quarta-feira, junho 04, 2008

A Estrada da Vida


Não é exagero algum dizer que A Estrada da Vida (La Strada, 1954) é um dos filmes mais tristes da história do cinema. É difícil explicar, mas esse sentimento está em cada cena; cada detalhe. Aqui, o maior cineasta italiano de todos os tempos fez o mundo registrar o termo felliniano, que passou a ser reconhecido facilmente como estilo ou assinatura em outros clássicos que viriam a seguir como Oito e Meio e A Doce Vida.

Sempre reclamo do pouco caso de Hollywood com o mundo do circo. Entende o que quero dizer? Palhaços, trapezistas, etc. Cecil B. DeMille abordou o tema em O Maior Espetáculo da Terra, que obviamente é grandioso, afinal estamos falando do diretor de Os Dez Mandamentos. Mas se o cinéfilo quer ver um filme simples e, ao mesmo tempo, mágico sobre o circo e seus personagens fantásticos, é bom procurar por um exemplar europeu de Ingmar Bergman ou Federico Fellini.

Em A Estrada da Vida, Fellini conta a história da pobrezinha Gelsomina (Giulietta Masina com o olhar mais triste e profundo do cinema), que é vendida pela mãe ao artista de rua bruto e ignorante Zampanò (um Anthony Quinn fenomenal), que atravessa cidades em apresentações circenses. Apesar do talento e da total entrega de Gelsomina aos serviços do patrão, Zampanò não demonstra dó nem piedade da moça.

É evidente que Gelsomina ama Zampanò. Talvez não seja um amor carnal. Ela o respeita apesar de sua índole duvidosa. Gelsomina entende que seu chefe pode ser o pior homem do mundo, mas ele foi o responsável por tirá-la da miséria. Para ela, isso basta. Talvez Gelsomina saiba que Zampanò não nasceu desse jeito e virou um brutamontes grosso e ranzinza por causa da vida. Esse respeito, esse amor indefinido e difícil de acontecer na realidade não é reconhecido e compreendido por Zampanò - nem mesmo por muita gente que adora A Estrada da Vida. Alguns admiradores assistem ao filme e torcem para que Gelsomina fuja de Zampanò. Mas ela não faz isso. Inclusive, a moça inocente dos olhos tristes se apaixona por um artista livre, desimpedido, que surge para vê-la na ausência de Zampanò. O rapaz mostra o caminho para a liberdade, mas Gelsomina nada faz. Apenas permanece fiel ao chefe.

Mas eu acho que Zampanò também ama Gelsomina, porém sua amargura o impede de se entregar a algo tão bonito e verdadeiro. Isso o deixa cego para enxergar que Gelsomina o ama. Zampanò se esconde atrás de uma máscara invisível e permanece como um artista em eterna apresentação pelos palcos do mundo real.

Há algo de Chaplin na atuação de Giulietta Masina. Sua Gelsomina parece real, mas se encaixa perfeitamente na proposta de Fellini, que trilhou um caminho cinematográfico em busca do "realismo fantástico". Dentro de nossa amarga realidade, não existe algo mais fantástico e escapista do que a arte demonstrada pelo cinema, pelo teatro ou pelo circo. Você já apreciou atentamente a atuação de um palhaço solitário? Você não entra num reino de fantasia e se esquece da vida? O incrível é admitir que qualquer um se reconhece durante a fuga da realidade proposta pela arte.

A última cena é uma das mais tristes que eu já vi. É de cortar o coração. É a redenção do espírito, que vence os obstáculos da carne. É o contato do ser humano com suas emoções ao tentar conversar e desabafar com Deus num lugar dominado pela silenciosa natureza. Mas Deus jamais responde, ele apenas assiste de camarote ao maior espetáculo da Terra, que tem eu e você como protagonistas de nossas próprias vidas.

A Estrada da Vida (La Strada, 1954)
Direção: Federico Fellini
Roteiro: Federico Fellini, Tullio Pinelli e Ennio Flaiano
Elenco: Giulietta Masina, Anthony Quinn, Richard Basehart e Aldo Silvani

12 Comments:

At 12:05 AM, junho 05, 2008, Blogger Robson Saldanha said...

Eu e minhas lmanetações de raramente ver um filme antigo. O último foi O Planeta dos MAcacos de 68 e nada mais.

 
At 1:54 AM, junho 05, 2008, Anonymous Anônimo said...

Um filme belíssimo e obrigatório. Parabéns pelo texto e uma boa homenagem ao grande cinema italiano, que já foi um dos melhores do mundo, ao lado dos franceses, ingleses e alemães. A estrada da vida e Noites de Cabíria, ambos de Fellini, está na minha dos Top 100. É bom ver por aqui críticas de alguns filmes europeus, pois o Hollywoodiano deve e pode abranger mais filmes fora da cultura americana. Mudando de assunto, que belo jogo Fluminense x Boca, hein Otávio? Agora o Flu já está com uma mão na taça Libertadores e só resta aos flamenguistas, vascaínos e botafoguenses se roerem de inveja, rsrsrs. Um time que bate São Paulo e Boca Juniors merece ser campeão, não é mesmo? Abs.

 
At 9:31 AM, junho 05, 2008, Blogger Kamila said...

Otavio, nunca assisti ao filme e seu texto está maravilhoso. Vou ver se encontro este "A Estrada da Vida".

Beijos!

 
At 9:55 AM, junho 05, 2008, Blogger Museu do Cinema said...

Que agradavél surpresa Otávio.

Vc sabe do meu amor pelo cinema italiano, e Fellini é sem duvida o maior ícone deste cinema.

 
At 10:38 AM, junho 05, 2008, Blogger Otavio Almeida said...

Robson, mas PLANETA DOS MACACOS (o original) é maravilhoso!!!!!!!!!!

Denis, isso mesmo. Merece tanto que, agora, pode até perder a final para a LDU. Já que eliminou os poderosos Boca e São Paulo (os dois melhores times do mundo para a torcida de Boca e São Paulo), agora pode até perder para a "desprezível" LDU.

Kamila, acho que vc vai gostar.

Obrigado, Cassiano! Eu tenho meus momentos... :)

Abs!

 
At 12:35 PM, junho 05, 2008, Anonymous Anônimo said...

Sim, Boca e SPFC sempre entram como favoritos nessa competição devido à sua tradição e número de títulos. Eu não desprezo a LDU, mas o FLu tem mais chances, você não concorda? É só analisar o conjunto dos 2 times e esperar que o Fernando Henrique não comece a falhar bem na final, pois até agora sua participação tem sido espetacular.

PS.: Todo torcedor acha seu time o maior do mundo, isso se chama paixão pelo time. O problema é quando um time ganha muitos títulos importantes e aí o torcedor desse time se torna arrogante, o que graças a Deus nunca foi o meu caso.

 
At 12:47 PM, junho 05, 2008, Blogger Otavio Almeida said...

Bom, saber que você não entra na arrogância habitual da torcida, Denis. Torço pelo Flu como você torce pelo Corinthians na Copa do Brasil, que pode chegar a Libertadores antes dos nossos times.

Abs!

 
At 12:51 PM, junho 05, 2008, Blogger Otavio Almeida said...

Quis dizer: "Bom saber que você não entra na arrogância habitual da torcida, Denis".

 
At 1:06 PM, junho 05, 2008, Anonymous Anônimo said...

Entendi o que vc quis dizer, buddy. Acho que quando vc disse que iria torcer para o Fluminense na época do jogo contra o SPFC é porque devia estar de saco cheio de são-paulinos arrogantes. Confessa aí que no seu serviço deve ter aqueles "malas", não é mesmo? Eu vejo o futebol de forma mais abrangente e consigo apreciar outros times, não fico só bitolado no meu time. Lógico que tirar um sarrinho é sempre bom, mas tudo dentro do ambiente saudável. O gol do Sport no final do jogo deixou a partida de volta mais interessante, pois se tivesse perdido de 3 x 0 ia ficar quase impossível reverter o placar. Abs.

 
At 1:46 PM, junho 05, 2008, Anonymous Anônimo said...

Como todos os filmes que você comentou na série 5 estrelas, vou à procura dele, mas primeiro procurarei suas sugestões. ;)

De Fellini, tentei ver La Dolce Vita, mas era numa época estressante de escola e nunca conseguia passar dos 20 minutos. Vou dar uma chance para o filme, até mesmo porque do que vi me interessei.

Ciao!

 
At 2:18 PM, junho 05, 2008, Blogger Otavio Almeida said...

Denis, mais uma vez, eu disse que o Fluminense poderia ganhar a Libertadores porque se é bairrismo que motiva o meu time, que assim seja... Não foi pelo São Paulo não. Tanto que desisti de torcer para o Flu quando o Adriano fez 1 a 0 no jogo do Morumbi (gritei GOL! bem alto na minha sala).

Wally, então, comece por A ESTRADA DA VIDA. É uma bela introdução, que te prepara para o universo felliniano.

Abs!

 
At 11:31 PM, junho 05, 2008, Blogger Pedro Henrique Gomes said...

Mais um que tu (é, vou falar como falo aqui, tu) põe na minha lista, Otávio.

Abraço!!!

 

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