quinta-feira, fevereiro 15, 2007

Dreamgirls

A Academia não engoliu Dreamgirls – Em Busca de um Sonho (Dreamgirls, 2006). O filme mais celebrado antes das indicações ficou de fora das categorias principais, embora dispute oito Oscar, incluindo Melhor Atriz Coadjuvante (Jennifer Hudson) e Melhor Ator Coadjuvante (Eddie Murphy). Mas quer saber? A Academia não deve ser levada a sério, porém acertou. Dreamgirls é uma enganação de profundo mau gosto cinematográfico. Não estou falando do repertório de soul e rhythim & blues, mas de cinema mesmo.

Tenho problemas com musicais. Não consigo entender muito a dramaticidade do gênero ao ver um “diálogo cantado”. Acho que o gênero é produto de uma época glamourosa de Hollywood, que não volta mais. Estúdios, produtores e diretores pensavam diferente e havia um grupo de atores como Gene Kelly, Fred Astaire e Julie Andrews – só para citar alguns – que nasceram para isso. Tudo fazia sentido nessa celebração da música, afinal era o auge da Hollywood sonora. Não me entendam mal: acho que a época gerou clássicos absolutos, irretocáveis como Cantando na Chuva (1952), Mary Poppins (1964) e A Noviça Rebelde (1965), que estão entre os meus favoritos de todos os tempos – um pouco abaixo, coloco Amor, Sublime Amor (1961).

Depois que Steven Spielberg e George Lucas lançaram, respectivamente, Tubarão (1975) e Star Wars (1977), Hollywood cansou dos musicais. Ficou claro que o público estava pronto para outras maravilhas sonoras dentro de uma sala de cinema. Bob Fosse ainda resistiu e deu ao gênero os seus últimos suspiros com os ótimos Cabaret (1972) e All That Jazz (1979). Mas já havia ali um estilo diferente (ou fúnebre) dos musicais de palco – o outro lado de um gênero marcado pela alegria. Seria o fim desses espetáculos na tela do cinema?

Hoje, não há mais aquele “ator de musicais”. Não existe? Ou Hollywood não quer descobrir talentos? Também não há mais um “diretor de musicais”. Por muito tempo, a palavra “musical” no cinema ficou restrita a animações da Disney. A volta do gênero, com atores de carne e osso, soa como oportunismo no meio da falta de idéias dos estúdios. Se é para trazer o musical de volta, que seja algo extraordinário. Fora de Hollywood, Lars Von Trier fez um teste com Dançando no Escuro (2000). Ele não queria resgatar nada, mas sim avacalhar o gênero com seu cinema depressivo. Entre os grandes estúdios, Baz Luhrmann chegou perto com Moulin Rouge (2001), mas sua insistência em montar um filme como videoclipe irritou muita gente. Na mesma proporção, a produção também tem seus fãs: a força de Moulin Rouge está no apelo romântico da dupla Ewan McGregor e Nicole Kidman, que disparam belas canções atuais em um filme de época. Não é nem de longe ruim. Mas poderia ser melhor. Isso foi o suficiente para Hollywood apostar no gênero e veio aquele Chicago (2002), um dos piores vencedores do Oscar de Melhor Filme. Antes de todos esses, quem chegou mais perto de reviver o gênero foi Woody Allen, com Todos Dizem Eu te Amo (1996). Na verdade, ele não tinha essa pretensão, o que tornou o filme delicioso. Trata-se apenas de uma homenagem. Nada mais.

A pretensão pode ser uma armadilha. O que nos leva a Dreamgirls. O diretor Bill Condon realizou o sonho de levar o musical da Broadway (inspirado na carreira das Supremes) para as telas, mas é filme para americano vibrar. Ou exclusivamente para fãs de soul e r&b. Se você não adora esse tipo de música, melhor passar longe de Dreamgirls. Condon até esconde o fiapo de história ao dar um ritmo ágil e contagiante ao filme – a montagem faz mágica no cinema. O diretor quis discutir os excessos da indústria fonográfica e como o poder corrompe e destrói laços. Mas tudo acontece tão rápido e de forma superficial, que fica difícil acreditar na decisão de alguns personagens. É um exemplar do gênero que vem nessa nova tendência da máquina de Hollywood. Parece aquele presente com uma embalagem de encher os olhos, só que o conteúdo não tem tanto valor. Ou seja, Dreamgirls é soul, mas sem alma.

A salvação do filme está no elenco. Mas como cantores – não exatamente atores (tirando Beyoncé, que não é uma coisa, nem outra). Os prêmios para Eddie Murphy só podem ser exageros. Sua atuação se resume em vibrantes performances nos palcos inspiradas em James Brown. Murphy sempre foi talentoso e é um ótimo imitador. Mas por Dreamgirls, ele merece um Grammy. Não um Oscar.

É um caso que não se aplica a Jennifer Hudson. Ela é mesmo um achado. Jennifer canta demais e se destaca do restante do elenco ao transmitir seus dotes dramáticos em cenas musicais. De qualquer forma, fico preocupado com a continuidade de sua carreira. A atriz não tem o perfil das grandes estrelas e pode ficar restrita aos musicais (ou pode seguir em frente como cantora). Quem sabe? Será que nasce, enfim, uma nova estrela de musicais? Há males que vêm para o bem.


Dreamgirls - Em Busca de um Sonho (Dreamgirls, 2006)
Direção: Bill Condon
Elenco: Jennifer Hudson, Beyoncé Knowles, Jamie Foxx, Eddie Murphy e Danny Glover

25 Comments:

At 10:20 AM, fevereiro 15, 2007, Blogger Museu do Cinema said...

Eu gosto muito do estilo musical criado por hollywood, acho que quando bem produzido, dirigido e interpretado traz filmes inesqueciveis, tomara que esse seja um deles.

 
At 10:22 AM, fevereiro 15, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

Exatamente, Cassiano! Quando bem produzido, dirigido e interpretado. Vc disse tudo. Pena que na maioria das vezes não seja assim.

Abs!

 
At 10:28 AM, fevereiro 15, 2007, Blogger Carla Martins said...

Eu concordo com o Otávio. Na maioria das vezes, não é assim mesmo!

E DreamGirls não me convenceu...sabe quando nada que eu veja ou leia sobre o filme faça eu ter vontade de assisti-lo?

Beijo!

 
At 12:20 PM, fevereiro 15, 2007, Blogger Kamila said...

Eu adoro musicais. Tenho minhas expectativas em relação à "Dreamgirls" e espero que elas sejam correspondidas.

Não assisti ainda ao filme, mas tenho a trilha sonora de "Dreamgirls" em casa. A impressão que eu tenho, pelo CD, é a de que o primeiro ato do filme é o mais forte. As músicas que vêm após "And I'm Telling You" são chatas, salvo algumas exceções, como "I'm Changing" e a linda "One Night Only" (não a versão dance das Dreamettes, e sim a versão calminha da Effie).

Já te disse isso no blog do Cassiano, e vou repetir aqui: a preocupação com o futuro da carreira de Jennifer Hudson é geral. A intenção dela é equilibrar a carreira como atriz, com a de cantora. Iniciar a carreira interpretando um personagem tão icônico como Effie White pode ser um problema para ela, mas acho que a Jennifer vai se sair bem. Se não como atriz, como a baita cantora que é.

Bom Carnaval, Otávio!

 
At 1:20 PM, fevereiro 15, 2007, Blogger Túlio Moreira said...

Otavio, será que o problema é com o gênero musical em si? Diversos gêneros estão em crise em Hollywood, mas continuam rendendo lagoas de dinheiro para os estúdios. Ficção científica, por exemplo, que desde Minority Report não produz nada que preste. Enquanto filmes como Dreamgirls - que não sei se é ruim mesmo, ainda não vi - estiverem na graça do público, prepare-se para mais e mais coreografias bordadas e musiquinhas viciantes.

abs e bom carnaval!

 
At 2:11 PM, fevereiro 15, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

Sim, Tulio! O filme foi bem nos EUA. Mas VELOZES E FURIOSOS tb. Por isso, tivemos mais dois VELOZES E FURIOSOS... Hollywood anda carente de idéias. Não acho mesmo que é problema exclusivo dos musicais. É um problema geral. Mas o problema principal é a tendência. Fazem GLADIADOR e dá-lhe TRÓIA, e afins... tem TITANIC e dá-lhe PEARL HARBOR... O SENHOR DOS ANÉIS? HARRY POTTER? O negócio agora é apostar na fantasia...

Só disse aquilo pq "musical" não é o meu gênero favorito, embora alguns filmes sejam verdadeiras maravilhas, como CANTANDO NA CHUVA.

E Kamila, tomara que Jennifer Hudson dê certo em Hollywood. E um detalhe: ela é a verdadeira protagonista de DREAMGIRLS. Não entendi a indicação como coadjuvante.

Abs a todos e bom carnaval!

 
At 2:15 PM, fevereiro 15, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

Carla, obrigado! Mas veja DREAMGIRLS... A intenção aqui é deixar minha opinião e não alertar para que ninguém veja DREAMGIRLS. É bom discutir cinema... Talvez vc goste do filme... quem sabe? Isso é cinema!

Bjs, e bom carnaval!!

 
At 5:04 PM, fevereiro 15, 2007, Blogger Wanderley Teixeira said...

Nossa estou ficando até com medo de Dreamgirls.Em direção oposta adoro musicais Otávio,naum acho q seje um gênero estanque de determinada época e um dos exemplares q comprovam isso é Moulin Rouge!,um dos meus filmes preferidos.Um dos meus maiores problemas em aceitar Dreamgirls está no que vc elogiou...Seu elenco.Tenho relutância em acreditar q dê alguma coisa boa juntar beyoncee,hudson,murphy e foxx...

 
At 6:21 PM, fevereiro 15, 2007, Blogger Victor said...

Eu gosto de determinados musicais...só quando tem-se um real motivo da música no roteiro...quando o filme em si tende ao fantasioso o musical fica legal...Gosto mais do Moulin Rouge do que de Os Produtores, por exemplo, já que toda a ambientação do Moulin Rouge é propícia a uma "fugida" do espaço para se cantar...
deu pra entender o que eu quis dizer ou ot me complicando?..ehehehe
Chicago ainda vai pra esse lado de fantasia também, mas menos, certas horas tem músicas ali que tão só pra aumentar um personagem...
enfim...não assisti ainda Dreamgirls pra poder dizer do filme...mas vai por aí o que eu penso..hehe

Abraço!

 
At 6:25 PM, fevereiro 15, 2007, Blogger Kamila said...

Otávio, eu também não entendo porque a Jennifer Hudson foi indicada à atriz coadjuvante. A Effie é claramente uma das personagens principais do filme. No Tony, a Jennifer Holliday (que interpretou Effie na Broadway) foi indicada à melhor atriz e ganhou.

O que eu sei é que parece que a Jennifer ser promovida como coadjuvante foi uma exigência da diva Beyonce.

 
At 6:31 PM, fevereiro 15, 2007, Anonymous Anônimo said...

Otavio, muitos cinéfilos reclamam sua presença nos comentários do CK.. vc está sendo bombardeado com perguntas lá, hehehehehe...

abs!

 
At 6:33 PM, fevereiro 15, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

Wanderley, eu elogiei o elenco "cantando". Não atuando. Exceto por Jennifer Hudson.

Victor, entendi sim o seu ponto de vista. E já deixei comentário lá sobre o Bloggers Awards.

Kamila, só pode ser isso. Effie "é" a protagonista.

E Tulio, tô indo lá...

Abs!

 
At 8:09 PM, fevereiro 15, 2007, Anonymous Anônimo said...

Tens razão. Num mundo onde Gladiador e Uma Mente Brilhante são considerados clássicos, não há mais nada para se comentar.

Abs e valeu pela presença lá!

 
At 9:00 PM, fevereiro 15, 2007, Anonymous Anônimo said...

Otavio, eu ADORO "Moulin Rouge", um dos meus filmes favoritos, e tb gostei de "Chicago", ainda que nem tanto quanto o primeiro. Muito boa a sua resenha, gostei da parte historica, sobre os musicais e as tentativas de "resgate" desse genero do cinema classico. Realmente nao dah pra resgatar um musical estilo classico como aqueles da decada de 1950, mas nao acho que essa seja a intencao dos estudios.

Nao vi os filmes do Bob Fosse, mas compartilho da sua opiniao com relacao ao filme do Von Trier e do Woody Allen. "Dancando no Escuro", na minha opiniao eh uma obra prima (mas nao sei se vc concorda com isso, e tb nao vou mais longe pra nao mudar de assunto..)

Quanto a "Dreamgirls", essa sua linha bateu com a minha impressao do filme: "Mas tudo acontece tão rápido e de forma superficial, que fica difícil acreditar na decisão de alguns personagens." Quem achou a montagem de "Moulin Rouge" em forma de videoclipe, vai se horrorizar com "Dreamgirls", eh tudo muito vapt-vupt. Eu gostei do Eddie Murphy no filme, gostei dele ateh mais do que a Jennifer Hudson. Alias, nao tenho nada de ruim a dizer sobre o elenco do filme. Nao cheguei a odiar o filme como vc, mas tampouco me empolguei com ele. Eh um filme mediano, com numeros musicais que pouco emocionam ou contagiam (a excecao fica pra o "And im telling you" da Hudson, que me deixou toda arrepiada *lol*), e com um roteiro pouco convincente.

Vc nao gostou nem dos aspectos tecnicos? Achei o trabalho de maquiagem muito bem feito, principalmente na Beyonce.

abs!

 
At 10:11 PM, fevereiro 15, 2007, Blogger Flávia said...

Jura que a Beyonce exigiu que a Jennifer Hudson fosse vendida como coadjuvante? Credo! Passo a gostar menos ainda dela. Pra mim ela canta mal e não tem um pingo de classe...

Bjs!

 
At 9:21 AM, fevereiro 16, 2007, Blogger Kamila said...

Flávia, tirou as palavras da minha boca. Também sou do clube "anti-Beyonce".

 
At 10:12 AM, fevereiro 16, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

Romeika, eu gostei de DANÇANDO NO ESCURO quando vi no cinema. Achei impressionante. Mas ainda não consegui rever o filme pq... é muito forte. Mas decidi abandonar o Lars Von Trier depois de DOGVILLE. Não gosto do cinema depressivo dele.

E DREAMGIRLS tem uma ótima montagem. Mas que, pra mim, não salva o filme. Ah! E esqueci de mencionar na crítica o tratamento aos "brancos maus". Mas achei irrelevante... já vimos isso antes em alguns filmes. Ou seja, DREAMGIRLS é um festival de clichês com uma boa montagem.


Bjs!

 
At 10:15 AM, fevereiro 16, 2007, Anonymous Anônimo said...

Nossa, Otavio, eu odiei a montagem de "Dreamgirls" rsrsrsrs...

E ADORO o "cinema depressivo" do Von Trier. Abs e Bom carnaval!

 
At 10:18 AM, fevereiro 16, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

Hahahahhha... pra vc tb, Romeika! Passa mais tarde, pq vou publicar post de CARTAS DE IWO JIMA.

Bjs!

 
At 12:02 PM, fevereiro 16, 2007, Blogger Túlio Moreira said...

Romeika, tb gostei muito de Chicago. Kamila, também sou do clube anti-Beyoncé. Hã, Beyoncé? quem é Beyoncé?

abs!

 
At 5:22 PM, fevereiro 16, 2007, Blogger Marcus Vinícius said...

Quero conferir Dreamgirls sim, também curto musicais.

Já eu não tenho nada contra a Beyoncé, muito, mas muito pelo contrário... =D

 
At 11:49 AM, fevereiro 20, 2007, Anonymous Anônimo said...

Dos (poucos) musicais que assisti até o momento, os clássicos são os que mais me envolveram, divertiram e entreteram. Ops, e que me fizeram cantar juntamente com os atores. Gosto MUITO de Chicago (o uso da música em cenas mais importantes a trama foi de uso acertado), mas os restantes dos musicais recentes ficaram muito abaixo do esperado. Prefiro filmes como Mudança de Hábito: tem história e música o suficiente para ver e rever!

 
At 11:11 AM, fevereiro 21, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

Olá! Estou de volta! Sim, Alex! Tb prefiro algo como MUDANÇA DE HÁBITO. Mas isso não quer dizer que os "musicais" não possam acertar. Espero que o gênero se encontre novamente.

Abs!

 
At 5:11 AM, fevereiro 23, 2007, Anonymous Anônimo said...

O que você falou em relação ao Grammy foi mais que acertado. Acho que a Jennifer Hudson e o Eddie Murphy só fazem cantar durante todo o tempo, ou seja, não deviam ganhar um Oscar por suas "atuações" - apesar que ficarei feliz com uma vitória da Hudson, mesmo sabendo que dificilmente sua carreira terá continuidade. Fiquei bastante decepcionado (odiei a Beyoncé e o Jamie Foxx), mas tecnicamente é um filme perfeito (até gostei da trilha sonora). A Academia acertou completamente ao deixá-lo de fora da categoria principal.

 
At 11:17 PM, março 06, 2007, Anonymous Anônimo said...

Eu discordo. Achei Dreamgirls um filme feito com tanta paixão e talento, que brilha...intensamente.
Murphy não merecia o Oscar (torçia por Hounsou) mas tem boas momentos.

Já Hudson mereceu! e muito. Não por ser uma voz arrebentadora, mas por uma cena em especial em que ela se transforma em atriz, dá um show, emociona e tirou meu fôlego.

3.5/4 estrelas.

 

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