O cinema segundo Tarantino
LEIA RÁPIDO:
“Cara, eu já te falei mil vezes e já estou cansado de repetir a mesma coisa de novo e de novo e de novo: Quentin Tarantino mudou o cinema. Como assim não concorda? PORRA! Tô te falando, cara! Preste atenção: Hollywood precisava de uma chacoalhada daquelas e os filmes andavam politicamente corretos demais. Lembra desse termo antigo que significa nada mais, nada menos que a preservação do maldito conservadorismo, puritanismo ou qualquer “ismo” que saisse da América? Pois é. Em (agora, leia pausadamente) mil-novecentos-e-noventa-e-dois, (já pode acelerar a leitura de novo) esse cara, que trabalhava em locadora, sim, eu disse LOCADORA, fez um filme chamado Cães de Aluguel, que ganhou elogios até de Scorsese na época. Claro, tinha sangue, uma orelha cortada, um tiroteio no final que lembra John Fuckin’ Woo e um sujeito sangrando até a morte. A garotada adorou, vibrou por sair da mesmice, mas os adeptos do blá-blá-blá reclamaram do excesso de violência que não passava na TV etc etc. Mas o filme foi cultuado em mostras, festivais… só que ainda faltava aquela produção capaz de prender a atenção das malditas massas…”
PAUSA PARA GRITÃO:
“O QUE FOI, MULHER? NÃO TÁ VENDO QUE TÔ CONVERSANDO AQUI COM MEU IRMÃO? CALMA! JÁ VOU LEVAR O LIXO PRA FORA!”
CONTINUANDO, BEM MAIS CALMO:
“Você acredita nisso? Casamento, irmão! Casamento! A mulher acha que pode me interromper como Kanye West… Ora, onde eu estava mesmo? Ah, sim. Então, Quentin Tarantino saiu do anonimato. fez um roteiro aqui e ali para Oliver Stone e Tony Scott, o cara do metrô, sabe? Lembra de Irmãos Gêmeos, com Arnold Schwarzenegger e Danny DeVito? Então, Tony Scott é Danny DeVito, enquanto Ridley Scott é Arnold Schwarzenegger. Hahahahaha… Entendeu? Hmm, enfim, ainda faltava a Tarantino um filme capaz de seduzir as massas, como eu já disse. E eu te dou duas palavras: PULP, FICTION. É… Talvez o filme mais influente dos anos 90. É… O cara trouxe de volta o John Travolta! É… Hmm, isso soou estranho, “trouxe de volta o John Travolta”, mas é verdade. Travolta dançou e foi indicado ao Oscar, mas tanto ele quanto o filme e o Tarantino perderam pra Forrest Gump. Pois é. Pulp Fiction fez História…
… Mais tarde, Tarantino fez Jackie Brown, que é bacana, mas não tem a originalidade e a fúria de seu filme anterior, sem falar que o Samuel L. Jackson de Pulp Fiction ganharia na porrada do Samuel L. Jackson de Jackie Brown… QUÊ? COMO ASSIM “O CARA DO SABRE ROXO DE STAR WARS”? QUER QUE EU TIRE ESSE SORRISO DA SUA CARA? Ok, antes de George Lucas destruir Star Wars, Sam Jackson foi o bad motherfucker de Pulp Fiction. Ok? E ele não aparecia em qualquer lixo como hoje em dia. Não esqueça mais disso!
Bom, o Tarantino, você sabe, não é perfeito. Ninguém é perfeito. Nem Jesus Cristo, como aquele Dan Brown disse. Enfim, Quentin Tarantino insiste em trabalhar com o chapa Robert Rodriguez. Não gosto desse cara, mas não conte a ninguém. Eles fizeram várias bobagens. Pelo menos, o Tarantino salvou metade de Grindhouse com o Kurt Russell posando de David Hasselhoff, em Knight Rider.
Mas eu gosto mesmo é de Kill Bill, cara. Os dois volumes juntos dariam um filme melhor que Pulp Fiction. Mas, ei, ei, ei, ei… Eu disse, leia meus lábios: Os-dois-volumes-juntos. Ok? Pulp Fiction ainda é o melhor! Uma Thurman é uma deusa! Pior que ela está em Pulp Fiction e Kill Bill. Cara, ela precisava aparecer em todos os filmes do Tarantino. TODOS! O fato é que…”
CORTA PARA O GRITÃO:
“QUE FOI, MULHER? JÁ DISSE QUE VOU LEVAR O LIXO DAQUI A POUCO! AAAAAAAH, CALA A BOCA!”
CONTINUANDO, BEM MAIS CALMO:
“Cara, não dá, perdoe a patroa… Mas depois a gente continua a falar sobre o Tarantino!”
Deixa Ela Entrar
Nesta década, graças a livros e filmes bem-sucedidos, o mito do vampiro deixou de ser erudito para se tornar popular. Por isso, não deixa de ser curioso que a melhor obra do “gênero” nos últimos anos não se encaixe facilmente na cultura de massa. De origem sueca, o filme Deixa Ela Entrar (Let the Right One In/Låt den Rätte Komma In, 2008) é protagonizado por um menino e uma menina, ambos com 12 anos, vivendo uma estranha e inesperada história de amor. Se o filme fosse fruto de Hollywood, teríamos, no mínimo, um casal de adolescentes no centro da trama. Só esse elemento incomum – e incômodo para muitos - torna obrigatório este pequeno grande filme do diretor Tomas Alfredson.
Com uma fotografia mergulhada nas sombras, mas que ressalta o branco da neve cobrindo uma pequena cidade sueca, Deixa Ela Entrar antecipa o clima de dor e solidão já na primeira cena que descreve o lugar onde vivem seus protagonistas. No inverno, época em que as dores são mais fortes, conhecemos Oskar (Kåre Hedebrant), um menino frustrado no fim de sua infância e enfraquecido em sua jornada rumo à vida adulta, graças à separação de seus pais. Oskar é humilhado diariamente por bullies na escola e é incapaz de reagir – como se aproveitasse para punir a si próprio, deixando a dor física tomar conta da dor emocional.
É nesse cenário patético de sua vida que ele conhece sua nova vizinha, Eli (a ótima Lina Leandersson), no jardim em frente ao prédio onde mora. Rapidamente, descobrimos que eles nasceram um para o outro. O único probleminha é que Eli não é simplesmente uma menina, que encanta e captura qualquer um que tenha coração com seu lindo e profundo olhar. Como Oskar, ela tem 12 anos. Só que há muito mais tempo, afinal Eli é uma vampira. Ao saber disso, Oskar, que é uma criança, não foge ou fica com medo. Sua idade facilita esse elo com a fantasia. E Eli é seu passaporte para escapar do pesadelo da vida real.
É impressionante como o diretor faz com que a plateia se preocupe com Oskar e Eli muito mais do que ambos se preocupam com eles mesmos. O olhar triste de Eli faz com que você fique de joelhos e entenda que ela realmente precisa de sangue – custe o que custar. Você torce para que um salve o outro no momento certo. Você quer que eles se beijem, se abracem, embora sejam… crianças. Ora, por favor, não pense que isso é anormal. Crianças não são idiotas e seriam capazes de compreender a cena em que Eli deita (nua) na cama de Oskar. Não há sexo como eu e você conhecemos. Excitado de verdade pela primeira vez na vida, Oskar apenas pergunta: “Você gostaria de ser minha namorada?” FANTÁSTICO! A inocência cai e ele dá o passo inicial para o amadurecimento. Sua relação com Eli não o coloca num mundo de fantasia - onde aprende a ser criança -, como geralmente acontece nos filmes americanos. Na companhia da vampirinha, Oskar, aos poucos, cresce.
A própria Eli talvez seja uma senhora secular presa no corpo de uma menina de 12 anos. Mas acho que ela se recusa a ter a sua verdadeira idade. Por causa de um par de dentes afiados que furou sua jugular, Eli talvez tente recuperar (eternamente) sua infância perdida. Ao conhecer Oskar, ela sabe que ganha uma segunda chance.
Há um mistério, no entanto, na figura do velho homem que mora com a menina. É ele quem procura por sangue na calada da noite para Eli matar sua fome. Mas quem é esse cara? Seu pai? Um ex-amante? Um ex-Oskar? Por mais que este personagem tenha uma origem nebulosa, acho que Eli compreende o amor e a amizade ao conhecer o pequeno Oskar, sua redenção. Se ela errou em algum momento de sua vida, agora é hora de recomeçar.
O roteiro de John Ajvide Lindqvist, baseado em seu próprio livro, ganha uma bela tradução do diretor Tomas Alfredson, que filma com a paciência que a história exige – seja para aumentar a tensão, quando ela é necessária, ou somente para contar a trama, que nos coloca na linha de raciocínio das duas crianças. É um recurso que facilita o diálogo do filme com o público.
Alfredson propõe que o amor é a linguagem universal. Repare na figura de Oskar e Eli – de vez em quando, ele parece uma menina, enquanto ela aparenta ter a fisionomia de um garoto. Enfim, o amor não escolhe sexo – ou seres humanos ou vampiros. Repare também na caracterização da época em que se passa o filme. Por causa dos carros, das roupas, dos vinis, acho que Deixa Ela Entrar acontece nos anos 80, mas não tenho certeza. Talvez Alfredson queira ressaltar essa ideia de que o amor pode atingir qualquer um, em qualquer época, em qualquer lugar. É atemporal.
Outro ponto interessante está nas cenas mais pesadas, em que a câmera do diretor finge olhar para outro canto da tela bem na hora em que o sangue e a escatologia ameaçam dominar o enquadramento. Bom, de toda forma, trata-se de uma fábula infantil e uma criança pode estar sentada na plateia. E convenhamos que é muito mais elegante deixar o público usar a imaginação do que apostar no horror explícito. Isso traduz bem a ideia do filme: Tanto para Oskar quanto para Eli, o amor vence o ódio, a indiferença e a violência. Por este lado, como fantasia, Deixa Ela Entrar dialoga com outro belo exemplar do gênero, que é O Labirinto do Fauno.
Deixa Ela Entrar é uma linda história de amor e amizade entre duas crianças. Não vejo um filme tão bom, lindo e sensível assim desde E.T. – O Extraterrestre (Que foi? Eu acho que o alienígena de Spielberg é uma criança). O que fica é o amor, mesmo que o filme tenha sangue, cabeças decepadas e braços arrancados.
Deixa Ela Entrar (Let the Right One In/Låt den Rätte Komma In, 2008)
Direção: Tomas Alfredson
Roteiro: John Ajvide Lindqvist (Baseado em seu próprio livro)
Elenco: Kåre Hedebrant, Lina Leandersson, Per Ragnar, Henrik Dahl, Karin Bergquist e Peter Carlberg
Veja o novo pôster de Um Olhar do Paraíso
Lindo, não? A adaptação para o cinema do livro Uma Vida Interrompida (The Lovely Bones) ganhou o título nacional Um Olhar do Paraíso. Com direção de Peter Jackson (O Senhor dos Anéis, King Kong), o filme conta a história de Susie Salmon (a adorável Saoirse Ronan, de Desejo e Reparação), que chega ao Céu após ser estuprada e assassinada pelo vizinho (Stanley Tucci). Lá de cima (ou bem de perto), a garota observa sua família, que ainda chora sua morte.
O elenco ainda tem Rachel Weisz, Mark Wahlberg e Susan Sarandon. A estreia no Brasil está marcada para o dia 10 de janeiro de 2010.
Vida longa ao Monty Python
Há exatos 40 anos, no dia 05 de outubro de 1969, um irreverente grupo inglês formado pelos atores John Cleese, Eric Idle, Graham Chapman, Michael Palin, Terry Gilliam e Terry Jones começava a fazer História com a estreia da série Monty Python’s Flying Circus. Suas únicas armas contra a estranheza alheia em relação ao que é novo: cara de pau, e um humor ácido, direto, baseado nas mudanças inevitáveis da cultura inglesa (e mundial).
O Monty Python sacudiu o pudor da refinada sociedade local durante as quatro temporadas em que a série ficou no ar na BBC. Rapidamente, fez escola pelo mundo, com o fortalecimento de sua marca graças aos filmes Monty Python em Busca do Cálice Sagrado (1974), A Vida de Brian (1979) e Monty Python – O Sentido da Vida (1983).
Se hoje já vimos TV Pirata, Casseta & Planeta, assim como comédias americanas de qualidade do naipe de Apertem os Cintos, O Piloto Sumiu, Top Secret, e Corra que a Polícia Vem Aí!, devemos tudo aos caras do Monty Python. Atualmente, a crítica corrosiva ao momento político, cultural e social desapareceu das comédias, que se concentram somente no besteirol – vide ovelhas negras como Todo Mundo em Pânico e Os Espartalhões. Mas isso era previsível, afinal a inteligência que um dia existiu nesse tipo de humor se perdeu no meio da artificialidade da Era da banalização da informação.
Hoje, embora principalmente John Cleese e Eric Idle continuem em atividade, o Python que continua exercendo certa influência em Hollywood é Terry Gilliam, que seguiu firme e forte como cineasta. Além dos filmes do grupo inglês, Gilliam é o responsável por sucessos como Brazil, As Aventuras do Barão Munchausen, O Pescador de Ilusões, Os Doze Macacos e o novo The Imaginarium of Doctor Parnassus (mais conhecido como “o último filme estrelado por Heath Ledger).
OBS: Fique ligado no HOLLYWOODIANO em outubro, pois teremos mais homenagens ao Monty Python.
Salve Geral
No sistema atual, ninguém é de ninguém. E não existe essa de certo ou errado. O que impera neste mundo dos espertos é a lei do mais forte. Pelo menos é o que acha o diretor Sérgio Rezende em Salve Geral (2009), produção nacional que tenta vaga no Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.
Neste contexto, Rezende fez um filme sobre o descontrole do indivíduo e, consequentemente, da sociedade. Até que começa interessante com uma abordagem, que não deixa de ser corajosa, de São Paulo (ou o Brasil) nas mãos dos bandidos – aqueles que ficam atrás das grades, claro. Se bem que, em Salve Geral, há um interminável entra e sai de policiais, visitantes e detentos do presídio, que a cidade inteira acaba se tornando uma imensa prisão. E Salve Geral não é exatamente sobre os ataques e as ameaças do PCC (Primeiro Comando da Capital), em maio de 2006, na cidade de São Paulo. Esse é o pano de fundo para a luta de uma mãe, Lúcia (Andrea Beltrão), para tirar seu filho da cadeia.
Ok, agora é a minha vez: O diretor, no entanto, não quis seguir a linha dos atuais filmes catástrofes de Hollywood, que costumam concentrar a narrativa em pais e filhos tentando sobreviver a ataques alienígenas ou às revoltas das forças da natureza. Pode cair o mundo, mas a câmera segue a família. Por mais que isso tenha caído no clichê, trata-se de um recurso para gerar um link emocional com o público e (por que não?) com a Academia, afinal é o que todos esperam de Salve Geral. Acho que Sérgio Rezende não deveria ter tentado analisar a situação como um todo, dando voz a diversos personagens em diferentes cenários. É como se em Guerra dos Mundos, Spielberg tivesse mostrado o lado dos alienígenas, assim como dos parentes e vários vizinhos de Tom Cruise e Dakota Fanning.
Cara, isso é só um exemplo para destacar um artifício narrativo. Sei muito bem que Salve Geral e Guerra dos Mundos pertencem a gêneros distintos. Mas se o diretor seguisse apenas o ponto de vista de sua protagonista, Salve Geral ainda falaria da interligação da sujeira entre poder e corrupção – sem isentar o povo de culpa. E teria saído mais emocionante. Infelizmente, Rezende cisca em vários terrenos possíveis para se avaliar o assunto e acaba não se aprofundando em nenhum deles.
Talvez o diretor esteja mais preocupado com propaganda política às vésperas das eleições presidenciais no Brasil, afinal seu filme é uma arma e tanto para alfinetar o principal adversário do atual governo. Neste caso, independentemente de minhas orientações políticas, Salve Geral é eficiente, mas desinteressante como cinema. Aliás, Rezende ainda falha de forma tosca em algumas cenas, em que a música anuncia ao público o que virá a seguir. Talvez ele precise abandonar um pouco a leitura das notícias populares (e dos livros de História, afinal ele dirigiu Lamarca e Canudos) para retornar ao primário das aulas de cinema.
Ao menos, temos Andrea Beltrão, que é uma grande atriz. Se o público não se reconhece 100% em sua personagem, isso é culpa de Sérgio Rezende. Quem é que consegue engolir a paixão nada convincente de Lúcia por um detento? Será que o diretor quer relembrar a ex-garotinha do Balão Mágico? Ou que a gente tenha simpatia por ex-Polegar? Ah, tenha dó.
Salve Geral (2009)
Direção: Sérgio Rezende
Roteiro: Sérgio Rezende e Patrícia Andrade
Elenco: Andrea Beltrão, Lee Thalor, Denise Weinberg e Bruno Perillo