quinta-feira, fevereiro 08, 2007

A Rainha

A cena inicial de A Rainha (The Queen, 2006) precisa estar na aula de qualquer professor de cinema. O diretor Stephen Frears foca a TV exibindo imagens de um confiante Tony Blair (Michael Sheen) votando nas eleições de Primeiro-Ministro. O corte revela a Rainha Elizabeth II (Helen Mirren) cética como telespectadora em um plano maior. Em mais um corte, ela comenta a situação com um homem que pinta o seu quadro. O cidadão revela não ter votado em Blair, o que deixa a Rainha contente. Até a magistral cena de um “quadro vivo”, que mostra o título do filme, Frears quer dizer que esse é um filme para humanizar a imagem de Elizabeth II – uma mulher forte exercendo seu poder de forma discreta e longe de qualquer sensacionalismo dos meios de comunicação.

Na época, a Inglaterra se libertava de Margaret Thatcher e Tony Blair era visto como um símbolo de esperança e modernidade. O ótimo ator Michael Sheen (esquecido no Oscar) empresta uma caracterização ainda inocente para o Primeiro-Ministro que acaba de chegar ao poder. Blair sabe que a monarquia é coisa do passado e precisa evoluir. Reservada, a Rainha não vê essa filosofia com bons olhos e se dirige ao político com um certo ar de superioridade. E é o famoso acidente responsável pela morte da adorada Lady Di, que chega como a oportunidade perfeita para Blair conquistar o povo.

A Rainha acha que a princesa divorciada não é mais integrante da Família Real e sugere um funeral particular. Blair pensa na ocasião como um evento para a Inglaterra e o povo deve participar do funeral. Um excepcional choque de tradições é orquestrado não somente pela câmera elegante de Stephen Frears, mas por um roteiro quase visível na tela escrito por Peter Morgan. Quase todas as cenas são internas e Morgan disseca os bastidores da monarquia abalada pelas conseqüências da morte da “Princesa do Povo”. Enquanto vemos o círculo da Rainha se fechar diante de família e empregados (somente a Rainha Mãe e o Príncipe Philip podem apoiá-la), as influências de Blair se abrem - dentro de casa como um homem comum, ele recebe conselhos da esposa, e na vida profissional, seus assessores organizam a derrocada da monarquia. Mas Blair não vê assim. Ele acha que a Rainha pode ceder pacificamente e fazer uma aparição pública para lamentar a morte de Diana. Em termos de tradição, a Rainha está certa em não aceitar, mas em tempos de celebridades, ela está errada. Observando tudo isso, está Stephen Frears perguntando ao público: “O que são valores? E o que significa progresso?”

Nada disso seria intrigante sem a atuação da Dama Helen Mirren. Ela está maravilhosa em sua composição física da Rainha. Há uma belíssima cena na montanha, quando o carro de Elizabeth II quebra. Esperando por ajuda, ela chora e sente que é capaz de rever seus conceitos. Nesse breve momento, sabemos que Helen Mirren também trabalhou o interior da personagem. Não se trata apenas de uma imitação. É um trabalho extraordinário que figura entre as maiores atuações do cinema.

Helen Mirren mostra que a Rainha é uma mãe para a Inglaterra. Ela se preocupa com o sol batendo no pátio do palácio e lamenta a morte de um animal. Isso é preocupação com a "terra". É uma mulher de princípios carregando um fardo que, por mais que não seja seu sonho de vida, ela cumpre com muita seriedade. Mas antes de tudo, ela é mãe. Primeiro do filho e dos netos, depois da Inglaterra.


Blair é mais político e se julga modernista. Ele é uma celebridade, mas suas atitudes podem levar o povo a reconhecer a Rainha. Stephen Frears permite um retrato de Blair como um homem ainda inocente e capaz de admirar a Rainha. Apesar de tudo, Elizabeth II lhe dá uma lição na bela seqüência final, que acompanha os dois organizando planos para o futuro do país. Ela pede para que Blair aproveite a popularidade. O filme é uma homenagem a Elizabeth II, mas também olha com ironia para o início do mandato de Blair. Todos nós sabemos onde isso foi parar.

A Rainha (The Queen, 2006)
Direção: Stephen Frears
Elenco: Helen Mirren, Michael Sheen e James Cromwell

20 Comments:

At 7:52 PM, fevereiro 08, 2007, Blogger Túlio Moreira said...

Stephen Frears é um mestre (alguém aí lembra que The Hit é o melhor filme sobre a morte já dirigido em todos os tempos?) e aposto tudo nesse A Rainha. Mais uma vez, Otavio, você, fodasticamente, chegou primeiro, mas aqui em Goiânia o filme acho que estréia amanhã. Pelo que já vi nos trailers, Helen Mirren merece cada elogio seu. E é muito interessante ver no cinema acontecimentos ali ó, de ontem, do ano passado, de dez anos atrás, coisas ainda encobertas por uma núvem de poeira.

Abs!

 
At 12:38 AM, fevereiro 09, 2007, Blogger gustavo said...

eu preciso assistir urgentemente esse filme !!!!!!!!!!!!!!!!!
Não chega nunca aqui !!!
Vou terminar baixando !

 
At 10:17 AM, fevereiro 09, 2007, Blogger Museu do Cinema said...

Tem tudo para ser um filmão esse A Rainha.

 
At 11:17 AM, fevereiro 09, 2007, Blogger Túlio Moreira said...

É o seguinte mermão: aqui em Goiânia, pasme!, foram lançados três grandes filmes de uma vez só. São eles O Homem Duplo (preferência mínima), A Rainha (vou ver na quarta) e Pecados Íntimos (vou ver amanhã). Fala aí se eu não sou o cinéfilo mais feliz do mundo? (Claro, ainda tô com inveja pela sua pré-estréia de Cartas de Iwo Jima, hehehehhehe)

abs!

 
At 11:37 AM, fevereiro 09, 2007, Blogger Kamila said...

Otávio, a gente discutiu tanto "A Rainha" que nem vou entrar mais nesse mérito. Dos filmes indicados ao Oscar, "A Rainha" é o melhor que eu vi até agora, mas, infelizmente, não tem a mínima chance de ganhar a estatueta de melhor filme. De qualquer maneira, o Oscar de Melhor Atriz vai estar em excelentes mãos.

Você resumiu bem meus sentimentos em relação a este filme. O texto está ótimo, como sempre!

Beijo e bom final de semana!

 
At 11:57 AM, fevereiro 09, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

Discutimos muito mesmo, Kamila... páginas e páginas... e obrigado!

Mas quem sabe, né? De repente, o filme ganha trilha, atriz, aí vem roteiro original... e a Academia dá um pé no Scorsese... Eles gostavam mais de filmes britânicos em outros anos...

E uma questão curiosa: já me falaram que o filme é mais sobre o Tony Blair do que a Rainha... não sei se concordo. O q acha? Depois desse tempo todo...

Tulio, obrigado! E acho que vc precisa ver A RAINHA. Cassiano e Gustavo tb! Não é só um "filme de atriz".

 
At 12:18 PM, fevereiro 09, 2007, Blogger Kamila said...

Posso apostar com certeza que "A Rainha" ganha os Oscars de atriz, trilha sonora e roteiro original. O Frears não ganha e filme é realmente muito difícil, só se houvesse um cenário em que "Infiltrados" e "Pequena Miss Sunshine" dividissem votos e a estatueta sobrasse para uma terceira alternativa. De uns anos para cá, a votação do Oscar mudou muito e um filme, ator, editor, compositor, etc., nem precisa ter uma grande maioria de votos, basta ter um apoio sólido para ter chances de ganhar.

Assisti pela quarta vez "A Rainha" nesta semana (eu sei que é exagero, mas eu AMO esse filme), e tive uma impressão diferente das que eu tive anteriormente: acho que o filme se resume naquele último encontro entre o Blair e a Rainha. Elizabeth II é uma mulher que está no poder há mais de 50 anos e teve uma semana de contestação. Isso é impressionante.

O Blair, ao contrário, teve um começo realmente fantástico. Apoio popular, influência na Monarquia. Um cenário muito positivo. O Blair de início, e a gente vê no filme é um cara independente, de pensamento original e valente. Acho que essa imagem dele foi-se desaparecendo com o tempo, por causa de sua aliança com Bush. É incrível como Blair participou da mentira que levou à guerra do Iraque. Acho que foi a partir dessa descoberta que o encanto terminou. Blair deixa de ser único, e vira igual aos outros.

É aí que entra a frase da Rainha: "Pode ter certeza de que irá acontecer com você. De repente e sem aviso". A Rainha foi profética. O fim do governo Blair é lamentável. E isso você colocou muito bem no final de seu texto.

 
At 12:28 PM, fevereiro 09, 2007, Blogger Flávia said...

Galera, prestigiem o blog! É só clicar no anúncio do Buscapé na barra lateral e de lá fazer uma busca ou ir pro site de alguma loja. Só toma um minuto... e nos deixa muito felizes!

BJS!

 
At 2:26 PM, fevereiro 09, 2007, Anonymous Anônimo said...

Quatro vezes, Kamila? Tô indo ver amanhã e o trailer desse filme é DEMAIS!

 
At 4:04 PM, fevereiro 09, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

Vi só uma vez, mas vou rever A RAINHA. Vale a pena, Tulio!

Abs!

 
At 4:38 PM, fevereiro 09, 2007, Anonymous Anônimo said...

O filme é tão brilhante quanto seu texto. Vou ficar com vergonha de escrever algo lá no meu blog depois de ler isso. A parte final está perfeita, quando você afirma que o filme é uma homenagem à Elizabeth II, mas também olha com ironia para o início do mandato de Blair. O filme é quase perfeito, a atuação da Mirren já figura mesmo entre as melhores do cinema (talvez a melhor dessa década) e o roteiro é excelente. Não gostei tanto do Sheen, mas em uma cena ou outra ele consegue mostrar que é um grande ator. Só falta ver "Cartas de Iwo Jima" para confirmar que o Oscar de melhor filme estará em boas mãos indo para qualquer um dos indicados.

 
At 6:25 PM, fevereiro 09, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

Muito obrigado pelas palavras, Vinicius!!

Kamila, esse filme é demais mesmo... ainda vai ser discutido por muito tempo. Não acha?

Abs a todos e bom final de semana!

 
At 8:59 PM, fevereiro 09, 2007, Blogger Kamila said...

Otávio, acho que "A Rainha" ainda vai ser muito discutido. É aquele tipo de filme que rende monografias, teses... :-)

O que é mais interessante é que o filme nos incita a discutir, faz com que a gente queira assistí-lo novamente. E o melhor é que, a cada nova visita, mais coisas novas a gente identifica.

 
At 8:43 AM, fevereiro 11, 2007, Blogger Túlio Moreira said...

É incrível como Frears oscila do cinema-de-autor (The Hit, Sammy e Rose) a elegância acadêmica (Ligações Perigosas, Os Imorais) e depois a autoria elegante (Mrs. Henderson Apresenta, A Rainha). Um gênio mutante.

 
At 12:45 PM, fevereiro 11, 2007, Blogger Wanderley Teixeira said...

Helen Mirren de fato merece o Oscar que possivelmente levará,apesar de minha torcida ser descarada para Streep,e em segundo lugar Winslet.A emoção contida de Mirren é apropriada a personagem,uma mulher que sempre se acostumou a não demonstrar emoções apesar de tê-las.Mas minha torcida ainda é de Pequena Miss Sunshine.

 
At 4:52 PM, fevereiro 11, 2007, Anonymous Anônimo said...

Li um comentário (de autoria de uma dos críticos que mais combina com os meus pontos de vista) de que o filme sela momentos totalmente forçados, mas que a atuação de Helen e Michael são arrasadoras. Vou conferir em breve, só espero que a produção não se sustente apenas pelos talentos descritos no cartaz do cinema.

 
At 5:18 PM, fevereiro 11, 2007, Anonymous Anônimo said...

Otávio, temo que não vamos concordar de novo..
Achei um Frears bem basiquinho, um E-True Hollywood Story mais elaborado. Mexer com mitos é fácil, todo mundo tem fetiche com uma rainha nos dias de hoje, então vira um mimetismo meio sem graça.... A atriz é boa, mas não me surpreendeu em nenum momento, me pareceu estudado demais. O filme funciona porque é entertaining, queremos ver a rainha de calcinha, mas não é cinema. Típico filminho de Oscar, não está a altura dos bons Frears da década de 80, quando ele era inventivo..... fora que o truque de mostrar a personagem austera de pijamas é meio gasta.... esperava mais. Em termos de caricatura, prefiro o Borat entregando fezes para sua host americana

 
At 6:37 PM, fevereiro 11, 2007, Anonymous Anônimo said...

Ah, mais uma coisa, para você que gosta de metáforas: a melancólica cena do Blair defendendo a rainha é improvável e me parece a cara do filme. A sua construção toda parece gritar Goste Da Rainha! A Rainha tem Cachorrinhas! A Rainha está Presa em Sua masmorra!Bobinho e sem charme.

 
At 2:26 PM, fevereiro 12, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

Eu gostei de A RAINHA. Bastante! Mas realmente não é o melhor do Stephen Frears. Neste caso, escolho LIGAÇÕES PERIGOSAS.

Abs!

 
At 11:27 PM, março 06, 2007, Anonymous Anônimo said...

Achei o filme brilhante, apaixonante e gracioso. É elegante, tem cenas belíssimas e Helen Mirren brilha, comove e oferece uma personagem deslumbrante. Sheen também ta ótimo. Frears moldou um filme único e de imensa maestria, com belo roteiro e belo enredo.

3.5/4 estrelas

 

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