quarta-feira, outubro 24, 2007

Desejo e Reparação

31ª Mostra Internacional de Cinema

A primeira hora de Desejo e Reparação (Atonement, 2007) foi o melhor filme de 2007. A câmera do talentoso diretor Joe Wright, de Orgulho e Preconceito, consegue envolver o espectador na história sem deixá-lo respirar diante de tanta beleza. E o ponto positivo é que tudo acontece naturalmente. Em 10 minutos de projeção, já somos parte do enredo e torcemos pela felicidade do casal interpretado por Keira Knightley e James McAvoy.

Adaptado do romance britânico de Ian McEwan, Desejo e Reparação começa numa época prestes a viver os horrores da Segunda Guerra Mundial. Somos apresentados a família Tallis em sua mansão. Na abertura, a câmera atinge um nível absurdo de excelência cinematográfica ao seguir a pequena Briony (a impressionante Saoirse Ronan) pela imensa casa ao som da bela e nervosa trilha sonora de Dario Marianelli. Conforme a menina de 13 anos caminha, nós conhecemos cada um dos parentes e amigos dos Tallis. É curioso entender a mente de Briony, que é uma escritora principiante de imaginação fértil. Ao lembrar disso, não esqueça o fato de que ela é, antes de qualquer julgamento, uma criança. Sua falta de experiência, além do fato de querer atenção, faz com que ela cometa uma injustiça adiante. Como não li o livro, essa é a minha visão. E isso será importante para compreender o extraordinário roteiro de Christopher Hampton, vencedor do Oscar por Ligações Perigosas.

Até a metade do filme, o roteiro expõe, por muitas vezes, o clímax de uma situação. Mas não sabemos como os personagens chegaram até ali. Na seqüência, Wright e Hampton explicam ao espectador sobre o "Como" e o "Quando". E esse quebra-cabeça é montado com cuidado até chegar ao momento mais forte desse primeiro ato. Para mim, Briony é a personagem mais importante. Ela só parece ser coadjuvante, mas sua força é de protagonista. Aos poucos, ela observa o romance da irmã Cecilia (Keira Knightley) com o caseiro Robbie (James McAvoy). Aliás, o casal protagoniza a cena de sexo mais bonita que eu já vi na história do cinema. É ardente, sem aviso prévio, mas jamais deixa de lado a sua intenção romântica. Nesta cena, quando os dois dizem um ao outro "I Love You", o diretor Joe Wright alcança o sublime. É de queimar o coração. O problema é que Briony também ama Robbie, mas ela é apenas uma criança. Por amor, ela recorre à própria imaginação para se vingar do casal. A menina acusa o pobre Robbie de um crime que não cometeu e a polícia o leva algemado dali e de sua amada Cecilia. Ninguém sabe no que acreditar, nem mesmo Briony, que foi totalmente tomada por sua imaginação.

É exatamente onde começa o segunto ato do filme. Há muito tempo que eu não via uma produção tão romântica e, por isso, fiquei um pouco chateado com a metade final. Tudo estava tão bonito e natural na tela. Depois dessa virada, a simplicidade na riqueza de detalhes ganha aspectos de beleza intencional, forçada e artificial (ou plástica). Uma pena.

O tempo passa, Briony cresce e é interpretada por Romola Garai, que não é boa atriz como a pequena Saoirse Ronan. Entendo que acompanhar a redenção (ou amadurecimento) de Briony é essencial para a trama e, talvez, no livro, essa parte seja melhor desenvolvida. Mas quem se encantou com o romance da primeira hora, precisa se contentar com paisagens e muita enrolação. Dá saudade do casal, que agora está separado pela guerra.

Apesar do domínio em cena de Briony, o filme cresce mesmo é em cada reencontro dos ex-protagonistas Robbie e Cecilia. McAvoy e Keira estão soberbos. Alguns segundos proporcionam pura magia cinematográfica. Dois exemplos: Robbie tenta se acostumar com a guerra. Certa hora, ele usa uma das mãos para mexer o chá, mas solta a colher automaticamente quando Cecilia toca sua outra mão. É o horror da guerra vencido pelo amor. Em outra cena belíssima, Cecilia se despede de Robbie e entra no bonde. Desesperado, ele corre atrás dela e essa dor causada pelo "adeus" relembra uma parte famosa de Doutor Jivago, de David Lean, o maior diretor de épicos do cinema.

Claro que tudo é muito bem filmado por Joe Wright. Mas tirando essas duas cenas, o restante parece artificial - até mesmo a tão comentada passagem pela praia de Dunquerque, na França, onde Robbie testemunha a retirada das tropas britânicas. É um plano-seqüência, que impressiona à primeira vista, e explica a perda da inocência (ou da alma) de Robbie. Na guerra, nenhum homem pode ser aquele que era antes. Não há romance e o pingo de humanidade que resta no herói reside no coração de Cecilia. Por isso, ele sabe que precisa retornar para os seus braços e não só recuperar o tempo perdido, mas a sua alma. Enfim, a cena é bonita, mas jamais atinge o grau de perfeição da primeira hora.

Mas Joe Wright se redime com a entrada monumental de Vanessa Redgrave na trama. O diretor celebra a arte como cenário ideal para as mais belas histórias de amor. É a tal reparação do título. Ela vive a idosa Briony, uma mulher que acredita na força da arte para "reparar" o que na vida ficou apenas no "desejo". A seqüência narrada por Vanessa é linda e lembra o clima da primeira hora do filme (e dos grandes romances do cinema). Difícil não se emocionar com esse final antológico. Pelo menos, para quem ama ou já amou algum dia.

Desejo e Reparação (Atonement, 2007)
Direção: Joe Wright
Roteiro: Christopher Hampton (Adaptado do livro de Ian McEwan)
Elenco: Keira Knightley, James McAvoy, Saoirse Ronan, Romola Garai e Vanessa Redgrave

27 Comments:

At 5:39 PM, outubro 24, 2007, Blogger Kamila said...

Otavio, adorei o texto. Tendo lido o livro, cada parágrafo escrito por você me lembra várias das coisas que o Ian McEwan criou neste livro.

Concordo com você: a personagem central do filme e do livro é a Briony. Toda a jornada de Cecilia e Robbie, todas as provações que eles passam servem para amadurecer Briony, uma menina que começa o livro totalmente inocente e inexperiente, mas que termina a história carregando todo o peso de uma vida cujo maior propósito foi mesmo reparar um mal terrível que fez.

Parabéns pelo texto!!! Fiquei com mais vontade ainda de assistir ao filme.

Beijos.

 
At 6:02 PM, outubro 24, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

Muito obrigado, Kamila! E essa menina (Saoirse Ronan) é sensacional. Espero que ela ganhe o Oscar de Atriz Coadjuvante...

Mas se vc é fã do livro, garanto que vc vai adorar o filme!

Bjs!

 
At 6:48 PM, outubro 24, 2007, Blogger Kamila said...

Otavio, sua torcida é igual à de muitas pessoas que já tiveram a sorte de assistir ao filme. Tive uma pequena mostra do talento dela na comédia "Nunca é Tarde Para Amar". A Saoirse Ronan tem muita sorte porque, além da Briony Tallis, vai ter a honra de interpretar um dos melhores personagens dos últimos tempos: Susie Salmon (na única decisão acertada do desastroso casting de "The Lovely Bones").

Espero que eu goste muito de "Desejo e Reparação".

Beijos.

 
At 6:54 PM, outubro 24, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

Ainda não vi NUNCA É TARDE PARA AMAR. E nem tinha visto essa menina antes, mas me encantei com o trabalho dela.

Aliás, torço por ela como "Melhor Atriz Coadjuvante" e pelo John Travolta (HAIRSPRAY) como "Melhor Ator Coadjuvante". Ah! E Marion Cotillard (PIAF) para "Melhor Atriz", claro. No resto das categorias, ainda não tenho meus favoritos.

Vc comentou sobre DESEJO E REPARAÇÃO no Oscar. E quais são as chances de AMERICAN GANGSTER. O Merten (O Estado de S. Paulo) disse que muita gente garantiu que é o melhor do ano.

Bjs!

 
At 6:55 PM, outubro 24, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

Eu quis dizer: "Quais são as chances de AMERICAN GANGSTER"?

 
At 7:07 PM, outubro 24, 2007, Blogger Kamila said...

Por enquanto, minha torcida só vai para o Richard Gere, em "O Vigarista do Ano" (para melhor ator). Preciso ver muita coisa boa que ainda nem chegou por aqui.

Otavio, "American Gangster" estava na minha lista de previsões para as categorias principais até o meio do ano. O filme estréia na próxima semana, nos EUA, e tem recebido críticas mistas. Acho que pode conquistar indicações para o Denzel Washington (Melhor Ator), Edição (Pietro Scalia), Som, Edição de Som e, talvez, roteiro adaptado para o Stephen Zaillian.

A novidade do dia, em relação ao Oscar, foram os primeiros screenings de "Sweeney Todd" e parece que o filme é sensacional.

Beijos.

 
At 7:41 PM, outubro 24, 2007, Blogger Matheus Pannebecker said...

Esse filme não chama a minha atenção, especialmente por causa de Keira Knightley, atriz que acho superestimada.

 
At 9:43 PM, outubro 24, 2007, Blogger Flávia said...

Adorei a sua crítica! Se tivesse que descrever o filme em uma palavra, acho que seria beleza. é recheado de cenas lindas, principalmente as que vc citou.

Bjs!

 
At 11:01 AM, outubro 25, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

Kamila, eu fico com o Tommy Lee Jones de NO VALE DAS SOMBRAS, que comentarei amanhã num post. Para mim, ele é o "Melhor Ator". Ao menos, até agora.

Matheus, Keira Knightley não é Meryl Streep ou Diane Keaton. Isso é como dizer que Paul Thomas Anderson é gênio (ou Sam Mendes). Só quero dizer que ainda é muito cedo. Mas são nomes talentosos e que representam o futuro do cinema que conhecemos. No caso de DESEJO E REPARAÇÃO, temos um ótimo roteiro e uma extraordinária primeira metade, além de um belo final. Acho só que o diretor se encantou demais com o material na segunda metade.

Abs!

 
At 11:36 AM, outubro 25, 2007, Blogger Museu do Cinema said...

Só filmão hein Otávio, pena que estou sem tempo para ir acompanhando tudo, mas com certeza quando tiver um tempinho vou verificar tudo! Não viu INLAND EMPIRE???

 
At 12:26 PM, outubro 25, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

Eu perdi INLAND EMPIRE, Cassiano... Vi NO VALE DAS SOMBRAS, do Paul Haggis. Sábado, eu vou encarar ACROSS THE UNIVERSE, e segunda, INTO THE WILD, do Sean Penn. O problema é que só posso ver os filmes à noite, pq trabalho durante o dia.

Sei de gente que tira férias pra ir na Mostra. Na fila do Tarantino, escutei um casal dizendo que estavam em seu nono filme. NONO! E a Mostra começou na sexta...

Abs!

 
At 12:59 PM, outubro 25, 2007, Blogger Romeika said...

Briony é a protagonista do filme, que excelente notícia! No livro ela é a personagem principal, e eu temia que o filme focasse mais no romance e na relação dos amantes (e parece que a metade é mais sobre isso..) A sua crítica me animou muito no início, e tirando essa frase: "O problema é que Briony também ama Robbie, mas ela é apenas uma criança. Por amor, ela recorre à própria imaginação para se vingar do casal.", tudo é como no livro. Realmente ela teve uma paixonite infantil por Robby anos antes, mas no momento do "crime", ela não foi movida por esse sentimento. Ela agiu daquela maneira devido à sua imaginação fértil somada à sua inexperiência sobre a sexualidade e o mundo adulto.

Aí vem a metade da crítica pra desanimar e o final do texto me animou novamente. Pela sua descrição sutil, é o mesmo final do livro. Já vi que vou ter que levar um lencinho quando eu for ao cinema.

A única coisa que me preocupou um pouco foi as suas três estrelas e a crítica à segunda metade do filme... Se o filme realmente faz jus ao livro não tem como não ser um filme excelente. Todas as pessoas com quem eu falei que viram o filme adoraram, então ainda tenho esperanças.

Abs!

 
At 2:17 PM, outubro 25, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

Bom, Romeika... eu não li o livro. Mas aqui em SP, a maioria das opiniões não foi boa. Estou meio solitário no apoio ao filme. Tem gente que leu e disse que o filme "diluiu" o livro.

Mas eu gostei e fiz vários elogios. Minha nota dá pra "passar de ano". O filme nem ficou de recuperação ou prova final.

E tenho certeza de que vc vai adorar! E leve lenços...

Bjs!

 
At 6:35 PM, outubro 25, 2007, Blogger Museu do Cinema said...

ACROSS THE UNIVERSE!? Não conheço esse!

Bom, realmente precisa de férias para curtir tanto cinema, esse casal ai que comentou me lembrou o casal de irmãos de Os Sonhadores.

Mas vc ainda tem a noite...

Quanto a Desejo...eu não sou muito fã de filmes de época, mas esse tá me despertando curiosidade pelas boas críticas que tenho lido e por ser sério candidato ao Oscar tb.

 
At 7:14 PM, outubro 25, 2007, Blogger Kamila said...

Otavio, eu acho que o Tommy Lee Jones, com certeza será indicado ao Oscar pelo trabalho em "In the Valley of Elah".

E que bom que você irá assistir "Into the Wild".

 
At 9:10 PM, outubro 25, 2007, Anonymous Anônimo said...

Belíssima crítica, Otavio, não tinha lido nada melhor sobre o filme até agora. Pelo que pude perceber, você gostou bastante de "Desejo e Reparação", mesmo com algumas restrições a certos aspectos. Ao que tudo indica é um trabalho de beleza técnica singular, ao menos pelo que vi nos trailers.

Acho que as principais chances no Oscar são justamente nas categorias técnicas, especialmente fotografia (a qual você comentou), arte e trilha original - sem falar no roteiro do Christopher Hampton. Espero mesmo que o filme seja como você o descreveu, pois geralmente adoro esse tipo de romance ("Orgulho e Preconceito" foi um dos dez melhores filmes do ano passado).

Abraço!

 
At 7:50 AM, outubro 26, 2007, Anonymous Anônimo said...

Bacana Otavio que vc est� acompanhando a Mostra! E estamos vendo praticamente as mesmas sess�es. Falta s� nos encontrarmos...

 
At 10:19 AM, outubro 26, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

Cassiano, ACROSS THE UNIVERSE é um musical com canções dos Beatles, que acompanha uma história de amor de um casal nas décadas de 60 e 70. É da diretora de FRIDA.

Kamila, só que eu ainda não vi O VIGARISTA DO ANO. Vcs andam elogiando o trabalho do Richard Gere, né?

Vinicius, eu gostei do filme sim. Lógico. Mas eu estava achando ele perfeito até a metade. No final, volta a ficar muito bonito. Acho que vc vai gostar!

Marfil, tem razão. Mas acho que vc já viu mais filmes do que eu na Mostra, não?

Abs!

 
At 12:34 PM, outubro 26, 2007, Blogger Marcus Vinícius said...

Parece ser um belo filme, uma bela história de amor mesmo. Otávio, você irá ver o Sukiyaki Western Django?

Abraços!

 
At 2:39 PM, outubro 26, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

Infelizmente não, Marcus! Sorry. Abs!

 
At 6:09 PM, outubro 26, 2007, Blogger Kamila said...

Otavio, eu adorei o trabalho do Gere. Acho que foi a melhor performance de sua carreira. E "O Vigarista do Ano", para mim, é o melhor filme que o Lasse Hallstrom já fez.

Beijos.

 
At 6:12 PM, outubro 26, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

Que bom saber disso... não vejo nada de bom do Lasse Hallstrom desde REGRAS DA VIDA. Bjs!

 
At 8:14 PM, outubro 26, 2007, Blogger Kamila said...

Mas, também tem o outro lado. Gente que acha que "O Vigarista do Ano" é somente um filme mediano... :-)

Beijos.

 
At 9:09 PM, outubro 26, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

Sempre tem o outro lado. Ou então, não tem graça.

 
At 9:26 PM, outubro 26, 2007, Blogger Kamila said...

É verdade. As discordâncias são boas e naturais entre os cinéfilos.

 
At 3:07 PM, outubro 29, 2007, Blogger Wanderley Teixeira said...

Nossa Otavio vc é um privilegiado!Conseguiu fazer o impossível...Me fazer ter mais vontade ainda de ver esse trabalho do Wright.Parece excepcional!Gostei muito de Orgulho e Preconceito ,mas me pareceu ainda um ensaio do q o diretor pode fazer, o q é bom sinal.A história é fantástica e o olhar de Wright, extremamente sensível parece mais q apropriado para a adaptação.

 
At 6:18 PM, outubro 29, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

Wanderley, eu tenho a impressão de que vc vai adorar o filme.

Abs!

 

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