quinta-feira, janeiro 17, 2008

O Caçador de Pipas


Sempre me disseram que O Caçador de Pipas, de Khaled Hosseini, é um livro muito bonito, que faz chorar, etc. Pode até ser verdade, mas a adaptação para o cinema dirigida por Marc Forster, de Em Busca da Terra do Nunca e Mais Estranho que a Ficção, foge de qualquer emoção. E é o medo de não cair na pieguice que estraga o filme O Caçador de Pipas (The Kite Runner, 2007).

Não peço algo sentimentalóide, mas até quem não leu o livro sabe que O Caçador de Pipas tem uma história bonita. Contando o filme a alguém, obviamente, parece que estamos falando de uma saga humana e emocionante de culpa, intolerância, redenção, e principalmente amizade e lealdade. Também é uma história triste, afinal a invasão russa no Afeganistão e a conseqüente intervenção americana no Oriente Médio como pano de fundo forçam não apenas o fim da inocência dos meninos Hassan (Ahmad Khan Mahmidzada) e Amir (Zekeria Ebrahimi), mas também de todo o povo. Se é focado em duas crianças, você imagina que a emoção virá à tona a qualquer momento. Só que o filme de Marc Forster é frio e se esquiva dos sentimentos sempre quando ele ameaça surgir na tela. Há uma única cena que pode levar o público inteiro (e não somente os fãs) às lágrimas: quando o Amir adulto (o fraco Khalid Abdalla) lê a carta de Hassan. É uma pena que um drama com grande potencial como O Caçador de Pipas não esteja à altura desta cena.

Por exemplo, acho que a linha narrativa de O Caçador de Pipas lembra a de Cinema Paradiso: homem recebe um telefonema e precisa voltar a sua cidade natal para acertar contas com o passado. As comparações entre os filmes de Marc Forster e Giuseppe Tornatore param aqui. Mas Cinema Paradiso é tocante sem ser piegas. E seu diretor não teve medo de ser acusado como tal. Outro exemplo do gênero que deveria ter sido seguido por Forster e o roteirista David Benioff é Menina de Ouro. Clint Eastwood fez um filme extremamente triste, mas que não necessariamente faz o público chorar.

A falta de emoção pode ser o maior dos problemas de O Caçador de Pipas, mas não é o único. Algumas cenas ficam soltas com tantos buracos no roteiro. Não posso contar, mas a impressão é que faltou informação em alguns diálogos para explicar as motivações de alguns personagens. Há uma cena específica entre os pais de Amir e Hassan que simplesmente não faz sentido (quando um deles avisa estar de malas prontas para ir embora). Você vai ver.

Na verdade, Hollywood é geralmente acusada de deixar "buracos" nos roteiros de vários filmes. Agora, parece que encontraram a solução. Em vez de rever a montagem final, Forster confiou plenamente nos fãs do livro, que conhecem a história de trás para frente. Mas como ficam aqueles que não leram o trabalho de Khaled Hosseini? Claro que dá para entender o filme, mas a falha na narrativa existe.

Apesar de uma ou outra mudança para o formato de cinema, Marc Forster parece que foi bem fiel ao livro. Falta ousadia em sua filmografia, que reúne títulos interessantes, mas que se prendem a fórmulas ou regras e, por isso, jamais decolam. Na crítica de Mais Estranho que a Ficção, escrevi um trecho assim: "Se o filme fosse resultado de uma adaptação literária, eu diria aqui que se trata de uma xerox do livro. Forster confia demais no roteiro de Zach Helm e entrega uma produção fria e muito arrastada até o final edificante."

E tive uma certa bronca com o filme. Não sei se é assim no livro, mas nada me tira da cabeça que O Caçador de Pipas aponta os valores do lado ocidental como a salvação. Quando Amir sai de Cabul, no Afeganistão, para estudar e trabalhar nos EUA, ele passa a compreender o american way of life tão bem a ponto de considerá-lo como significado de esperança e futuro. Antes, ele era invejoso, egoísta e covarde. Agora, Amir é um exemplo de vida. A parte do filme que o retrata como adulto só contribui para reforçar a imagem dos EUA como símbolo máximo de cultura, sociedade e educação.

Mas é claro que sou minoria. Ainda mais porque grande parte do filme é conduzido pelo relacionamento das crianças. O que deixa essa visão em segundo plano. E fica difícil não se deixar levar pelo tema de amizade proposto por O Caçador de Pipas. Temos bons momentos como a leitura da carta de Hassan, mas o todo poderia ter sido menos gelado. Eu queria muito abraçar esse filme - ainda mais quando vejo a cena final com Amir correndo atrás da pipa e dizendo a frase "Por você, eu faria isso mil vezes" -, mas não consigo.

O Caçador de Pipas (The Kite Runner, 2007)
Direção: Marc Forster
Roteiro: David Benioff (Adaptado do livro de Khaled Housseini)
Elenco: Khalid Abdalla, Homayoun Ershadi, Zekeria Ebrahimi, Ahmad Khan Mahmidzada e Shaun Toub

13 Comments:

At 10:47 PM, janeiro 17, 2008, Anonymous Anônimo said...

Que decepção! Vou ver este domingo e estava com as expectátivas lá no alto. Adorei o livro e admiro muito Marc Forster, mas veremos. Fiquei meio desanimado com sua crítica...

ps: a visualização ta ótima

 
At 10:59 PM, janeiro 17, 2008, Blogger Otavio Almeida said...

Eu não li o livro, Wally. Seria bom se Marc Forster também tivesse pensado nessa parte do público. Eu enxerguei buracos e absurdos na condução da história... Mas a história é bonita... dá muita vontade de gostar de O CAÇADOR DE PIPAS, mas...

E obrigado por avisar sobre o problema na visualização do blog.

Abs!

 
At 3:58 PM, janeiro 18, 2008, Anonymous Anônimo said...

Otavio, já tinha visto que a recepção ao filme não tinha sido das melhores, mas esperava um filmaço do Marc Forster (que me emocionou muito em "Finding Neverland"). Pelo que deu para perceber, esse filme não tem muita emoção, por isso seu texto me desanimou um pouco ;-) Não li a obra original, mas de qualquer forma devo ver em breve.

Abraço!

 
At 5:04 PM, janeiro 18, 2008, Blogger Kamila said...

Otavio, que pena que o filme falha em se conectar com a platéia, em mostrar a emoção que - no livro - é tão latente.

Li a obra de Khaled Housseini recentemente e achei que, nas mãos certas, o livro daria um ótimo filme, já que o material original é excelente. Mas, que pena que o Marc Forster não conseguiu passar todo esse caráter especial que o filme tem para a grande tela.

Beijos e bom final de semana!

 
At 6:01 PM, janeiro 18, 2008, Blogger Diário de Dois Cinéfilos said...

Nossa! Estava com expectativas altisssimas, inclusive o livro é realmente muito bonito e por isso esperava que o filme também fosse.

Durante a semana vou ver e comento oque achei.

Abraço!

 
At 6:27 PM, janeiro 18, 2008, Anonymous Anônimo said...

Fiquei bastante curioso com sua teoria do "lado ocidental" - oque é interessante e para mim bem cabível, pois é muito difícil se livrar de valores, preceitos, por mais que tentemos impedir (o caso Marc Foster), as mensagens subliminares sempre estarão lá.

 
At 1:16 AM, janeiro 19, 2008, Blogger Otavio Almeida said...

Ainda acho que serei minoria aqui...

Abs! Bom final de semana!

 
At 2:31 AM, janeiro 19, 2008, Blogger Rodrigo Fernandes said...

estou tão ansioso pelo filme e pelo que percebi vc não o curtiu.. pois nem irei ler sua critica, só depois de assistir oa filme.. ehhehe... acho que estraga um pouco as expectativas esatrem lá no alto...principalmente pelo fato de que tata-se do livro mais vendido e masi bem falado nos ultimos tempos... é dificil fazer essas adaptalões, principalmente porque com o livro vc já vai imagianndo as cenas, montandos eu proprio filme na cabeça...

 
At 5:36 AM, janeiro 19, 2008, Blogger Paula said...

Achei o seu comentário excelente.

Eu não conhecia o seu blog, acabei de ver no comentário do Merten, boa descoberta!

Sou uma das que não leu o livro. Não posso dizer que não gostei, só que faltou alguma coisa.

Algumas cenas mexeram de alguma forma comigo, meus sentimentos variavam entre raiva e perplexidade... mas em momento nenhum senti aquela emoção genuína de um bom drama (sem medo de beirar o piegas, como disse).

Concordo, ainda, planamente com os buracos e com a questão da valorização da cultura ocidental.

Um abraço!

 
At 2:53 PM, janeiro 19, 2008, Blogger Otavio Almeida said...

Rodrigo, Vc tem razão. Precisa ver e ter sua opinião. Depois a gente conversa sobre o filme.

Paula, muito obrigado! E concordo com vc sobre o filme. Passe mais vezes aqui para falarmos sobre cinema.

Abs!

 
At 9:01 PM, janeiro 19, 2008, Blogger Flávia said...

Concordo com a sua crítica. O filme segue direitinho a história do livro, mas falta alguma coisa... Não passa emoção, a não ser pela cena da carta e o final. O livro é infinitamente melhor.

Bjs!

 
At 4:02 AM, janeiro 23, 2008, Anonymous Anônimo said...

Otavio, que decepção! Esperava um grande filme e concordo plenamente com seus comentários. Parece até que o Forster tem medo até de seu longa ficar piegas, fazendo um trabalho frio e sem alma. Eu dei nota 7 (ou três estrelas) porque as cenas com as pipas são muito boas (especialmente a primeira), especilmente devido à belíssima trilha sonora.

 
At 4:43 AM, janeiro 29, 2008, Anonymous Anônimo said...

Fui ver o filme sem grandes expectativas, sem esperar que ele fosse a cópia fiel do livro. Já havia lido algumas críticas ruins a respeito dele, mas preferi tirar minhas próprias conclusões. Ainda bem. O filme, assim como o livro, me emocionou muito. Recomendo. E se quiserem ler uma crítica menos hollywoodiana que esta vão em: http://locutorio.blog.com/ - É uma crítica muito bem escrita e com mais conteúdo.

 

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