do livro de Dennis Lehane)
Elenco: Casey Affleck, Michelle Monaghan, Ed Harris, Amy Ryan, John Ashton, Morgan Freeman e Amy Madigan

19 Comments:

At 4:19 PM, abril 03, 2008, Blogger Kamila said...

"Medo da Verdade" é um belíssimo filme que merecia, sim, ser visto em uma sala de cinema.

Como li a obra de Dennis Lehane, posso dizer que o Affleck fez um excelente trabalho. Até as modificações na trama surtiram um efeito excelente.

Seu texto está excelente, Otavio.

E, por mim, a família Affleck perde um ator. O Ben tem que ficar na cadeira de diretor. :-)

Beijos.

 
At 4:27 PM, abril 03, 2008, Blogger Otavio Almeida said...

Obrigado, Kamila! E você está lendo NA PRAIA... Dá um filme também? O que é?

Bjs!

 
At 4:28 PM, abril 03, 2008, Blogger Museu do Cinema said...

Quero ver esse filme, mas acho que o pirata é mesmo mais acessivel.

 
At 5:33 PM, abril 03, 2008, Blogger Kamila said...

Otavio, "Na Praia" é um romance curtinho sobre dois jovens que partem em lua-de-mel. Eles são virgens e estão naquela fase de transição entre era vitoriana (um momento bem conservador para a sociedade inglesa) e aquela época de revolução sexual. Eles não sabem como lidar com seus desejos e o livro fala sobre isso, sobre repressão e sobre obrigação.

É uma história bem interessante, mas que eu ainda não consegui terminar por pura falta de tempo.

E acho que daria um filme legal, mas o roteirista teria que acrescentar um bocado de novas situações. Porque, como eu disse, o livro é curtinho.

Beijos.

 
At 5:48 PM, abril 03, 2008, Blogger Otavio Almeida said...

Cassiano, aluga o filme em DVD, rapaz!

Kamila, obrigado pela informação. Não sei se dá um filme, mas já imaginei a Keira Knightley nessa história ao ler seu comentário.

 
At 5:58 PM, abril 03, 2008, Anonymous Anônimo said...

Olha, achei um filme mediano, assim como "Sobre Meninos e Lobos" do mesmo autor - o qual alguns pontos aqui aparecem novamente. Gostei de ver Ed Harris em uma atuação decente depois de muito tempo. Ele e Ryan são os donos do filme. Pena que ela aparece pouco. e quanto as reviravoltas, considerei elas um pouco forçadas sim, tipo... "tem sempre uma nova surpresa". Quanyto a voz de Casey, achei que era só eu q considerava sua voz terrível - até achava que em Jasse Jemes ele compunha uma forma de falar, ams não - é a propria voz. rsrsrs
inté

 
At 6:29 PM, abril 03, 2008, Blogger Otavio Almeida said...

Pois é, Felipe. Também pensei que fosse parte da composição dele para o papel de Robert Ford. Mas o cara fala assim mesmo.

Até achei que a voz era inspirada no Marlon Brando, de O PODEROSO CHEFÃO... Mas viajei feio.

Mas eu adoro SOBRE MENINOS E LOBOS, que é superior a MEDO DA VERDADE.

Abs!

 
At 6:38 PM, abril 03, 2008, Blogger Kamila said...

Otavio, o engraçado é que eu também imaginei a Keira Knightley no papel principal feminino desse filme. :-)

Beijos.

 
At 6:53 PM, abril 03, 2008, Blogger Kamila said...

Isso, se um dia, o livro for adaptado ao cinema, é claro.

 
At 10:05 PM, abril 03, 2008, Anonymous Anônimo said...

Bem, concordo, o filme de Eastwood é bem superior, um longa que conseguiu mexer comigo de maneiras inesperadas. Mas Affleck faz bem. Este é um filmão que merecia ter sido apreciado nos cinemas. Concordo que o ponto forte está em seu desfecho, assombrador. No desafio á audiência, no questionamento, no estudo marcante de personagens e intenções. É um belo filme. Tenho ressalvas com algumas cenas das quais senti tiveram uma mão pesada demais. Mas Affleck demonstra tremenda habilidade atrás das câmeras e como roteirista. Me recuso a vê-lo atuar novamente, rsrsrsrs.

3 estrelas e meia/4

Ciao!

 
At 10:45 PM, abril 03, 2008, Blogger Flávia said...

Quem diria! Nosso amigo Ben Affleck é bom diretor? Fiquei com muita vontade de ver esse filme.

Bjs!

 
At 9:54 AM, abril 04, 2008, Blogger Museu do Cinema said...

Que DVD? Nunca vi esse filme em prateleira nenhuma, nos cinemas nem cheiro...

 
At 10:29 AM, abril 04, 2008, Blogger Otavio Almeida said...

Cassiano, eu aluguei em DVD na quarta-feira. Vou devolver hoje.

Abs!

 
At 10:31 AM, abril 04, 2008, Blogger Pedro Henrique Gomes said...

Gostei muito de Medo da Verdade.
Ben Affleck se deu bem mesmo e o Casey repete uma boa atuação.

Abraço!!

 
At 10:32 AM, abril 04, 2008, Blogger fabiana said...

Quero muito ver!

 
At 11:18 AM, abril 04, 2008, Anonymous Anônimo said...

Simplesmente o melhor filme do ano. É triste que um filmaço desse tenha ido direto para DVD e uma bobeira como "Loucas por amor, viciadas em dinheiro" passe nos cinemas. Affff

 
At 3:05 PM, abril 04, 2008, Blogger Otavio Almeida said...

Então o nome é LOUCAS POR AMOR, VICIADAS EM DINHEIRO??? Eu tento, mas não consigo decorar...

 
At 10:56 PM, abril 04, 2008, Anonymous Anônimo said...

O desfecho é brilhante mesmo, mas considero o filme todo bom. Como você disse, as atitudes do protagonista deixam o espectador refletindo por um bom tempo - e são poucos longas que conseguem isso.

 
At 10:35 PM, abril 05, 2008, Blogger Unknown said...

Acabo de conferir em dd e só tenho a informar que se trata de um dos melhores filmes que vi desde o início do ano, muito inteligente, bem dirigido (surpreendentemente), e com atuações firmes e positivas de Casey e Amy Ryan.
Abraço!

 

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