sexta-feira, outubro 26, 2007

No Vale das Sombras

31ª Mostra Internacional de Cinema

Em menos de três anos, Paul Haggis assinou os roteiros de Menina de Ouro, A Conquista da Honra e Cartas de Iwo Jima para Clint Eastwood. Além de colaborar na reinvenção de James Bond, em Cassino Royale, Haggis não é só roteirista, mas diretor de Crash, o surpreendente vencedor do Oscar de 2005, e No Vale das Sombras (In the Valley of Elah, 2007), um dos melhores filmes deste ano. Não é pouca coisa.

No Vale das Sombras pode não ser superior a Crash, mas confirma o nome de Paul Haggis entre os principais diretores desta década. Até agora, ele se preocupou em analisar a comunidade norte-americana dentro do atual cenário político e social. Ele estuda a intolerância e a impressionante habilidade do ser humano em se desentender com o próximo. Em Crash e No Vale das Sombras, Haggis parece um cineasta dos anos 1970. É um exímio contador de histórias e sem pressa alguma para desenvolver os conflitos de sua trama, que no final, sempre termina bem amarrada.

Enquanto Crash tinha um ótimo roteiro apoiado por um elenco espetacular, No Vale das Sombras faz a trama de Haggis funcionar exclusivamente pelo olhar enigmático de Tommy Lee Jones. Todos os outros atores deste filme são forçados a reagir ao impacto de Jones em cada cena. Ele dita o ritmo e o timing do elenco.

Na escuridão da noite, o veterano do Vietnã Hank Deerfield (Jones) embarca numa jornada melancólica depois de receber um telefonema do exército, que diz não saber o paradeiro de seu único filho, que retornou do Iraque. Talvez Hank tenha adquirido experiência em investigações criminais, enquanto atuou como militar. É por isso que a jovem detetive Emily Sanders (Charlize Theron) o ajuda na busca desse pai desesperado. Não exatamente por pena, mas para entender seu papel como mãe e aprender cada movimento de um velho profissional, que é muito mais eficiente do que a polícia local.

A fotografia de Roger Deakins cria o clima perfeito para situar o espectador neste clima sufocante da investigação de Hank e Emily. Além disso, ele faz as luzes da cidade iluminarem as ruas escuras por onde a dupla passa e isso cria um elo visual com o universo de Crash, onde nem os dias são mais claros do que a noite. Aqui, Deakins mostra como é um excepcional diretor de fotografia, sem precisar apelar como em O Assassinato de Jesse James Pelo Covarde Robert Ford, que tem cara de comercial de sabonete.

No Vale das Sombras pode ser facilmente classificado como um filme que levanta voz contra a Guerra no Iraque. Ele realmente lembra a atmosfera cinzenta do pós-Vietnã de acordo com a visão dos soldados, que ditou a tendência de Hollywood na década de 1970 em produções como Amargo Regresso e O Franco-Atirador. Mas Paul Haggis quer avaliar a mente do personagem de Tommy Lee Jones, um patriota que acredita na intervenção norte-americana no Iraque. Ele chega a dizer que seu filho ajudou a levar a democracia ao país do Oriente Médio. Mas desta vez, ele talvez tenha colocado sua função de pai, antes da posição de cidadão norte-americano. É desse ponto de vista que posso dizer que Hank desce ladeira abaixo.

Em certo momento, ele conta ao pequeno filho de Emily sobre a história de Davi e Golias, que ocorreu no Vale de Elá (o título original do filme). Para ele, a luta não foi fácil e o jovem Davi sentiu medo ao enfrentar o poderoso Golias. O filme de Paul Haggis diz que todo soldado é humano. Na verdade, uma criança que deve abdicar de sua própria alma infantil e se tornar um assassino no campo de batalha. Vendo desta forma, como um pai pode reconhecer o próprio filho?

A cena final me lembrou o clímax de O Franco-Atirador. Não exatamente a imagem, mas seu sentido, sua força. Nenhuma guerra é boa e ninguém sai ileso. Todos perdem algo (ou alguém) de valor. Até mesmo na guerra de um homem só. Seja particular ou interior.

No Vale das Sombras (In the Valley of Elah, 2007)
Direção: Paul Haggis
Elenco: Tommy Lee Jones, Charlize Theron, Susan Sarandon, Jason Patric, James Franco, Josh Brolin e Frances Fisher

20 Comments:

At 6:07 PM, outubro 26, 2007, Blogger Kamila said...

Confesso que não tinha muitas expectativas em torno desse filme. Sua crítica me deixou bastante curiosa para assistí-lo.

E eu acho que o Paul Haggis é uma das maiores revelações dos últimos anos no cinema. Ele sempre entrega trabalhos consistentes.

Beijos e bom final de semana!

 
At 6:08 PM, outubro 26, 2007, Blogger Kamila said...

Este comentário foi removido pelo autor.

 
At 6:16 PM, outubro 26, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

É um belo filme, Kamila! Eu estava conversando hj com o Rodrigo Salem, da SET. Ele tb viu e disse que é muito bom, mas que tb prefere CRASH. De qualquer forma, o Paul Haggis vem entregando belos trabalhos. Isso é ótimo!

Bjs! Bom final de semana!

 
At 8:13 PM, outubro 26, 2007, Blogger Kamila said...

Otavio, a gente já conversou sobre "Crash" e você sabe que eu adoro o filme. Chorei horrores assistindo e acho que o Haggis faz um filme relevante ali, com um tema que, três anos depois de seu lançamento, ainda continua mais do que atual.

Beijos.

 
At 9:20 PM, outubro 26, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

CRASH é muito bom. Muita gente ficou brava pq havia uma torcida por BROKEBACK MOUNTAIN, que eu tb gosto muito. Mas meu favorito naquele Oscar foi BOA NOITE E BOA SORTE, mas nem por isso diminui CRASH (Melhor Filme) e BROKEBACK MOUNTAIN (Melhor Direção). Bobagem. Aí é só um prêmio. A gente gosta, é divertido, faz a nossa cabeça, mas no fim, é só um prêmio. Isso não diminui BROKEBACK MOUNTAIN ou qualquer outro filme. Adoro todos eles. E MUNIQUE, que tb concorreu.

Bom, eu gosto de CRASH... Não gosto é do CRASH do David Cronenberg... :-)

Bjs!

 
At 9:26 PM, outubro 26, 2007, Blogger Kamila said...

Otavio, eu também não gosto do "Crash", do Cronenberg. E meu filme favorito de 2005 foi também o "Boa Noite, e Boa Sorte". Também não acho que a vitória de "Crash" diminui "O Segredo de Brokeback Mountain", até porque o Oscar 2005 foi bem distribuído. Todo filme saiu com seu Oscar nas mãos, menos Munique, que, acredito, não venceu nada naquele ano.

Beijos.

 
At 11:11 PM, outubro 26, 2007, Blogger Museu do Cinema said...

O Franco Atirador é filmão, e seu diretor melhor ainda hein Otávio!

 
At 11:59 PM, outubro 26, 2007, Anonymous Anônimo said...

Crash é um filme que admiro profundamente, pois o filme me pegou de surpresa quando eu na verdade não esperava nada mesmo. Sai da sessão arrepiado, arrasado, como Kamila, chorei horrores. Considero uma obra-prima e tenho altas expetátivas por No Vale das Sombras (nome que gostei muito por sinal).

Ótima critica!

Ciao!

 
At 12:14 PM, outubro 28, 2007, Blogger Romeika said...

Olha, não esperava muito desse filme (depois de uma revisita, vi o quanto "Crash" foi superestimado, apesar de ter suas virtudes), mas a sua comparação com "O Franco Atirador" me chamou a atenção.

 
At 1:03 PM, outubro 28, 2007, Blogger Wiliam Domingos said...

Sua crítica me surpreendeu...não estava dando nada pra este filme!
Não sou fã ainda de Paul Higgs...confesso que não gosto muito do estilo dele, mas irei ver este...talvez mude de opinião!
Abraço

 
At 5:06 PM, outubro 28, 2007, Blogger Kamila said...

Otavio, antes tarde do que nunca. Deixei comentário no seu post de "Hairspray". :-)

 
At 5:09 PM, outubro 28, 2007, Anonymous Anônimo said...

Me surpreendi com sua crítica, pois não espero grande coisa desse filme. Quero dizer, não sou nem de longe um fãdo Paul Haggis, apesar de alguns bons roteiros dele - sendo o melhor, na minha opinião, o de "Cassino Royale". Meu interesse principal está no elenco, especialmente em relação à Charlize Theron.

Abraço!

 
At 10:40 AM, outubro 29, 2007, Blogger Rafael Carvalho said...

Inveja, inveja, inveja. É o máximo que eu posso dizer sobre todos esses filmes que vc tá podendo assistir.

 
At 10:55 AM, outubro 29, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

Kamila, vou dar uma olhada lá no post de HAIRSPRAY. Obrigado!

Cassiano, prometo rever o Michael Cimino. Mas adoro O FRANCO ATIRADOR.

Wally, já não acho CRASH uma obra-prima, nem NO VALE DAS SOMBRAS. Mas são grandes filmes. Sem dúvida.

Romeika, só lembra O FRANCO ATIRADOR pelo clima. Não "parece fisicamente" com o filme do Michael Cimino. Mas o sentido (e a força) da cena final de NO VALE DAS SOMBRAS lembra o poder emocional da cena final de O FRANCO ATIRADOR.

William, veja o filme. Não sei quando estréia. O Vinicius disse que estréia em novembro.

Vinicius, eu sei que vc não é fã de CRASH. No seu comentário, percebi que esqueci de falar sobre a Charlize. Mas ela está ótima no filme. É que todos os atores do filme precisam reagir à atuação de Tommy Lee Jones. E isso elevou o nível. Torço por uma indicação para Charlize. Nossa amiga e especialista Kamila pode dizer se ela tem alguma chance?

Abs a todos! Boa semana!

 
At 10:56 AM, outubro 29, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

Rafael, parece que NO VALE DAS SOMBRAS estréia já em novembro. Não perca! Abs!

 
At 3:02 PM, outubro 29, 2007, Blogger Wanderley Teixeira said...

Me surpreendi com sua avaliação apaixonada pelo filme do Haggis.Tenho certo receio do trabalho desse cara.De primeira vista tb achei Crash o melhor filme do ano na ocasião q vi no cinema.Depois de assistir 2, 3 vezes, percebi alguns detalhes no filme q me incomodaram muito.Uma ingenuidade e uma série de clichês desnecessários.Quanto aos outros trabalhos, os três roteiros dirigidos pelo Eastwood, ganharam brilho pelas mãos do diretor e só, Cassino Royale é uma boa fita de ação mas tb naum ultrapassa isso.Gosto muito do Jones e da Theron e o ponto de vista do personagem dele no filme, descrito por vc, q vai se modificando com o passar da narrativa parece ser ótimo, espero q saia logo em circuito.PS:Não sabia do título em português!

 
At 6:21 PM, outubro 29, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

Wanderley, o legal é que parece ser um filme do mesmo diretor de CRASH. Ao mesmo tempo, consegue ser um filme diferente de CRASH. Acho que você não pode perder. Nem que seja para avaliar a atuação de Tommy Lee Jones.

Abs!

 
At 3:29 PM, outubro 31, 2007, Blogger Romeika said...

Valeu, Otávio, lembrarei disso quando eu puder assistir ao filme. Vai que eu tenha a mesma impressão.

 
At 8:46 PM, outubro 31, 2007, Anonymous Anônimo said...

Gostaria de parabenizá-lo pelo conteúdo e qualidade do site. As críticas são fundamentadas e fogem à impressão comum daqueles que vêem alguns filmes e depois querem expôr sua opinião. Gosto muito do seu texto e mais ainda da maneira como se posiciona sobre os filmes. Gostaria também de saber como você vê esses filmes que ainda não estrearam no Brasil.
Parabenizo-o mais uma vez por oferecer ao mundo dos apaixonados por cinema um conteúdo digno de apreciação.

 
At 9:42 PM, outubro 31, 2007, Blogger Otavio Almeida said...

Muito obrigado, Thiago! Na verdade, esse privilégio de assistir a alguns filmes antes da estréia terminará amanhã pra mim.

De "O Assassinato de Jesse James Pelo Covarde Robert Ford" até "Across the Universe", vi todos esses filmes (incluindo "Into the Wild", que ainda farei a crítica, e "Onde os Fracos Não Têm Vez", que verei amanhã) na 31ª Mostra Internacional de São Paulo (veja o site: www.mostra.org).

A Mostra termina amanhã com a escolha de um júri e a exibição do filme dos irmãos Coen ("Onde os Fracos Não Têm Vez"). Depois eu conto. Ok?

Agradeço mais uma vez por suas palavras gentis e espero que passe aqui no blog mais vezes para discutirmos sobre essa maravilha que é o cinema.

Abs!

 

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