quarta-feira, maio 27, 2009

Filmes Cinco Estrelas


Os Brutos Também Amam
(George Stevens, 1953)


Na hora de escolher o melhor faroeste de todos os tempos, a crítica em geral se divide entre Rastros de Ódio e O Homem que Matou o Facínora, ambos de John Ford, além de Onde Começa o Inferno, de Howard Hawks, e Os Brutos Também Amam (Shane, 1953), de George Stevens. E é fácil reconhecer a admiração coletiva por este último. Para começar, Os Brutos Também Amam é o mais acadêmico de todos os faroestes clássicos. No bom sentido, pois é o tipo de filme que faz o coração falar mais do que a razão sem jamais cair na pieguice.


Apesar da aparência simples, Os Brutos Também Amam virou objeto de estudo. Se você assistir ao filme com um olhar de fã do gênero, fatalmente o verá como a história de um homem misterioso, que ajuda uma família de fazendeiros contra uma perigosa gangue interessada em suas terras. Mas se você olhar bem, provavelmente reconhecerá Os Brutos Também Amam como um western romântico à flor da pele. Se você nunca viu o filme desse jeito, preste atenção na fotografia monumental de Loyal Griggs e na bela trilha sonora de Victor Young.

Mais do que isso, o fascínio em torno do filme está na visão fantástica e carinhosa de uma criança em relação ao seu herói. Para o menino Joey (Brandon De Wilde, indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante), o pistoleiro Shane (Alan Ladd) é invencível. Mas, na verdade, ele é apenas um homem de carne e osso. Corajoso, mas que também sente medo e outras fraquezas como qualquer um de nós. E de certa forma, Joey representa a platéia, principalmente aquela que idolatra westerns. Algumas cenas, sob o ponto de vista do menino, como a chegada de Shane ao rancho e o herói girando o revólver antes de guardá-lo no coldre, evidenciam o olhar de fã que praticamente narra o filme.

São várias as camadas que compõem este grande filme de George Stevens, que também dirigiu
Um Lugar ao Sol e Assim Caminha a Humanidade. Tenho certeza de que não viverei para montar todas as peças desse encantador quebra-cabeça cinematográfico. Sei que Os Brutos Também Amam é sobre a vontade reprimida de amar e ser amado. E acima de tudo, sobre a perda da inocência e a chegada inevitável da vida adulta. Há algum outro western com todos esses elementos? Eu sinceramente não lembro. Os Brutos Também Amam é especial por ser único.

Há uma complexidade no protagonista interpretado por Alan Ladd, que é fascinante. O filme tem início com a chegada do “cavaleiro” a uma fazenda. Se não fosse surpreendido pela ameaça da tal gangue que quer as terras de Joe Starrett (Van Heflin), Shane provavelmente teria seguido seu caminho. Mas ele fica para trabalhar na fazenda, encantando a mulher de seu patrão, Marian (Jean Arthur), e o filho do casal, o pequeno Joey. Em alguns momentos, Shane esbarra com os vilões do filme, mas nem sempre quer briga. Muitas vezes, ele é chamado de covarde por quem não o conhece, mas sua verdadeira natureza será revelada somente no final.

Acredito que Shane tenta deixar um passado violento para trás, mas descobre que é um estilo de vida que ele jamais terá. Mas sabe que pode preservar a integridade dos Starretts. Vivendo um amor platônico e recíproco com Marian, Shane nunca ultrapassa os limites. Talvez por respeito ao dono da casa. Ou por sonhar com um mundo sem violência, ciúme e discórdia. Por acreditar nisso tudo, Shane não pode deixar a família se separar por motivo algum. Aos poucos, Shane entende que jamais deixará de ser o homem que sempre foi. E para salvar os Starretts, ele sabe que precisará ir embora para sempre – o que simboliza a utopia de Marian, que gostaria de ver o mundo sem armas de fogo. E para preservar a inocência da família, Shane precisa se sacrificar. Não falo exatamente em morte, mas o herói deve abandonar de vez suas chances de ser feliz e viver em paz.

Pacientemente, Os Brutos Também Amam caminha para um inevitável confronto entre Shane e Ryker (Emile Myer), o homem que tenta roubar as terras de Starrett e seus amigos. O vilão do filme, no entanto, conta com a ajuda de um estranho pistoleiro, Jack Wilson (Jack Palance), um dos gatilhos mais rápidos do Oeste. O desfecho, o duelo entre Shane e Wilson, entre Alan Ladd e Jack Palance, opõe o bem e o mal, mas possui a mesma solenidade do confronto entre samurais. Na cena dentro do saloon, Shane é observado por Joey. O herói precisa vencer para realizar o mito e partir solitário. Só assim, o garoto e a platéia, sem a presença de Shane, podem separar a ficção da vida real. No fim, por causa disso, Joey perde sua inocência e realiza o rito de passagem para a fase adulta. Repare como a maioria das tomadas nesse final magistral sai da visão de Joey. Até mesmo o genial movimento de câmera que acompanha o cachorro atravessando o saloon para revelar os dois oponentes sai dos olhos do menino observando a ação.

Com o fim da inocência chega a compreensão da realidade. O grito do menino na cena final de Os Brutos Também Amam é de arrepiar. É a recusa involuntária e inconsciente na porta de entrada para o mundo adulto. Acontece com todos nós. É mais ou menos como a fala de Rutger Hauer na conclusão de Blade Runner: "Todos aqueles momentos ficarão perdidos no tempo, como lágrimas na chuva." Ainda posso ouvir o famoso grito ("Shaaaaaaane! Come baaaaaaack!") ecoando em minha mente. Acho que jamais deixarei de ouvi-lo.

Os Brutos Também Amam (Shane, 1953)
Direção: George Stevens
Roteiro: A.B. Guthrie Jr. (Baseado no livro de Jack Schaefer)
Elenco:
Alan Ladd, Brandon De Wilde, Van Heflin, Jean Arthur, Emile Myer, Ben Johnson e Jack Palance

5 Comments:

At 11:46 AM, maio 27, 2009, Blogger altieres bruno machado junior said...

Olá

Este é um ótimo filme. CLÁSSICO. Quem não viu deve ver!

até mais...

 
At 12:14 PM, maio 27, 2009, Blogger Unknown said...

É o tipo de filme que marca pelos detalhes. Tenho "Os Brutos Também Amam" em minha coleção e mantenho-o sob constante segurança. Adoro faroestes, e sem dúvida esta obra de Stevens merece um lugar de destaque entre todos os filmes do gênero.
E aquele grito... Realmente ficou na memória de todos que assistiram e amaram "Shane".
Abraços!

 
At 4:55 PM, maio 27, 2009, Blogger Cleber Eldridge said...

Não tive a chance de ver esse ainda, mais está na lista!

http://clubcinefilo.blogspot.com/

 
At 8:58 PM, maio 27, 2009, Anonymous Kamila said...

Já assisti a alguns filmes do George Stevens. Gosto do diretor, mas já afirmei em vários blogs que faroestes são minha grande lacuna como cinéfila e pretendo corrigir isso.

Beijos!

 
At 10:36 PM, maio 27, 2009, Anonymous Vinícius P. said...

Já virou um costume dizer que não vi os filmes dessa seção 5 estrelas, o que ocorre com "Os Brutos Também Amam", mas ao menos conheço um pouco mais sobre esses grandes filmes...

 

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