quarta-feira, janeiro 09, 2008

O Amor nos Tempos do Cólera


O colombiano laureado com o prêmio Nobel de literatura Gabriel García Márquez escreveu O Amor nos Tempos do Cólera (Love in the Time of Cholera, 2007) em "seis dias". No sétimo, ele descansou. O diretor inglês Mike Newell se diz fã da obra, mas filmou um desastre de proporções épicas.

Nas mãos dele, a poesia da saga de Florentino Ariza (Unax Ugalde/Javier Bardem) esperando a amada Fermina Daza (Giovanna Mezzogiorno) por toda uma vida é menos artística do que novela das seis. Chega a ser risível observar um homem daquele tamanho chorando por causa dessa moça. O que representa um defeito grave. Era para ser bonito, emocionante.

Enfim, parece que Newell e o roteirista Ronald Harwood, vencedor do Oscar por O Pianista, tentaram contar o que acontece no livro, mas não houve preocupação com a adaptação da linguagem de García Márquez. O resultado é um filme romântico sem coração. É inteiramente burocrático. Mike Newell filmou O Amor nos Tempos do Cólera como se fosse parte do núcleo de diretores da Globo. Ele erra em tudo. A sensualidade e a sensibilidade deste filme são sutis como um elefante.

Além disso, há uma avalanche de acontecimentos ligando uma cena a outra em questão de pouquíssimos minutos. É uma rapidez que tira a essência da obra. E não adianta dizer que o livro de García Marquez é impossível de ser adaptado. Disseram o mesmo de O Paciente Inglês, de Michael Ondaatje, mas o filme de Anthony Minghella ganhou nove Oscars (embora eu não seja um admirador). Não quero comparar Michael Ondaatje a Gabriel García Márquez, mas isso é desculpa esfarrapada. Ainda assim, não acho que o principal problema está no roteiro. O mais grave nessa versão de O Amor nos Tempos do Cólera é o diretor Mike Newell errando a mão na transposição da linguagem.

Um exemplo de elegância nas adaptações foi David Lean, que utilizava cada espaço da tela para retratar detalhes para lá de minuciosos. Lean pintou quadros belíssimos no cinema com roteiros originais (A Filha de Ryan) ou adaptados (A Ponte do Rio Kwai, Doutor Jivago). No caso de Jivago, a tentativa poderia ter caído nesse rótulo medroso de "adaptação impossível", mas Lean tem personalidade, que pode ser vista em cada um de seus trabalhos.

Por que me prendo a detalhes? Porque são os detalhes numa adaptação desse porte que resgatam as descrições lidas em um livro. O certo seria sentir o cheiro de fumaça ou da tinta nas casas. Alguns filmes são capazes dessa proeza. Em O Amor nos Tempos do Cólera, o cenário da Colômbia parece uma mistura de todos os costumes da América do Sul. No cinema, a direção de arte, a fotografia, os figurinos e as pessoas precisam se conectar ao período da trama. É fundamental proporcionar uma identificação do público com o tempo e o espaço da obra. Com o terreno pronto, a única preocupação adiante do diretor é contar sua história.

Agora, veja a filmografia de Mike Newell. Quatro Casamentos e um Funeral e Donnie Brasco deram certo. O Sorriso de Mona Lisa nem tanto. Seu Harry Potter não é exatamente o melhor da série. Ele passa de um gênero para outro como se isso fosse tarefa das mais fáceis. Nenhum problema em arriscar, afinal temos o exemplo de James Mangold, que faz filmes como Johnny & June e o faroeste Os Indomáveis. Mas enquanto Mangold é fã de cinema, talvez Newell seja fã de literatura. Não sei dizer, mas um acerta e o outro não.

O Amor nos Tempos do Cólera também está aí para confirmar que o cinema mudou. Numa época de filmes como A Paixão de Cristo, Apocalypto e Cartas de Iwo Jima, acredito que o público americano já se acostumou com legendas - até porque o interessante é ver um bom filme e a língua não importa. Em O Amor nos Tempos do Cólera, Newell convocou um elenco internacional para contar uma história passada na Colômbia. Temos o espanhol Javier Bardem, a italiana Giovanna Mezzogiorno, o americano Liev Schreiber, a brasileira Fernanda Montenegro e os colombianos Catalina Sandino Moreno e John Leguizamo. Todos falam um péssimo inglês. Até Schreiber ensaia um sotaque espanhol para atrapalhar. Entendo que a língua correta seria o espanhol, certo? Se é para filmar em inglês, deveriam ter apostado no jeito correto da pronúncia como Ridley Scott fez em Gladiador.

E o elenco não está bem. Recentemente, Javier Bardem foi um assassino caricato em Onde os Fracos Não Têm Vez. Ele não passa tanta credibilidade assim no filme dos irmãos Coen, mas acho que a idéia era ser caricato mesmo ao representar o mal absoluto. Em O Amor nos Tempos do Cólera, Bardem está deslocado no meio de uma terrível maquiagem. E é impressionante avaliar a escolha dos atores. John Leguizamo não convence nem criança como pai de Giovanna Mezzogiorno. O pior de tudo é ver como Unax Ugalde envelhece e se torna Javier Bardem, enquanto os outros atores continuam lá sem uma única ruga a mais.

O Amor nos Tempos do Cólera (Love in the Time of Cholera, 2007)
Direção: Mike Newell
Roteiro: Ronald Harwood (Adaptado do livro de Gabriel García Márquez)
Elenco: Javier Bardem, Giovanna Mezzogiorno, John Leguizamo, Benjamin Bratt, Catalina Sandino Moreno, Liev Schreiber e Fernanda Montenegro

10 Comments:

At 6:47 PM, janeiro 09, 2008, Blogger Kamila said...

Otavio, eu também não entendi porque a Giovanna Mezzogiorno foi a única intérprete de Fermina, já que o Florentino teve dois atores...

Enfim, achei que, do ponto de vista técnico, O AMOR NOS TEMPOS DO CÓLERA, foi um belo filme (a direção de arte, o figurino e a fotografia são ótimos), mas o Newell falha em nos mostrar porque a história de amor de Florentino e Fermina é tão forte a ponto de eles terem que esperar 51 anos para poderem vivenciar isso.

Beijos.

 
At 9:02 PM, janeiro 09, 2008, Anonymous Anônimo said...

Puxa, 1 estrela? É tão ruim assim? Acho que é isso, só verei o filme em DVD mesmo (ao não ser que tenha várias indicações ao Oscar, o que acho difícil). Até agora não vi nenhum comentário animador a respeito dessa adaptação, e com tanto filme bom nos cinemas nesse começo de ano acho que vou deixar para ver esse depois. O que me espanta mais é justamente isso que você comentou: como um romance pode ser burocrático? Bela crítica, inclusive concordo plenamente com essa questão da linguagem.

Abraço!

 
At 10:13 PM, janeiro 09, 2008, Anonymous Anônimo said...

Otavio, concordo com muitas de suas ressalvas. Não gostei da frieza, faltou poesia, faltou emoção. Gostei porém, do visual, e diferente de voce, achei o elenco bom, nada demais, mas satisfatório. A maquiagem funciona em momentos mas comente atrocidades em outros, principalmente em relaçào à cronologia. E voce me lembrou de uma coisa que me incomodou durante a sessão mas que esqueci de colocar na crítica, que é justamente a linguagem. Isto é o que fez filmes como Memórias de Uma Gueixa cairem um pouco no meu conceito. Outro exemplo terrível foi Nomade. Enfim, não odiei como voce, vi algumas coisas boas, mas mesmo assim, deixou muito a desejar mesmo.

Ciao!

 
At 11:08 AM, janeiro 10, 2008, Blogger Otavio Almeida said...

Kamila, essa Giovanna Mezzogiorno fez mais o que? Achei a Catalina Sandino Moreno mais bonita do que ela.

Vinicius, sinceramente, acho que vc consegue esperar até o DVD.

Wally, exatamente. É o mesmo problema de MEMÓRIAS DE UMA GUEIXA. Mas o que é NÔMADE? Não me lembro...

Abs!

 
At 11:45 AM, janeiro 10, 2008, Blogger Museu do Cinema said...

Eu gostei do filme, achei ele muito simpático. Ele não é pretencioso, talvez isso tenha sido o grande problema dele.

 
At 2:45 PM, janeiro 10, 2008, Blogger Rodrigo Fernandes said...

já li criticas feias sobre esse filme, pretendo encara-lo nesse final de semana, aí terei masi precisão no meu comentário... denre as criticas li qeu os sotaques estão carregados demais e a atuaçao da fernanda está extremamente exagerada....
memsoa sism vou assiti-lo e tomara que eu curte...
abraços

 
At 3:26 PM, janeiro 10, 2008, Anonymous Anônimo said...

Nomad foi direto pra DVD, pelo menos isso fizeram direito. Ano passado foi indicado ao Globo de trilha sonora, mas nao merecia...

 
At 3:46 PM, janeiro 10, 2008, Blogger Marcus Vinícius Freitas said...

Quero ler antes de ver. Abs!

 
At 8:26 PM, janeiro 10, 2008, Blogger Kamila said...

Otavio, os créditos dela incluem produções européias (espanholas e italianas). Acho que o primeiro grande papel dela foi nesse "O Amor nos Tempos do Cólera".

 
At 7:35 PM, fevereiro 04, 2008, Blogger gustavo said...

um desastre completo.

 

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